Deus ex-machina
A coragem é, na era da Inteligência Artificial, sairmos do medo e procurarmos o nosso lugar. E se não podemos parar o vento com as mãos, icemos uma vela.
Quem é que quer realmente pensar, medir, concluir e aceitar que o valor do seu trabalho pode estar a erodir-se? Sim, as organizações medem ROI, ROE, produtividade. Desse cálculo resulta, um número que satisfaz ou não satisfaz a organização, mas é muito pouco granular no que respeita aos contributos individuais e ainda mais quando falamos naquilo que é mais intangível, como são as áreas de marca, comunicação e até certo ponto, sobretudo no setor dos serviços, o marketing. Talvez poucos ou ninguém o diga em voz alta, mas as métricas de sucesso e de conversão em leads de negócio, são, at best, aproximações.
Durante um tempo, estive em negação e consolava-me o que ouvi do Professor Nadim Habib, da Nova: ninguém sabe realmente o ROI do Marketing, mas experimentem não ter e não demorará muito a que o bottom line comece a emagrecer. E depois, agora ou ontem, chegou a Generative AI e o Chat GPT. Tentei parar o vento com as mãos. Recusei-me a experimentar, acantonada na ideia, convicção ou secreta (e vã) esperança de que um algoritmo não fosse capaz de me replicar e até superar. Agarramo-nos à nossa convicção de professional self worth que é validada por avaliações de desempenho, feedbacks informais ou, simplesmente, o nosso nível de bem-estar numa organização.
Mas o vento não parou nem pára com as mãos. Chega o dia em que todos temos de refletir com coragem sobre o nosso valor real. Então experimentei. E guess what? Usei. E é incrível.
Comecei a ler. A ouvir os mais entusiastas. Líderes da empresa onde trabalho que estão ansiosos e curiosos com esta revolução. Que não a temem e querem armar-se para ela. Amigos, como a Academia de Código, que falam da Inteligência Artificial como uma oportunidade de saltos quânticos de eficiência. Invariavelmente, estas conversas desembocam na pergunta: então o que vai restar para nós depois da Generative AI controlar a sua “criatividade” e se tornar mais rigorosa e, nessa medida, passar a desempenhar metade das tarefas menores que nos ocupam o dia a dia?
No tempo do mundo em que escrevo estas linhas, tenho a convicção de que resta muito para nós, assim saibamos identificar onde está realmente o nosso valor acrescentado. Assim saibamos investir nesse valor acrescentado. Ao contrário do fenómeno do idadismo, que traz rugas, mas traz experiência sobretudo de resolução de problemas e de falhas – e a tecnologia sempre precisou de quem a monitorizasse e afinasse – preocupa-me onde vão os mais novos explorar o seu valor acrescentado nas organizações. Todos dominarão a tecnologia, mas menos a implementação. Todos saberão usar magistralmente um prompt do chat GPT, mas poucos saberão dominar a arte da política, a gestão de poderes, as emoções, a cultura onde se inserem que se aprende por tentativa e erro. Encarar a complexidade, encontrar respostas que não prescindem do Humano. Saber interpretar de forma fina o que querem os clientes, o que querem os stakeholders, o que fideliza relações e as torna duradouras, o que nos mantém ligados.
Na prestação de serviços e nos negócios, a eficiência, eficácia e automatismos obrigarão a que nos situemos na complexidade e na sofisticação e a poder, muito provavelmente, subir as remunerações dos serviços e dos colaboradores que souberem explorar o que é realmente o valor acrescentado. Vai ser duro. Vamos ficar expostos a nós próprios. Vamos deixar de nos poder esconder atrás do que parecia que só nós sabíamos fazer. Uma camada grande de trabalho indiferenciado vai desaparecer e, com ele, as organizações emagrecerão na base, para apostarem no topo.
O filósofo Paulo Tunhas, que nos deixou recentemente, disse que a Coragem é conseguirmos ir contra as nossas afinidades eletivas. A coragem é, na era da Inteligência Artificial, sairmos do medo e procurarmos o nosso lugar.
E se não podemos parar o vento com as mãos, icemos uma vela. A da identificação, sem medos, utopias ou negação do futuro, do valor que temos realmente para dar.
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