Ministério Público acusa IGF de não fazer auditorias ao PRR e impedir o acesso a documentos

A procuradora-geral-adjunta, Ana Carla Mendes de Almeida, acusa a Inspeção Geral de Finanças (IGF) de impedir o acesso a documentos fundamentais para avaliar se existem indícios de crime no PRR.

O Ministério Público aponta o dedo à Inspeção Geral de Finanças por não ter “concluído qualquer auditoria” aos sistemas de controlo interno do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) entre a apresentação do terceiro e quarto pedidos de pagamento, em outubro de 2023, e a apresentação do quinto pedido em julho de 2024. A procuradora-geral-adjunta, Ana Carla Mendes de Almeida, acusa ainda a IGF de impedir o acesso a documentos fundamentais para avaliar se existem indícios de crime.

No relatório de acompanhamento do Ministério Público na Comissão de Auditoria e Controlo (CAC) do PRR, relativo ao quinto pedido de pagamento, divulgado a 9 de dezembro e noticiado esta quarta-feira pelo Jornal de Notícias, o Ministério Público diz que “não foi concluída qualquer auditoria pela IGF relativa ao PRR entre a apresentação dos 3.º e 4.º pedidos de pagamento, em 04.10.2023, e a apresentação do 5.º pedido de pagamento em 03.07.2024”.

Além disso, “das ações de controlo realizadas e concluídas pela IGF, só a auditoria referente” ao relatório de 2023, aprovado em abril do ano passado, “teve por objetivos a verificação da conformidade dos sistemas de controlo interno de apenas três beneficiários intermediários “com os requisitos regulamentares, contratuais e de orientação aplicáveis, e a verificação do seu efetivo funcionamento”.

Estas auditorias visam garantir a proteção dos interesses financeiros da União Europeia e fazem parte do sistema de controlo interno do PRR. O relatório frisa que aquando da submissão do quinto pedido de pagamento – que deverá ser pago este mês pela Comissão –, a IGF tinha em curso duas auditorias, uma ao funcionamento do sistema de controlo do PRR e outra ao sistema de informação do PRR, iniciadas em abril deste ano, e uma ação de acompanhamento das recomendações formuladas em auditorias anteriores, cujo projeto de relatório é de junho de 2024.

Como não existem outras auditorias concluídas pela IGF desde 19 de abril do ano passado, referentes ao PRR e com o objetivo de verificar o efetivo funcionamento dos sistemas de controlo interno do PRR, o Ministério Público desconhece os resultados dos procedimentos e verificações realizados desde então pela entidade liderada pelo inspetor-geral António Ferreira dos Santos. Ou seja, não há certeza se as medidas e procedimentos de controlo destinados à prevenção, deteção e correção da fraude, da corrupção, do conflito de interesses e do duplo financiamento estão a ser cumpridos.

O Ministério das Finanças justifica a inexistência destas auditorias com o plano definido com Bruxelas. “O plano de auditorias da CAC desenvolve-se de acordo com a Estratégia de Auditoria articulada em estreita colaboração com a Comissão Europeia”, disse ao ECO fonte oficial. “Esta estratégia aplica-se a todo o período de execução do PRR, de acordo com critérios técnicos e metodológicos previstos nas normas internacionais de auditoria, suportados numa metodologia de avaliação de risco executada em articulação com a Comissão Europeia, e em linha com as melhores práticas internacionais, como reconhecido pela própria Comissão Europeia”, acrescentou a mesma fonte do Ministério liderado por Joaquim Miranda Sarmento.

O Ministério das Finanças mandou a listagem das auditorias feitas: “Em abril de 2023, concluiu-se a auditoria aos beneficiários intermediários do PRR, em coordenação com a auditoria da Comissão Europeia; em final de outubro de 2023, concluiu-se a segunda auditoria de follow up ao sistema de controlo interno do PRR; em agosto de 2024, concluiu-se a terceira auditoria de follow up, cujos resultados já foram considerados no parecer da CAC relativo ao quinto pedido de pagamento, de julho e “está em fase final a auditoria aos sistemas de informação do PRR e em execução a quarta auditoria de follow up, incluindo testes substantivos”.

O Ministério Público acusa ainda a IGF e a Comissão de Auditoria e Controlo (CAC), onde está também a presidente da AD&C, Cláudia Joaquim, de “obstaculizar” o seu trabalho prevenção criminal, por não ter tido acesso a toda a documentação solicitada. Em julho deste ano, Ana Carla Mendes de Almeida pediu a António Ferreira dos Santos documentos “considerados relevantes”: relatórios de auditorias concluídas e projetos de relatórios de auditorias em curso, constantes do sumário de auditoria, a cargo de entidades como a IGF, o Tribunal de Contas, a DG ECFIN e o Tribunal de Contas europeu, “eventuais respostas das entidades auditadas em sede de contraditório”, as atas de reuniões da CAC em falta, a quinta análise sistemática da AD&C no contexto da prevenção do duplo financiamento e relatórios de avaliação de resultados e de impactos do PRR elaborados nos últimos 12 meses.

Mas não recebeu toda a documentação e voltou a insistir por duas vezes nesse mesmo mês e no seguinte. A IGF negou o acesso “à maioria dos documentos solicitados” por considerar estarem “fora do âmbito das competências da CAC” e por não ter “qualquer comunicação ou documento” do Tribunal de Contas “dirigido à IGF ou à CAC sobre” eventuais projetos de relatórios de auditorias do mesmo.

Ao ECO, o Ministério das Finanças rejeita que a IGF tenha sonegado qualquer documento ao Ministério Público. “A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) não nega qualquer envio de documentos ao Ministério Público (MP). A Comissão de Auditoria e Controlo (CAC) remete ao MP todos os documentos solicitados no âmbito da sua missão de prevenção criminal, dos quais é executora direta ou destinatária. Por vezes, o MP solicita documentação relativa à ação de entidades externas (Tribunal de Contas, Comissão Europeia, entre outros), a qual é de exclusiva responsabilidade destas entidades, a quem compete avaliar sobre a sua disponibilização. Acresce referir que a CAC tem acesso a um vastíssimo conjunto de documentação, produzido por entidades externas, desconhecendo-se o mesmo é, ou não, do interesse do MP. Sempre que estes são solicitados à CAC, esta diligencia junto daquelas entidades, suscitando a sua disponibilização ao MP”, disse fonte oficial do Ministério liderado por Joaquim Miranda Sarmento.

“O que pretende o Ministério Público é tão só informação habilitante ao seu acompanhamento da atividade da CAC no âmbito do PRR, com vista a apurar de eventuais situações de risco de falência ou falha relevante de controlo relativamente a condutas suscetíveis de responsabilização criminal”, justifica o Ministério Público.

No relatório, o Ministério Público reitera um alerta já feito no relatório anterior: “continua a considerar que não há garantia de que todas as situações detetadas que possam consubstanciar uma irregularidade e ou fraude, pelos beneficiário intermediários, sejam sujeitos a tratamento adequado e encaminhadas às entidades competentes”.

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