A estabelecer pontes, Lúcia Cavaleiro, na primeira pessoa
Lúcia Cavaleiro queria ser jornalista, mas acabou por enveredar pela comunicação corporativa. "Fazer pontes" é o que deixa a diretora de comunicação da Tabaqueira realizada.
Depois do jornalismo e assessoria de imprensa em estruturas governamentais, foi responsável pela comunicação da Tap e da Uber, sendo agora diretora de comunicação da Tabaqueira. É também diretora da APCE (Associação Portuguesa de Comunicação de Empresa). “Fazer pontes é algo que me acompanha e faz sentir realizada desde sempre“, diz Lúcia Cavaleiro, numa conversa com o +M.
Os primeiros passos enquanto profissional foram dados como jornalista, mas a prática já vinha bem de trás, embora nem se recorde. Quem lho disse foi um amigo seu, num aniversário, no qual se vangloriou de ter sido o seu primeiro entrevistado, quando tinham ainda seis ou sete anos de idade. É que, quando faziam corridas de bicicletas, Lúcia Cavaleiro dava sempre a sua bicicleta a outra pessoa e preferia ficar na linha da meta, com uma garrafa de plástico, a fazer entrevistas a quem ganhava.
Depois de ter estudado Ciências da Comunicação na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã – onde se “por um lado sofríamos o estigma da interioridade, por outro lado tínhamos a vantagem de serem turmas mais pequenas” – ingressou no mundo do jornalismo televisivo, primeiro pela porta da SIC, através de um estágio, e depois pela da RTP, onde esteve quatro anos e foi apresentadora de um programa.
Após cerca de quatro anos a exercer a profissão, foi assessora de imprensa do Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior, um convite que não aceitou à primeira. Isto numa altura em que “ainda não havia muito esta tradição de passar do jornalismo para a comunicação institucional, era um bocadinho passar para o lado negro da força“.
Para a aceitação pesou o facto de lhe terem explicado que “muitas vezes as instituições querem comunicar, os jornalistas querem informação e faltava alguém para fazer a ponte. Alguém que soubesse o que os jornalistas precisavam e perceber onde pode ir buscar essa informação dentro das instituições”, explica.
É essa vontade e gosto de fazer e estabelecer pontes que tem marcado o percurso de Lúcia Cavaleiro, não só profissionalmente mas também ao nível pessoal, refere.
E isso é desde logo percetível pelos seus interesses. Um deles passa por aprender novos idiomas. “Mesmo que seja o nível básico, acho que comunicar com outras pessoas no seu idioma nativo é também uma ferramenta de promoção de interação, de criação de proximidade e também uma forma de estabelecer pontes“, refere.
Até agora aprendeu francês, inglês, italiano, russo e chinês, embora em “níveis muito diferentes”. Num futuro próximo está na calha aprender alemão e grego. Árabe e hebraico “são muito difíceis”, pelo que tenciona deixar a sua aprendizagem para quando estiver na reforma.
O chinês, aliás, aprendeu em conjunto com as duas filhas (de 17 e 14 anos), com quem vive no centro de Lisboa. Descrevendo-se como uma citadina que gosta muito de “fazer vida a pé”, Lúcia Cavaleiro mora em Alvalade e diz apreciar a “vida de bairro no meio da cidade”.
É também com as filhas com quem joga muito jogos de tabuleiro – principalmente “Catan” – mas também “Gestos”, jogo que proporciona muita competição mas também “enormes gargalhadas e uma risota pegada”. Além disso, partilha a paixão pelas viagens com as filhas, “que passam o tempo a planear a viagem seguinte”.
“À semelhança das entrevistas com garrafas de plástico”, a paixão pelas viagens está “em mim desde sempre, e é uma paixão que é partilhada por toda a família. É algo que fez parte da minha educação. Em minha casa o que era importante era ir, a pé, de carro, de comboio, de barco, de avião. Era ir. Ir e conhecer”, explica a profissional de 46 anos.
A primeira viagem transatlântica sozinha foi feita aos 16 anos para Toronto, no Canadá, para visitar uma tia emigrada – com quem por acaso partilhava o nome – que ainda não tinha tido oportunidade de conhecer. “E, portanto, volto a este tema, de que fazer pontes é algo que me acompanha e faz sentir realizada desde sempre“, afirma.
A paixão pelas viagens é combinada com a que a diretora de comunicação da Tabaqueira também tem pela fotografia, forma que encontrou de registar a sua experiência em determinado contexto ou local.
“Gosto de observar detalhes, de forma muito personalizada, gosto de estar num sítio e de saber que se calhar as fotografias que vou trazer de lá não são as mesmas de outras pessoas, porque eu vou trazer a minha leitura daquele sítio”, explica. Por motivos de trabalho, e apesar de ser amadora, já teve o “privilégio” de fotografar personalidades como o Papa Francisco ou Sebastião Salgado, “um dos grandes fotógrafos mundiais”.
“Algures no tempo”, enquanto esperava pelas filhas – uma na aula de violino e outra na aula de piano – acabou também por se inscrever em aulas de canto, movida pela “curiosidade”, tendo em conta que sempre usou o “instrumento da voz” no seu trabalho. E, segundo a sua professora, “até tinha algum jeito e um bom desempenho”, assegura.
Correr é outras das atividades de que gosta bastante, embora ultimamente pratique mais a “caminhada com passada acelerada”. A corrida começou de uma forma “completamente desinformada e sem técnica” – mais por “fazer uma atividade física e conseguir desligar a cabeça” – mas acabou por se tornar uma paixão.
Para o desenvolvimento dessa paixão contribuiu o “espírito de entreajuda” dos colegas que foi conhecendo num grupo de corrida que integrou. Foi graças a esse grupo que acabou por fazer uma meia-maratona – embora os 10 kms fosse onde se sentisse mais confortável – tendo também participado numa corrida de estafetas.
Embora fosse a mais lenta, a sua equipa acabou por ganhar no seu escalão, pelo que os colegas lhe entregaram o prémio, o qual ainda hoje tem guardado pela lição de que “nunca devemos deixar ninguém para trás” e de que “se trabalharmos em equipa, podemos conquistar e superar os desafios“.
Já uma vez por semana, entre as 20h e as 21h, liga-se através do Zoom a um grupo de leitura. “Na era dos dispositivos móveis e do scroll down acho que é fundamental encontrarmos tempo para ler, para abrir horizontes através da leitura”, diz.
Voltando ao seu percurso profissional, depois da passagem pelo ministério, Lúcia Cavaleiro ainda passou pela TSF e Imagens de Marca, antes de assumir a função de assessora de comunicação, num organismo do Ministério do Ambiente, a CCDR LVT (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo).
Foi aí, quando já estava grávida da sua primeira filha, que foi “recrutada” para a TAP, tendo entrado no “mundo gigante da aviação”, que tem uma componente tecnológica mas também um impacto “muito grande na vida das pessoas, porque liga localidades e pessoas“.
Em grande parte dos quase 15 anos que esteve na companhia, Lúcia Cavaleiro desempenhou a função de assessora de imprensa e de responsável pela área de comunicação, tendo também sido treinada enquanto porta-voz. Foi também responsável pela coordenação da comunicação de segurança, numa altura em que pouco depois surgiu a pandemia.
“De repente, num projeto que tinha umas características muito específicas, passámos a ter de lidar com uma situação para a qual não havia nenhum playbook. Mas foi um período também muito rico. Tenho um certo orgulho porque um dos meus últimos projetos antes de sair [da TAP] foi este que levou a companhia a ser considerada a mais segura da Europa e a terceira mais segura do mundo”, afirma.
Depois surgiu a possibilidade de “dar o salto” para uma empresa global, a Uber, convite que foi aceite pela “vontade de trabalhar com uma empresa de grande dimensão, inserida num mercado global”. “Eu achava que era o salto que me faltava dar e de facto acho que foi definitivo para trabalhar em ambientes internacionais e globais. Aprendi a questão da sistematização, o que é ser um mercado que tem de lidar com outros mercados, a interação entre equipas de comunicação globais e o que se ganha com essa multiculturalidade”, observa.
Após a passagem pela Uber, surgiu o “desafio contínuo” de liderar a comunicação da Tabaqueira, empresa subsidiária portuguesa da Phillip Morris que está a passar por uma “jornada de transformação intensa e que tem em vista a mudança do paradigma do negócio”, que é o fim da comercialização dos cigarros e a sua substituição por produtos alternativos, sem combustão.
“Ajudar a comunicar este propósito, de um mundo sem fumo, e que tem em vista contribuir para a construção de uma futuro melhor para todos, naturalmente que muito me orgulha e desafia diariamente“, afirma.
Olhando para trás, Lúcia Cavaleiro achava que ia ser jornalista. “Eu não antevi um percurso na comunicação corporativa. A verdade é que quando experimentei, percebi que o mundo da comunicação é muito mais vasto, tem missões que também são muito satisfatórias, que me fizeram crescer imenso, e que é um mundo muito mais desafiante do que aquilo que eu pensava“, explica.
“No meio de um incêndio, tu nunca correrás no sentido oposto“, foi uma frase que a marcou nesse seu percurso no jornalismo e que lhe foi dita por um diretor numa rádio onde trabalhou. Na altura não percebeu muito bem o que lhe queriam dizer, mas agora pensa que sim. “Uma vez jornalista, há coisas que ficam em nós e eu acho que isso é muito importante para quem trabalha comunicação“, diz.
Mas a porta de regresso ao jornalismo não está nem fechada, nem aberta. “Se é um sítio onde vou voltar ou não, não sei. Eu gosto de estar a viver o presente e gosto de deixar trabalho feito em cada desafio que me proponho“, afirma Lúcia Cavaleiro.
Lúcia Cavaleiro em discurso direto
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1 – Qual é a decisão mais difícil para um responsável de comunicação?
A decisão mais difícil para um responsável de comunicação pode ser determinar a melhor maneira de transmitir uma mensagem. Cada público é único e requer uma abordagem diferenciada e o ecossistema de comunicação é cada vez diversificado, aumentando o número de estímulos a que as audiências estão expostas, o que pode tornar a decisão sobre como comunicar efetivamente um desafio.
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2 – No (seu) top of mind está sempre?
Está sempre a procura pela inovação e pela criação de conteúdo relevante. Está ainda a necessidade crucial de garantir que todas as comunicações estejam alinhadas com a missão e os valores da organização. Procuro também diariamente atualizar-me para ter uma visão de helicóptero sobre o mundo e sobre as dinâmicas nacionais.
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3 – O briefing ideal deve…
O briefing ideal deve ser claro, conciso e diretivo, o que implica um bom trabalho prévio. Deve indicar claramente os objetivos, o destinatário, o orçamento e o cronograma, não limitando a criatividade. Sendo uma peça bem construída, traz, a todos os envolvidos, eficiência e produtividade no seu desenvolvimento e concretização.
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4 – E a agência ideal é aquela que…
É aquela que entende profundamente a empresa e a sua visão. É aquela que é parceira e que veste a camisola e que nem percepcionamos como agência no dia-a-dia, mas como parte integrante da equipa. É aquela cujos métodos de trabalho, valores, objetivos e vontade de desenvolver projetos e encontrar soluções criativas são convergentes com os da organização.
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5 – Em comunicação é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Em comunicação, vale a pena arriscar desde que se faça o trabalho de casa para antever cenários e planear estratégias, diminuindo riscos desnecessários. O conceito de arriscar é ir para além do conhecido, e fazer isso é inovar, o que é essencial para se evoluir na forma como se comunica. Embora seja importante manter a consistência e a coerência.
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6 – Como um profissional de comunicação deve lidar e gerir crises?
Como um mediador que gere a relação entre todos os envolvidos de forma a encontrar, com a maior rapidez possível, a mensagem relevante a ser transmitida. Deve trazer um sentido único e agregador de todas as informações que recebe para construir uma comunicação coesa, dinâmica e eficaz. Lidar e gerir situações de crise é algo que “comes with the job” de qualquer comunicador. Assim, são importantes a preparação e o treino frequentes para que seja possível manter a serenidade – algo muito importante que lhe permitirá uma maior clareza na decisão ou aconselhamento e empatia na gestão dos diversos stakeholders.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Creio que serão poucos os profissionais de comunicação que se deparem com este “dilema”. Mas, mais do que um orçamento ilimitado, o importante é conhecer os recursos internos da organização para perceber como podem ser usados com eficiência para promover a inovação e o crescimento.
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8 – A comunicação em Portugal, numa frase?
A comunicação em Portugal é diversificada, dinâmica e em constante evolução.
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9 – Construção de marca é?
Ter uma visão e trabalhar com resiliência e sentido de missão.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em comunicação?
Se não trabalhasse em comunicação, poderia ser piloto de avião. Além de se poder dizer que tem o escritório com a melhor vista do mundo, é uma atividade com uma finalidade e com características com as quais me identifico. É uma ponte que une qualquer lugar e todas as pessoas e traz a oportunidade de explorar novos horizontes, além de, sendo uma máquina mais pesada do que o ar, implicar uma atualização constante de conhecimento e eu gosto de estudar. A necessidade de uma avaliação permanente para reduzir riscos e garantir um transporte de bens e pessoas entre dois pontos, em segurança, é também uma missão muito importante e cativante nesta profissão. Outra opção poderia ter sido a de diplomata, de forma a promover o diálogo e a cooperação através da comunicação. No mundo tão competitivo e dinâmico em que vivemos, estabelecer pontes e criar pontos de convergência é algo que eu faria com muito gosto.
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