Longevidade: Viver cada dia como se fosse o primeiro
As marcas podem contribuir para condições de vida mais dignas para as gerações mais velhas, permitindo-lhes o acesso a produtos e serviços que até há pouco tempo lhes estavam vedados.
Nas últimas décadas, a esperança de vida tem vindo progressivamente a aumentar, a medicina ajuda a que vidas mais longas sejam acompanhadas por uma qualidade crescente ao nível de saúde e bem-estar e a economia social tem permitido que o padrão financeiro, o poder de compra e a própria evolução da oferta transforme o segmento sénior no mais dinâmico e promissor do mercado de países com economias desenvolvidas, mas com sociedades envelhecidas.
Vem isto a propósito de um extenso artigo publicado numa das últimas edições da revista Visão, intitulado ‘Viver120 anos (com boa saúde)’ em que se fala, por exemplo, nos elevadíssimos investimentos nas mais diferentes soluções para retardar o envelhecimento e em como esses investimentos se podem revelar altamente compensadores, referindo-se que a longevidade pode ser um grande negócio.
Refere nesse artigo a presidente da associação Age Friendly Portugal, Ana João Sepúlveda que “quanto mais as pessoas perceberem que vão viver mais tempo, mais vão querer investir em tudo o que acharem que lhes vai permitir aumentar o tempo de vida, por um lado, e viver melhor, por outro”, e acrescenta que “os países vão ter de promover o aumento do número de anos de vida saudável, pois não basta viver mais tempo. O SNS irá ter consultas de longevidade, mas em Portugal ainda estamos centrados no envelhecimento. O financiamento do SNS está mais virado para as doenças do que para a prevenção e esta é a grande mudança que a indústria da longevidade vai trazer.”
A Saúde é, certamente, a mais relevante das áreas da economia da longevidade, mas é também aquela em que as respostas, seja a nível curativo, seja a nível preventivo, mais rapidamente se vêm multiplicando, E, à medida que os mais velhos, especialmente aqueles que detêm um melhor poder económico, sentem que as questões da saúde e do bem-estar estão razoavelmente acauteladas, revelam uma muito maior disponibilidade para investir noutras áreas, como são o turismo, a cultura, o lazer, a moda, o grande consumo ou até a formação.
Numa sociedade muito causticada pela praga dos baixos salários, uma boa parcela dos seniores, seja os ainda integrados no mercado de trabalho, seja os já aposentados depois de carreiras contributivas longas e positivamente remuneradas, acabam por ser dos grupos populacionais com maior disponibilidade económica e melhor poder de compra. Não são todos os seniores, nem sequer a maioria dos seniores, mas ainda assim são um segmento de mercado muito importante e com um muito relevante poder prescritivo para as gerações seguintes.
Quantos avós apoiam activamente a vida dos seus netos, alojando-os, acompanhando-os, transportando-os, alimentando-os, mimando-os. Quantos pais ajudam, e continuarão a ajudar, financeiramente os seus filhos, financiando os seus percursos educacionais fora de casa, permitindo-lhes aceder de uma forma um pouco mais facilitada ao mercado de habitação, contribuindo para o abastecimento das suas despensas.
O envelhecimento das sociedades apresenta uma pesadíssima factura em termos de compressão da criação de riqueza, de sustentabilidade dos instrumentos de solidariedade social ou de sobrecarga dos sistemas de saúde, mas apresenta também muitas oportunidades ao nível de produtos e de serviços. Uns totalmente dedicados a estas faixas populacionais, outros, ainda que originalmente pensados para elas, com capacidade de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e consumidores de muitas outras gerações.
O envelhecimento é um problema incontornável para as sociedades, mas é também o resultado de uma evolução civilizacional muitíssimo positiva. A nossa esperança de vida é cada vez mais longa porque, desde logo, a mortalidade infantil é incomparavelmente mais baixa do que a que se verificava ainda há poucas décadas, porque a nossa alimentação é muito mais adequada, equilibrada e controlada, porque o acompanhamento médico é hoje transversal a toda a nossa vida, porque se vulgarizaram estilos de vida mais saudáveis, porque a medicina oferece hoje soluções curativas com razoáveis percentagens de sucesso para doenças que há alguns anos eram fatais.
O nosso envelhecimento é também o resultado da combinação de uma mais tardia mortalidade com uma significativa redução da natalidade. E se as dificuldades económicas e os problemas relacionados com a habitação contribuem fortemente para uma saída mais tardia de casa dos pais e um menor número de filhos por casal, na verdade, o aumento significativo da idade da mulher aquando do nascimento do primeiro filho, tem como consequência famílias necessariamente mais curtas, mas é também o resultado dos aumentos muito relevantes dos níveis de escolaridade e de uma aposta ainda mais forte em carreiras profissionais ambiciosas.
Ainda antes da pandemia, tive a oportunidade de me cruzar numa conferência com Maria João Valente Rosa, a mais reconhecida demógrafa portuguesa, que me confidenciou que, naquele momento, qualquer criança nascida em Portugal teria uma probabilidade superior a 50% de atingir os 100 anos de idade, uma idade que, aos dias de hoje, corresponde ainda a um marco extraordinário de longevidade. Agora, a Visão chama para a sua capa o que parece ser uma miragem: Viver até aos 120 anos e com boa saúde.
Esta perspectiva surge, pelo menos aos meus olhos, como assustadora. Confesso que não tenho nenhum desejo de me ‘arrastar’ até essa idade. Mas e se a ciência nos permitir chegar lá em boas condições físicas e mentais? Será que a nossa vontade de viver não nos motivaria a continuar por cá mais uns anos?
Tenho a felicidade de contar ainda com os meus pais vivos e é muito fácil observar que hoje um idoso, como o meu pai, a caminho dos 86 anos, não tem qualquer relação em termos de aspecto físico, agilidade mental, mobilidade ou da saúde em geral, com as que pessoas com idades bastante inferiores apresentavam há uma ou duas gerações atrás. Sei que é o meu pai e que há sempre um ângulo de observação um pouco enviesado, mas a melhor qualidade de vida é tão notória que não oferece a mínima dúvida. E diria que o caso dele está longe, muito longe, de ser caso único.
Mas a longevidade, a melhoria da esperança de vida e, acima de tudo, da qualidade de vida nas idades mais avançadas, também nos terá que obrigar a abordar temas que hoje são fracturantes e, por esta altura, muito politicamente incorrectos.
Quando nasci, algures em meados da década de 60, por cada reformado existiam um pouco menos de cinco pessoas no ativo, hoje esse número é já bastante inferior à relação de dois-para-um, e no espaço de uma geração, permanecendo tudo o resto constante, teremos uma relação de menos de um ativo para cada reformado.
Usando a mesma linha temporal, recordo que o meu sogro começou a trabalhar com 14 anos, o meu pai com 19. Eu já cheguei ao mercado de trabalho com 22. Muitos são os que entram, agora, em idades mais tardias. Temos, pois, cada vez menos ativos face ao número de reformados, e os ativos existentes têm carreiras contributivas bastante mais curtas do que aquelas que os profissionais de gerações anteriores geralmente apresentavam.
Por isso, não há maquilhagem política e orçamental que consiga disfarçar a mais elementar das verdades: o sistema não vai aguentar e em poucos anos ou diminuímos as regalias sociais ou aumentamos os níveis de endividamento para patamares muito superiores aos atuais e que serão totalmente incomportáveis.
Por isso também, há uma questão que, mais cedo ou mais tarde (e, muito provavelmente, mais cedo) terá de ser discutida em toda a Europa e, ainda mais rapidamente, nas economias europeias mais débeis, como é o caso da portuguesa: os patamares relativamente às idades de reforma terão que ser revistos e, infelizmente, aumentados.
Não discutir este tema e não agir sobre ele só vai penalizar, ainda mais, as gerações mais jovens. Não incorporar esta ideia no tecido empresarial, fornecendo instrumentos para que o trabalho dos mais velhos seja dignificado, valorizado, potenciado e gerador de uma cultura multigeracional no seio das organizações, é – definitivamente – não perceber o futuro que, afinal, é já hoje.
Mas voltando atrás, todas estas nuvens negras que se avolumam em consequência do envelhecimento progressivo da sociedade, não devem fazer esquecer as vantagens que podem ser conquistadas – para todas as gerações – a partir da economia da longevidade.
Ricardo Torres Assunção, diretor geral da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN), dizia, naquela peça da Visão, que o novo trend de inclusão dos mais velhos na comunicação comercial “acontece nas sociedades europeia e americana, porque as nossas pirâmides demográficas estão a ficar invertidas. Neste momento, transversal a toda a Europa, o grande poder de compra está entre as pessoas com 45 e 65 anos e é normal que as marcas adaptem as suas estratégias” e, como tal, “a publicidade cada vez mais representa o que é a vida das pessoas, com as marcas mais preocupadas e mais atentas, com a sua comunicação adaptada ao que tem sido a evolução da civilização.”
Não podia estar mais de acordo, com a consciência de que, ano após ano, a quota mais importante do poder de compra, desliza, lenta, mas inexoravelmente, para as idades mais avançadas.
A longevidade está já a ter e irá ainda incrementar o seu impacto no contexto socio-económico e nas perspetivas de evolução de todos os mercados e, por maioria de razão, do universo FMCG. Vários estudos indicam ser a idade um factor que influencia a forma como consumimos, estabelecendo certos valores, padrões e linhas de conduta. Por exemplo, a correlação entre o consumo e a saúde aumenta com a idade, enquanto a indulgência ou o prazer são atributos transversais a todas as gerações.
Os mais velhos são, sem dúvida, um segmento da população com necessidades específicas não apenas no que se refere às características intrínsecas do próprio produto ou serviço, mas também, por exemplo, na forma como realiza os seus actos de compra ou ao nível da mobilidade ou das acessibilidades.
Comparativamente ao que acontecia há três ou quatro décadas, muitos dos mais velhos de hoje são pessoas muito mais ativas, educadas, com literacia financeira, digitalizadas, com práticas de saúde e bem-estar … e a cada ano a substituição etária vai reforçar essa tendência. Sem nunca esquecer que debaixo do mesmo ‘chapéu’ etário se albergam pessoas com realidades e personalidades muito distintas e que, também aqui, as generalizações são excessivas e perigosas, sendo que a combinação entre saúde e bem-estar, mobilidade, actividade, desafio, capacidade financeira… cria uma miríade de nichos seniores.
À medida que o mercado observa os mais velhos com um grupo de elevado potencial de compra e de consumo, ultrapassa rapidamente o minimalismo saúde/funcionalidade para abrir caminho a novas propostas, havendo hoje novos produtos e serviços dirigidos especificamente para esse grupos etários, enquanto se observa um alargar do espectro de abrangência de muitos outros produtos para também privilegiar a atenção nos consumidores mais maduros.
No universo do grande consumo, em muitos produtos haverá que fazer uma adequação das suas características, embalagem ou forma de apresentação para ir de encontro às necessidades destes consumidores, noutros há que repensar completamente a oferta disponível ou desenvolver, de raiz, novos produtos. E a inovação pode desempenhar um papel muito relevante na resposta a estas dinâmicas, democratizando produtos e fazendo crescer mercados por meio do seu redireccionamento para grupos-alvo nunca anteriormente explorados.
Diferenciação, conhecimento aprofundado do consumidor e inovação são um território de eleição para as marcas.
Pela sua tradição e especialização, pela inovação dos seus produtos e das suas formas de comunicação, pela proximidade com o consumidor e pela capacidade de fazer parte das suas vidas, as marcas poderão adquirir um espaço acrescido e serem, por excelência, um modelo de geração de riqueza. Podem proporcionar uma adição de benefício e valor, permitindo (re)conquistar o futuro, mas sem perder de vista o presente.
As marcas podem contribuir para condições de vida mais dignas para as gerações mais velhas, permitindo-lhes o acesso a produtos e serviços que até há pouco tempo lhes estavam vedados e que são verdadeiros indutores de uma melhor qualidade de vida. Mas podem, também, ajudar a reconstruir as expectativas das gerações vindouras, oferecendo-lhes a possibilidade de desenvolver trabalho qualificado e desafiando-as a explorar o seu espírito inovador e a sua criatividade, ajudando-as a retirar algum do enorme peso que temos vindo a colocar sucessivamente sobre os seus ombros.
Este é, como já por várias vezes referimos, um desafio para gerações, um desafio em que muito será exigido a nós próprios e às gerações que nos sucederão e em que apenas o somatório de decisões individuais inteligentes, mas solidárias, permitirá a minimização do problema.
Mas é igualmente crucial adaptar as nossas estruturas e organizações, a nossa filosofia empresarial e o nosso mind set, à sociedade em que vivemos e ao país que somos, percebendo que sendo este um enorme desafio e um sinal claro de decadência civilizacional, é também uma oportunidade para nos adequarmos aos anseios e prioridades daqueles que integram a nossa sociedade hoje.
Dizia o mais reconhecido arquitecto brasileiro, Óscar Niemayer, que um dos segredos da longevidade passava por evitar pensar cada dia como se fosse o último, mas ter a coragem de viver cada dia como se fosse o primeiro.
Era tão bom que o conseguíssemos fazer…
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