Quando o preço é o critério principal, ficamos todos a perder

  • Marlene Gaspar
  • 26 Agosto 2025

Nós, profissionais, queremos ir a jogo. Os concursos públicos deveriam servir para servirmos bem o Estado e os nossos clientes, não para servirmos barato.

Estamos em pleno verão e em época de ir a banhos, e a vida continua e as empresas continuam a trabalhar — e é assim que tem que ser. Em plena silly season, continua a haver coisas para fazer e mantém-se os concursos e os concursos públicos.

Vou debruçar-me mais sobre estes últimos. Confesso que me começa logo a tremer o olho quando vejo nos cadernos de encargos um único critério — o preço. E, quando não é o único, é o que tem mais peso.

Quando só importa o valor mais baixo, não estamos a nivelar pelo serviço — estamos a regatear. E se regatear é uma prática obrigatória para comprar souvenirs no Grand Bazaar em Istambul, não o deveria ser para adquirir serviços estruturais, essenciais, que vão ser colocados à disposição do público e que exigem a maior responsabilidade.

Analisemos sistemas críticos e estruturantes como a saúde, os transportes e a energia. Temos até um bom exemplo, que está agora mesmo em desenvolvimento: a futura linha de alta velocidade, que começará em breve a ser construída.

Eu não quero que o fator preço seja o fator decisivo em nenhum deles. Falo da segurança dos transportes onde viajo com a minha família, com a minha equipa, com as minhas pessoas e onde se serve a sociedade em geral. Eu não quero que o preço mais baixo seja o critério mais valorizado, se isso servir para negligenciar áreas essenciais como a segurança.

E isto também se aplica a outros serviços, como os que conheço melhor: consultoria, comunicação, publicidade, marketing e afins. Em vez de estimular a qualidade, esta postura promove o contrário. É perigosa, porque nivela por baixo e empurra a qualidade para a irrelevância. E se isto se alimenta com as empresas que, ao responderem a estes concursos, não respeitam linhas orientadoras de preços indicativos, e vão ainda mais para baixo, praticando dumping — ainda que tímido: como diria a minha mãe: “temos a burra nas couves”.

Apresentar propostas muito baixas pode ganhar concursos, mas também conduz ao “pagar para trabalhar” — e isso não pode ser aceitável. Deixem-nos trabalhar, sim, mas pelo valor justo. Baixar o preço é uma tática arriscada, não é estratégica e não gera bons resultados a longo prazo. Além disso, acaba por desvalorizar todo o setor e não apenas quem decidiu baixar o preço. Fala-se muito de que Portugal é um país de baixos salários — e isto pode fomentar isso mesmo.

E com isto não quero dizer que o preço não deva ser critério. Claro que sim. É importante sabermos o orçamento disponível e, em função dele, elaborar a melhor proposta, com a melhor solução. Se pudermos rebatizar o critério “preço” como “valor”, torna-se mais fácil apresentar o que realmente representa e concede mais ferramentas a quem avalia, permitindo uma visão holística, completa e que considera o retorno do investimento.

E é óbvio que os fundos não são ilimitados, mas sabemos que são ponderados e atribuídos para garantir a qualidade e/ou para aferir no mercado se é razoável para o pretendido. Se baixam esse valor, e como já se assistiu para metade e até menos, está-se a comprimir a qualidade do que temos para entregar e, não para cabermos na baliza que está definida, mas para ir aquém dela e garantir o negócio. Não compensa.

A responsabilidade cabe tanto a quem define as regras como a quem as aplica. Conhecer os critérios dá-nos maior capacidade de decisão: ir ou não ir a jogo. Já tomámos ambas as opções e nunca ganhámos quando o critério foi apenas o preço. Ainda não sei o que é melhor — participar ou não participar quando é esse o único fator tido em conta. Não avançar com propostas justifica-se para não ficarmos “a arder” com o investimento feito na preparação — desperdício de talento e de recursos profissionalmente construídos de forma honesta e qualificada. Ir a jogo permite mostrar a nossa metodologia e explicar por que não é possível baixar o preço drasticamente face ao budget indicativo.

Afinal, se existe uma referência de preço, porque haveríamos de a reduzir consideravelmente? Seria assumir que o nosso talento e as nossas pessoas valem menos do que aquilo que foi estipulado.

Deposito esperanças na anunciada Reforma do Estado e sei que esta questão já foi identificada tanto pelo ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz (veja-se o folhetim da compra de comboios por parte da CP, um ano e meio embargado devido a reclamação dos concorrentes preteridos) e também pelo ministro-adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Matias.

A anunciada reforma, recentemente aprovada, que vai abranger todos os ministérios e terá dois níveis: orgânico e de transformação organizacional, começou, por agora, pelo Ministério da Educação. Anuncia-se que vai simplificar e digitalizar processos, orientados a cidadãos e empresas, e também rever a legislação em vigor.

Entre essa legislação a ser revista inclui-se o código da contratação pública. Segundo pudemos ler aqui no Eco, é “já a partir de setembro” que o Executivo vai apresentar propostas de alteração legislativa nestas áreas, pelo que esta reflexão torna-se ainda mais pertinente.

Não podemos continuar a justificar o contrário de tudo aquilo que constrói credibilidade, confiança e valor público.

Nós, profissionais, queremos ir a jogo. Temos de deixar de nos orientar apenas pelo critério preço e começar a valorizar mais a qualidade das propostas. Os concursos públicos deveriam servir para servirmos bem o Estado e os nossos clientes, não para servirmos barato. Faço votos de que esta reforma seja o pontapé de saída para mudar este contexto.

 

Nota: Este texto foi revisto e editado com o apoio do ChatGPT, respeitando o estilo e a ortografia definidos pela autora. Neste caso os últimos parágrafos em itálico, foram escritos pelo Chat GPT respondendo ao prompt da autora.

  • Marlene Gaspar
  • Diretora-Geral da LLYC

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