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A querer colocar a cultura no mapa dos portugueses, Inês Condeço, da Fnac, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

"A cultura é a nossa alma", entende Inês Condeço, diretora de marketing da Fnac, que considera que Portugal ainda tem "trabalho pela frente" no panorama cultural e que a Fnac tem de dar o exemplo.

A cultura faz parte da nossa vida, da minha vida, só assim é que faz sentido“, entende Inês Condeço, que diz querer colocar a cultura no mapa dos portugueses, missão que desenvolve com a Fnac, marca da qual é diretora de marketing.

A cultura é a nossa alma. Se tivesse de escolher, seria sempre a cigarra. Claro que as formigas são muito importantes, mas as cigarras aquecem-nos a alma e fazem-nos ter alegria de vida. E eu acho que esse acaba por ser também o papel do marketing muitas vezes nas empresas, de acrescentar aquela dimensão mais criativa, de propósito“, diz em conversa com o +M.

Para Inês Condeço, “o marketing acaba por ser uma forma de viver em pleno essa paixão pela criatividade, porque a cultura também é uma forma de criar”. “E acho que todos nós somos seres criativos e temos de encontrar sempre algo para manifestar essa nossa veia criativa, seja na nossa profissão, seja no nosso hobbie, mas é fundamental que todos nós, para sermos livres, encontremos essa nossa forma de criar alguma coisa no nosso dia a dia, porque é isso que nos dá propósito para viver, sermos mais felizes e realizados”, acrescenta.

Fazendo uma análise ao panorama cultural português, Inês Condeço considera que ainda há “trabalho pela frente”. “Não somos um país referência de desenvolvimento cultural, somos dos países que menos consome concertos, teatro, livros, e portanto acho que temos ainda um pouco pela frente, enquanto povo, de consumirmos mais cultura. Mas acho que estamos a fazer esse caminho e o mercado dos livros, que é um dos que conseguimos medir melhor, vai melhorando, paulatinamente”, refere.

“Mas mesmo nos meios de entretenimento, a escolha acaba por ser muito mais pelo entretenimento puro e duro do que por programas mais culturais. Acho que é um caminho que todos nós temos que fazer em conjunto, as televisões, os programadores culturais, as marcas, as escolas, os pais, todos nós temos aqui um papel“, considera.

E a Fnac tem que dar o exemplo e colocar essa prioridade em tudo o que faz, seja nas suas newsletters, campanhas, redes sociais ou lojas, entende. “Esse tem de ser o nosso mindset, que é introduzir a cultura na vida de todos os portugueses“, diz Inês Condeço.

Entram quase um milhão de pessoas nas nossas lojas por semana, o que não é displicente, e eu acredito que esse milhão de pessoas consome um pouco de cultura por causa da Fnac. Por estar em locais onde o comportamento é mais de consumo – em centros comerciais, tipicamente – acabamos por ser o oásis cultural para muitas pessoas que não têm tempo ou dinheiro para ir a um museu ou concerto. A Fnac acaba por ter esse papel, não só pela disponibilização dos produtos que as pessoas podem usar livremente na loja como pelos concertos e talks [que promove]”, acrescenta.

E também na sua vida pessoal, a cultura tem desempenhado um papel preponderante. Sempre fez “tudo o que é danças, representação e cantar”, ainda que considere não ter “particular jeito”. Na universidade esteve envolvida em peças de teatro, tendo, mais tarde, feito teatro musical.

Na verdade, é mesmo “fascinada” por musicais e tem “imensa pena de não ter a Broadway aqui à porta”, mas sempre que vai a Londres ou Nova Iorque faz questão de ir ver uma série de espetáculos. “Enche-me a alma de alegria, toda aquela produção”, justifica. Este “bichinho” já o passou aos dois filhos mais novos, de cinco e quatro anos, que “já estão influenciados com o gosto da mãe”.

A estes dois, junta-se o filho mais velho, com nove anos, estando os três a ter aulas de piano, aprendizagem essa que é estendida aos mais velhos da família de cinco elementos: “Comprámos um piano há três anos e a família toda está a aprender a tocar. Os miúdos começaram a ter aulas e eu e o meu marido também quisemos aprender”, relata Inês Condeço.

Ainda na dimensão musical, a diretora de marketing da Fnac confessa que anda com “muita vontade” de aderir ao vinil, tendo ainda guardada a coleção de vinil dos pais guardada, à espera que os filhos cresçam, pois tem receio de que a possam estragar.

“Mas estou com alguma vontade de voltar a voltar ao vinil, porque de facto hoje em dia tudo passa tão rápido e é tudo tão efémero, conhecemos os artistas por uma ou duas músicas que ouvimos na rádio um numa playlist do Spotify e fica difícil conhecer os artistas e a sua obra de uma forma mais completa. Diria que é uma forma de parar o tempo e ter a experiência da música. Quando tenho uma ação física para ouvir aquele disco, eu também aumento a minha atenção”, explica.

Entre aquele que é um gosto musical “muito eclético”, Inês Condeço refere como alguns dos seus artistas de eleição nomes portugueses como Jorge Palma, Tiago Bettencourt e Sérgio Godinho, ou artistas e bandas internacionais como James, Lana Del Rey, Billie Eilish ou Pearl Jam, banda aliás que foi ver ao vivo recentemente no Nos Alive.

Os livros são também muito importantes na vida de Inês Condeço, que leu recentemente, em inglês, “Fernão Capelo Gaivota”, de Richard Bach, um livro “super bem escrito” que “põe em perspetiva a razão pela qual estamos cá, entre encontrar a excelência, a superação, vivermos a nossa melhor versão, sermos efetivamente aquilo que queremos, seguirmos os nossos sonhos, de uma forma muito bonita e muito inspirada”, refere, acrescentando que este devia ser um livro “obrigatório”.

A morar com a família em Caxias há oito anos, Inês Condeço aprecia “estar um pouco mais fora do rebuliço, de ouvir os passarinhos, de ter mais contacto com a natureza, de poder ver o mar todos os dias e passear pela praia”, algo que faz com muita frequência. Vai todos os dias para Lisboa trabalhar, mas com o local de trabalho nas Amoreiras, à “portinha de Lisboa”, consegue ter apenas “q.b. da cidade”.

Filha única, nasceu e viveu em Aveiro até aos três anos, tendo depois vivido dois anos na Madeira até assentar arraiais em São Martinho do Porto, mudanças justificadas pelo facto de os pais serem professores. No entanto já vive há mais de metade da sua vida na região de Lisboa, para onde se mudou desde que foi estudar para a capital.

Formou-se em Gestão, na Universidade Nova de Lisboa, porque achou que era um curso que lhe daria mais abrangência e oportunidade de escolha. Foi nessa altura que o marketing lhe despertou o interesse, tendo acabado por se começar a especializar-se nessa área e a perceber que era por ali que queria “seguir caminho”.

Depois do curso esteve numa pequena empresa, a “Bolha”, onde era a única pessoa de gestão e marketing numa empresa de developers. Foi desde aí que ficou o “bichinho pela capacidade de fazer acontecer que o digital tem, em que rapidamente se consegue criar um produto, pô-lo na mão dos clientes e ter feedback direto“.

Acabou por surgir o apelo por uma empresa maior e por fazer coisas com um “maior impacto” – até porque o marketing tem essa questão “de gostarmos de fazer coisas que impactem e sejam vistas” – pelo que esteve depois seis anos na PT Telecom, vendo sempre o marketing como aliado da inovação.

Esta parceria entre o marketing e a inovação foi depois continuada no Sapo, com a produção de conteúdos, de sites, apps e soluções, email ou vídeos, tendo lá permanecido cerca de 10 anos a desenvolver os mercados internacionais de Angola, Cabo Verde e Moçambique.

Com a ida para a Fnac, mudou-se para o retalho, setor que considera estar em “profunda transformação” com o digital. A Fnac é também uma das marcas “mais giras” que teve oportunidade de trabalhar, diz Inês Condeço, por toda a dimensão da cultura e do “papel social diário” que desenvolve, que é “completamente apaixonante”.

No entender da diretora de marketing, a Fnac é uma marca que tem vindo a reposicionar-se, com uma linguagem “mais próxima e mais acessível”. Sendo uma marca com um “passado muito relevante”, o que também a tornava “um pouco inacessível”, o desafio tem passado por torná-la “aspiracional” mas, ao mesmo tempo, uma “marca de quem toda a gente se sente próxima”.

“É um binómio difícil de equilibrar, mas acho que o temos feito com algum sucesso. Mas esse é o grande desafio que temos, de nos mantermos como love branding, uma marca com uma missão muito forte do ponto de vista da democratização da cultura, da tecnologia e do entretenimento, e de tornarmos a experiência de compra um prazer. Uma ida à Fnac não é uma compra funcional, é uma compra prazerosa. Aquilo que fazemos com a marca é garantir que estamos sempre a posicionar a marca nessa liderança da inovação, da cultura e desta paixão pela cultura”, afirma.

Aquilo que queremos é continuar a defender a marca como love brand, como marca que é revolucionária e lidera todas estas questões da cultura, que democratiza o acesso a estes temas e que aproxima, mas sem perder o seu crivo de qualidade, e no fundo esta curadoria pelo que do melhor que se faz em Portugal“, acrescenta.

Inês Condeço, em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

Ao nível nacional, “Um Beirão de Sorte”, da Licor Beirão. Achei a campanha genial e com um timing to market muito relevante, ainda por cima feito com muito detalhe e qualidade.
Internacional, a “Just Do It”, da Nike, porque acho que revolucionou o marketing e depois disso nunca mais nada foi igual. Foi a primeira vez, pelo menos com grande impacto, que se deixou de falar de produto ou de marca para falar das pessoas. Ainda por cima com uma linguagem super aspiracional que ainda hoje motiva milhões de pessoas para fazerem exercício e para se superarem de alguma forma.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Arquivar boas ideias. Muitas vezes há boas ideias, mas nem sempre há recursos para as conseguir implementar com qualidade ou não há mesmo contexto ou consistência com a estratégia atual.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

Se a marca é relevante para os nossos clientes.

4 – O briefing ideal deve…

Ir à raiz do problema. E ser uma acendalha da criatividade.

5 – E a agência ideal é aquela que…

Coloca-se nos sapatos do cliente sem perder a perspetiva de alguém que tem de ver o que nós não vemos.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Quem não arrisca, não petisca. Claro que há muitos casos de marcas a desculparem-se e a retirarem campanhas do ar por terem ido longe de mais, mas a verdade é que os erros caem no esquecimento e, por oposição, quando o risco tem sucesso normalmente cria grandes marcas e gera good will, pelo que podemos concluir que em geral o risco tem um retorno muito positivo. Um bom exemplo recente é a do IKEA, com a campanha das estantes.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Provavelmente investiria mais na customer experience e em marketing de experiências. Cada vez mais as marcas têm de se distinguir por ativos concretos do seu produto e da experiência de compra e não tanto pelas perceções que a publicidade e o marketing conseguem influenciar. Os consumidores são cada vez mais informados, têm referenciais de gigantes internacionais de todos os setores e precisam de mais do que um bom anúncio para criar uma relação duradoura com a marca.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

É boa e recomenda-se, mas precisamos liderar mais o digital.

9 – Construção de marca é?

Fazer coisas memoráveis todos os dias.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Actriz, psicóloga ou filósofa.

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