
A marca e o líder
Hoje a Tesla é uma marca à deriva. A sobrevivência da marca dependerá da sua capacidade para se reinventar de forma a recuperar a confiança de clientes e acionistas. Se tiver tempo...
Quando começamos a explorar o fascinante mundo das marcas rapidamente encontramos muitas delas com o nome do seu fundador. A Ford, a Ferrari ou a Disney são exemplos de empresas onde existe uma fusão total com a pessoa que as criou. Curiosamente, todas elas também conseguiram construir identidades próprias que acabaram por ultrapassar a figura de Henry Ford, Enzo Ferrari e Walt Disney. O tempo, naturalmente, ajudou nessa construção e o líder soube dar espaço para que ela pudesse acontecer.
Temos também outros casos em que a marca e o seu líder se tornaram praticamente indistinguíveis. É impossível falar de Apple sem referir Steve Jobs, ou de Facebook sem mencionar Zuckerberg. E ainda, em casos mais extremos, Richard Branson que transformou a Virgin num reflexo da sua personalidade irreverente ou Jeff Bezos que personificou a Amazon durante muitos anos.
Mais do que o fundador ou CEO, cada um tornou-se, à sua maneira, na própria essência da marca, o que se traduziu numa enorme vantagem nos tempos de crescimento e inovação por que elas passaram.
Atualmente, um dos casos mais evidentes entre a fusão entre marca e líder está na Tesla. Durante anos, Elon Musk foi o grande impulsionador da marca e do seu sucesso. Sendo visto como visionário e como o grande empreendedor que conseguiu entender e antecipar o futuro da mobilidade, mudou as regras do jogo, e teve a coragem de enfrentar gigantes estabelecidos e de os vencer no seu próprio campo.
A Tesla, seguindo o exemplo de outras marcas de Musk, sempre tentou evitar o investimento em rubricas de marketing tradicional, preferindo uma aproximação completamente divergente ao que a indústria automóvel preconiza. E a Tesla acabou por beneficiar do carisma visionário de Elon Musk, que se posicionou como o rosto, o cérebro e o embaixador da marca.
Nos últimos meses, e à medida que o CEO foi assumindo posições mais controversas em debates políticos e sociais, o impacto na empresa tornou-se cada vez mais evidente.
A marca enfrenta agora uma erosão séria na sua reputação, com boicotes sucessivos em vários pontos do globo e com acusações muito graves que levaram os consumidores — atuais e potenciais — a distanciarem-se da marca.
Níveis de rejeição históricos, quebras de vendas que ultrapassam os 70% em vários mercados, deveriam ser indicadores suficientes para que o líder da empresa tivesse noção da gravidade do momento para a sua marca.
E se o momento já era critico, a solução encontrada não poderia ter sido pior, transformar um dos edifícios mais icónicos do mundo num stand de vendas, com o Presidente do país mais poderoso a ser parodiado por parecer fazer parte de um qualquer show de vendas televisivas. Se tivesse estado quieto o dano não teria sido tão grande.
O carro que foi, supostamente, vendido ao Presidente teve como consequência mais uma gigantesca quebra na cotação bolsista da empresa, havendo um conjunto de investidores extremamente preocupados com a gestão de Musk e com o futuro (ou sobrevivência) da empresa.
A Tesla prepara-se para pagar um duro preço pela sua prática de, durante anos, ter optado por uma estratégia de marketing e de comunicação praticamente assente em redes sociais e na imagem e ações do seu fundador. O que poupou durante todos esses anos, poderá não ser suficiente para cobrir os custos da contaminação que criou.
Hoje a Tesla é uma marca à deriva. Tecnologicamente há produtos tão ou mais interessantes do que os seus e a preços mais competitivos. O visual depurado dos seus modelos começa a ser visto como pobre e não como minimalista. Mas onde a marca terá de encontrar soluções é na sua comunicação. Hoje é notória a falta de estrutura na sua comunicação institucional, o que a transforma numa marca refém das imprevisibilidades e da cacofonia do seu líder. Sem ter outra voz que consiga gerir crises e passar credibilidade e estabilidade, a marca fica perdidamente exposta às oscilações de perceções de uma figura tão carregada de idiossincrasias.
A Tesla irá enfrentar nas próximas semanas e meses um dilema estratégico crucial. Para recuperar a confiança do mercado e dos consumidores não deverá haver muitas alternativas ao afastamento de Musk. Depois terá de criar uma identidade própria e consistente. O que irá obrigar a empresa a construir um novo modelo de comunicação capaz de responder a esta crise. E isso, como bem sabemos, leva tempo e tem custos que a empresa nunca quis ter.
A história da Tesla e de Elon Musk é um caso paradigmático sobre os riscos de uma marca e da imagem do seu líder estarem excessivamente ligados. O que foi uma vantagem competitiva, é agora um problema grave com impacto direto nas vendas e no valor da marca e da empresa. A sobrevivência da marca dependerá da sua capacidade para se reinventar de forma a recuperar a confiança de clientes e acionistas. Se tiver tempo…
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