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Com a responsabilidade de saber que tem de contribuir positivamente para a sociedade, João Pedro Clemente, da Coca-Cola, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

China, Singapura, Brasil ou Japão são alguns dos países percorridos por João Pedro Clemente ao longo da sua carreira. O responsável de marketing da Coca-Cola tem agora um novo desafio: ser pai.

“A Coca-Cola é uma marca com um impacto tal na sociedade que tudo aquilo que fazemos pode ter um impacto bom ou menos bom, portanto temos sempre de pensar muito bem para que tenha um impacto positivo. Esse é o principal papel quando se trabalha uma marca como a Coca-Cola: a responsabilidade de saber que temos de contribuir positivamente para a sociedade porque o peso da sociedade já lá está, e esse é incontornável“, considera João Pedro Clemente, responsável de marketing da Coca-Cola em Portugal.

Numa conversa com o +M, poucos dias depois de a Coca-Cola ter promovido um concerto “único” da artista Karol G em Lisboa, que “não vai acontecer em mais nenhum país da Europa”, João Pedro Clemente explica que trabalhar uma das marcas mais conhecidas do mundo (se não a mais conhecida), além de uma “grande responsabilidade”, é também um “privilégio”.

“Há coisas que não basta querer, é preciso ter toda uma série de condições para poder fazer. E a marca Coca-Cola, pela sua relevância, efetivamente traz e permite muita coisa, que com outras marcas é difícil fazer. Algo único da Coca-Cola é que deve ser das poucas marcas que realmente consegue falar e ser relevante para todos os consumidores. A Coca-Cola é para mais velhos, é para mais novos, é para homens ou mulheres, é realmente algo único”, afirma.

Aliás, a Coca-Cola foi mesmo a responsável por levar João Pedro Clemente a escolher uma carreira no marketing. É que depois de terminar a licenciatura em Gestão, na Universidade Católica, já tinha “alguma ideia” de que queria ir para a área de marketing, mas achou por bem ter primeiro uma experiência profissional nessa área.

Acabou por entrar na Coca-Cola (pela primeira vez) em 2011 como marketing trainee, período que coincidiu com a celebração dos 125 anos da marca, pelo que teve a “oportunidade” de realmente conhecer a história e o ADN da marca. “Tive o privilégio de ter uma primeira experiência no marketing em cheio e a verdade é que estive lá por volta de nove meses e foi no fim dessa experiência que percebi que era claramente a área do marketing que queria seguir“, diz.

Voltou então para a Católica para fazer o mestrado com especialização na área do marketing, ao que se seguiu a entrada na Gallo Worldwide, num programa de trainees “bastante diversificado”, com uma duração de 18 meses, que permitia desempenhar diferentes funções, em diversas áreas e em diferentes países, em períodos de seis meses. Depois deste programa, viria mesmo a integrar a Gallo Worldwide, sempre trabalhando mercados internacionais.

Logo numa fase inicial da sua carreira – e sendo o Brasil um dos maiores mercados da marca Gallo – João Pedro Clemente esteve deslocado durante seis meses em São Paulo para “entender a cultura daquilo que era um dos consumidores mais relevantes para a marca a nível global”. Mas foi também no país brasileiro que enfrentou um “choque cultural“.

“Posso dizer que foi uma experiência surpreendente no sentido de que muitas vezes acreditamos que existe uma grande semelhança – por todas as coisas que temos em comum – com a cultura do Brasil, mas na verdade tive um choque cultural muito grande. Enquanto nós entendemos o idioma com alguma facilidade, eu quando cheguei lá a falar português de Portugal não me fazia entender tão bem como eu acreditava antes de ir, e houve ali um processo de adaptação ao início”, refere.

No entanto, “foi uma experiência incrível, porque realmente deu para perceber, nos mais diversos aspetos, que por mais que nós pensemos que sim, até ver os consumidores de perto nós não os conhecemos. Foi logo uma grande lição para a minha carreira, que é a de não subestimar as diferenças culturais que existem“.

No âmbito do seu percurso profissional na Gallo Worldwide teve a oportunidade de visitar muitos outros países como China, Singapura, Arábia Saudita, Indonésia ou Japão. E foi precisamente com os mercados asiáticos que João Pedro Clemente teve novamente um “banho de realidade“, ficando com a certeza de que “é preciso conhecer os consumidores em vez de às vezes se trabalhar sobre o suposto ou até preconceitos que existem“, defende.

Quando trabalhamos uma marca global é fundamental olharmos para todo o nosso marketing mix e pensar qual é a resposta que a marca tem mais adequada para as necessidades do consumidor naquele mercado. Não pôr em causa a consistência estratégica da marca, mas ter a flexibilidade e agilidade de adaptar tudo aquilo que seja possível no marketing mix para maximizar a relevância local“, considera ainda.

A certa altura, João Pedro Clemente decidiu que queria trabalhar o mercado do país onde vivia pelo que, dentro do mesmo grupo, foi para a Jerónimo Martins Distribuição (JMD), cujo modelo de negócio é “distribuir marcas internacionais cá em Portugal e fazê-las crescer e desenvolver”.

Poucos anos depois, no âmbito de uma restruturação da Coca-Cola, teve a oportunidade de voltar a juntar-se à marca que o fez enveredar pelo marketing, sendo o responsável de marketing em Portugal desde há três anos. O desafio passa por conseguir que tanto marcas tão estabelecidas como a própria Coca-Cola, como outras lançadas recentemente como a Royal Bliss, consigam “vingar, ganhar tração e relevância, crescer e responder às necessidades dos consumidores portugueses“.

Para lá do tempo dedicado ao marketing e ao trabalho, o responsável da Coca-Cola gosta também de praticar desporto. Tendo sido incentivado desde pequeno à prática desportiva, João Pedro Clemente faz desporto de competição desde os 15 anos. “O desporto é uma verdadeira paixão e é algo que moldou a pessoa que sou ao nível de hoje, tanto a nível pessoal como profissional“, afirma.

Depois de praticar polo aquático durante mais de 10 anos – desporto que deixou por falta de disponibilidade – começou a jogar padel, tendo-se federado e começado a jogar em competição. Nos últimos cinco anos passou a fazer triatlo, naquele que é um estilo de competição um pouco diferente, “onde mais do que querer ganhar um jogo é querermos continuar desafiarmo-nos a nós mesmos”.

À parte do trabalho e do desporto, o (pouco) tempo que sobra é passado com os amigos e a família, o que pode ser feito tanto através de “almoçaradas e jantaradas” como de idas à praia ou a festivais e concertos.

A questão da família adquiriu todo um outro significado e passou a representar uma “fatia maior” recentemente, o que levou a que agora seja “menos praia e menos festivais de música”. É que, há dois meses, João Pedro Clemente foi pai pela primeira vez, de uma menina chamada Maria Helena.

É uma nova etapa, tem naturalmente os seus desafios, mas sem dúvida também se pode aplicar a palavra paixão nesta fase que estou da minha vida pessoal, numa forma um bocadinho mais pequenina e concentrada, mas com toda uma outra dimensão ainda maior“, diz.

A experiência da paternidade está também novamente a ensinar a necessidade de “sair da zona de conforto constantemente” e de “saber lidar com algo sobre o qual não se tem controlo”. “Obriga sempre a uma adaptação constante e a reiventarmo-nos um bocadinho, é super estimulante, estou a adorar esta primeira experiência como pai”, relata.

A gastronomia também assume um papel importante na sua vida. “Sou uma pessoa que aprecia boa comida e que adora comer bem. Um bom almoço ou jantar fora, principalmente ao pé da praia, é algo que ajuda sempre a espairecer e a energizar”, diz. Como pratos de eleição elege camarão tigre grelhado, com um pouco de limão, e um naco de carne na pedra com um bocadinho de sal e ervas. “São dois pratos que se forem bem feitos não precisam de muita coisa e fazem-me extremamente feliz”, acrescenta.

João Pedro Clemente em discurso direto

1. Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

No que diz respeito a campanhas internacionais, tenho de falar da Barbie, o rebranding mais bem-sucedido dos últimos anos. Todos os que trabalham marketing lutam para tentar passar uma mensagem num vídeo de 30” ou menos e aqui, fizeram um autêntico all-in ao lançar um filme com estrelas de Hollywood com um plano muito bem trabalhado.
Relativamente a campanhas locais, tenho de viajar 47 anos atrás de volta ao lançamento da Coca-Cola em Portugal com o slogan criado por Fernando Pessoa, “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Não sendo o slogan mais “sexy” e muito menos “marketiniano”, este confere a ligação profunda que a marca cria com os consumidores, e é tão icónico que ainda hoje é utilizado em contextos completamente alheios à marca.

2. Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Atualmente, dada a evolução exponencial da sociedade, um marketeer é exposto a mais informação que nunca, mas também a novas oportunidades seja pelas mudanças no comportamento do consumidor, ou pelas ferramentas disruptivas que podemos usar no marketing. Nesse contexto, é mais difícil escolher as oportunidades que realmente acrescentam valor às marcas e aos consumidores a médio-longo prazo. Portanto, é crucial para um marketeer definir prioridades, e decidir quais as oportunidades a investir seriamente e quais deixar passar de forma consciente.

3. No (seu) top of mind está sempre?

Ser melhor. Melhor pai, marido, amigo, profissional, desportista, entre outros aspetos relevantes da minha vida. Desde cedo fui incentivado pelo meu pai a praticar desporto, até descobrir o polo aquático, que me introduziu ao mundo da competição. Na competição, aprendi que treinar é essencial para sermos melhores e que só com uma mentalidade de treino e crescimento, podemos atingir os nossos objetivos. Essa mentalidade ajuda-me em todos os aspetos e também evoluiu com o tempo. Na vida profissional, por exemplo, não posso fazer duas campanhas de verão ou Natal sem melhorar algo em relação ao ano anterior.

4. O briefing ideal deve…

No início da minha carreira, tive um chefe que me fez reescrever um briefing mais vezes que outro qualquer porque, para que ele, uma a duas páginas de Word, tinha que ser suficiente independentemente da complexidade do desafio. Hoje, com mais alguns anos de experiências, e apesar de todas as mudanças no mundo do marketing, um bom briefing ainda precisa de um objetivo bem definido, um problema claro, um público-alvo, guias sobre a marca e contexto necessário para que quem recebe o briefing entenda a marca e o público-alvo. Agora também sou defensor que, se um briefing exceder duas páginas, a mensagem não está concisa e/ou as palavras não foram escolhidas criteriosamente.

5. E a agência ideal é aquela que…

A agência ideal deve combinar criatividade e inovação com um forte racional estratégico e, para poder ser estratégica, é obrigatório ter um profundo conhecimento da marca. A equipa deve compreender profundamente a marca, os seus valores, público-alvo e objetivos de negócio. Com isto, deve saber traduzir este conhecimento em campanhas eficazes e relevantes, nunca perdendo a capacidade de trazer ideias originais e dinâmicas. Finalmente, a agência deve ter excelente comunicação e espírito colaborativo para poder ser ágil na hora da execução sem comprometer a ideia inicial.

6. Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

São as duas igualmente importantes, o que é fundamental é saber quando é a altura ou campanha certa para jogar pelo seguro e quando devemos arriscar. Lembro-me de no pós-Covid, todas as conversas andarem à volta do que vai mudar e a preocupação do que as marcas têm de mudar para acompanhar as tendências até que, num determinado estudo, saiu que estávamos a viver um período de incerteza e consequentemente, era importante para o consumidor saber as coisas (marcas neste caso) que não iam mudar porque respondem às suas necessidades e eles confiam nelas. Posto isto, há alturas certas para tudo, o importante é ter um bom pulso do que está a acontecer no mercado e tendências do consumidor de modo a perceber as suas necessidades e trabalhar para aumentar a relevância das marcas.

7. O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Confesso que o budget, a meu ver pelas várias empresas onde trabalhei, não é o principal fator que nos limita no marketing. Temos exemplos de campanhas incríveis feitas com pouco budget, como temos campanhas feitas com níveis de budget astronómicos cujo resultado está longe de ser espetacular. Portanto, se pudesse ter algo ilimitado seria ambição porque aí sim acredito que, quanto maior é a ambição (do cliente e agência) melhor é o resultado. E, se pudesse pedir algo mais, mesmo que não fosse ilimitado, seria tempo, para poder extrair o melhor de cada pessoa na construção de uma campanha e analisar os resultados com o mesmo afinco.

8. A publicidade em Portugal, numa frase?

A publicidade em Portugal é, mais do que nunca, uma publicidade sem fronteiras. Para além de termos cada vez mais talentos portugueses a desenvolver e participar em campanhas internacionais de marcas globais, o que é fenomenal, temos diversas marcas globais a utilizar Portugal como palco de campanhas internacionais. Temos o exemplo de Coca-Cola que, tanto no Natal passado em Cascais com Merry Birthday, como agora no verão com Karol G e Coke Studio em Lisboa, foram criados conteúdos em território nacional para o mundo e devemos orgulhar-nos disso.

9. Construção de marca é?

Criar uma identidade única tal como a nossa. Uma identidade que seja reconhecível por todas as variáveis do marketing mix e, tal como as pessoas estabelecem relações de amizade ou amorosas porque sentem que a outra pessoa acrescenta valor à sua vida, uma marca só se constrói se tiver um papel e valor claro na vida do consumidor. Uma vez tendo isto claro, uma marca de qualquer setor, é um conjunto das experiências que proporciona aos seus consumidores logo, para construir esta identidade que temos pensada, temos de garantir que, a mesma se reflete nas diversas interações com o consumidor ao longo do tempo.

10. Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Acho que seria arquiteto. Lembro-me perfeitamente de ter feito um trabalho no liceu que consistia em desenhar o edifício que nos apetecesse com a técnica de pontos de fuga. Diria que foi dos trabalhos que mais gostei de fazer e tive uma excelente nota com aquilo que era a casa dos meus sonhos. Isto foi no nono ano e até equacionei seguir a carreira de arquiteto, mas segui marketing e adoro o que faço.

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