Regulação desajustada e crise à vista, apontam responsáveis dos grupos de media

Carla Borges Ferreira,

A ERC juntou nove responsáveis por grupos ou projetos de media para debater o setor. A regulação desadequada foi uma das maiores criticas e a inteligência artificial um dos receios.

Pedro Braumann, David Pontes, cónego Paulo Franco, Pedro Morais Leitão,Nicolau Santos, Carla Martins, Francisco Pedro Balsemão, Luís Santana e Joaquim Carreira
Pedro Braumann, David Pontes, cónego Paulo Franco, Pedro Morais Leitão, Nicolau Santos, Carla Martins, Francisco Pedro Balsemão, Luís Santana e Joaquim Carreira
ECO Fast
  • Na conferência dos 20 anos da ERC, um painel de líderes de media alertou que a regulação está desajustada e que a inteligência artificial pode precipitar a próxima grande crise do setor nos próximos cinco a seis anos.
  • Apesar de nova robustez financeira com entradas de investidores em grupos como Impresa, Media Capital, Público e Renascença, os incumbentes enfrentam plataformas globais que captam cerca de dois terços da publicidade digital, perto de 170 milhões de euros.
  • Os participantes pedem regulação forte e cooperativa da ERC e da Anacom, transparência nos sistemas de recomendação e execução do plano de medidas para os media, avisando que, sem ação coordenada, o país arrisca-se a perder jornais e pluralismo.
Pontos-chave gerados por IA, com edição jornalística.

 

O mundo mudou, mas a regulação e a legislação não se adaptaram e estão completamente desajustadas, e a próxima grande crise dos media pode estar à porta e a causa chama-se inteligência artificial (IA). Estas são duas das conclusões do painel “Sustentabilidade e o futuro digital”, na conferência que assinala os 20 anos da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e que juntou responsáveis de grupos de media, diretores de jornais e ainda uma associação do setor.

Neste 20 anos passámos por duas crises graves. A primeira, em 2010, de natureza financeira e a segunda, em 2020, associada à covid. Parece-me previsível que nos próximos cinco anos ou seis anos teremos outra crise grave”, antecipou Pedro Morais Leitão, CEO da Media Capital, referindo-se às consequências da IA, que “vai acelerar qualquer que seja o efeito da próxima crise nas receitas”. Em simultâneo, o setor “está a atingir uma robustez financeira que há muito tempo não existia”, aponta, dando como exemplo a entrada da MFE no capital da Impresa, os 14 empresários com capacidade de investimento que apostam na Media Capital, a “personalidade de maior visibilidade do país”, Ronaldo, e os restantes investidores da MediaLivre, a Sonae que suporta o Público e a “Santa Igreja”, acionista do Grupo Renascença Multimédia. “Temos uma estrutura financeira que não nos deve envergonhar nem assustar. Pelo menos estas entidades acham que algo fazemos de bem”, elenca o responsável do grupo dono da TVI, da Plural e agora também Sol.

O problema, como resume Luís Santana, é que a concorrência deixou de ser entre pares e passou a ser de entidades que “não conheço, não sei quem são, não estão em Portugal, não pagam impostos em Portugal, levam dois terços das nossas receitas de publicidade – na casa dos 170 milhões – e eu não tenho capacidade de competir com essas forças gigantescas, que falam sempre de milhares de milhões, enquanto nós aqui falamos de cêntimos”. A juntar a este, outro problema: “todos os dias somos roubados de forma absolutamente indescritível”, afirma Luís Santana, referindo-se às redes sociais e à “pirataria sem controlo”.

O mercado português só tem futuro se a regulação permitir realmente que haja um mercado”, acrescentou também Nicolau Santos. “Este ponto, mais do de qualquer outro, é que determina verdadeiramente a sustentabilidade“, reforçou o presidente da RTP, acrescentando que sem uma regulação forte, inteligente e cooperativa da ERC e da Anacom, “nenhum plano estratégico individual da RTP ou privado é suficiente para garantir o futuro”. “A concorrência essencial já não é a TV versus streaming, não são as plataformas globais internacionais versus media nacionais, é de sistemas de recomendação não auditáveis, versus pluralismo verificável”, prosseguiu Nicolau Santos, referindo a ameaça da “inteligência artificial global, versus espaços de media” portugueses.

O mundo dos media precisa de se articular. Precisamos nos defender uns aos outros”, sugeriu o cónego Paulo Franco, presidente do conselho de gerência do grupo Renascença Multimédia, concordando com a possibilidade de uma nova crise, avançada por Pedro Morais Leitão.

Num painel no qual quase todos os intervenientes apontaram o dedo a uma regulação desajustada face aos dias de hoje, e à discrepância de regras entre os atores nacionais e os players internacionais – com exemplos tão distintos como as obrigações na publicidade ou os botões que surgem nos comandos das box -, Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, recordou declarações do seu pai, Francisco Pinto Balsemão, já em 2007 e 2008, na primeira e segunda conferência da ERC. “O velho estilo de regulação já não é adequado para regular um número indeterminado de fornecedores de serviços, de produtores profissionais e amadores de conteúdos lineares e não lineares, on demand, em rede social, em blogs, etc., para além do peso determinante dos motores de busca que, sem produzirem conteúdos próprios, se servem, muitas vezes, abusivamente, dos nossos e absorvem muito mais de 50% da publicidade mundial online”, leu Francisco Pedro Balsemão.

E, mais uma vez vos digo, que não podem ser os media tradicionais a pagar a fatura, só porque é mais fácil legislar sobre eles, ou contra eles, e conceder os consequentes poderes de intervenção aos reguladores”, acrescentou Francisco Pedro Balsemão, recordando ainda outra passagem dos discursos do fundador do grupo: “A preservação das marcas é fundamental para o futuro da comunicação social, mas não se compadece com visões passadistas dos Estados, dos reguladores, da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, que continuam apostados em restrições à publicidade nos meios tradicionais, enquanto no mundo real, no tal mundo em mudança, os motores de busca e similares se apropriam dos anunciantes, infringem as leis do copyright e impedem o fortalecimento das marcas credíveis e consagradas”, continuou.

Recusando falar do negócio com a MFE, mesmo que em abstrato, Francisco Pedro Balsemão frisou que, apesar de tudo, os incumbentes – “e não os meios ditos tradicionais’ que a expressão remete para o ruminar de dinossauros” — têm sabido resistir.

Podemos acreditar que a media tem futuro”, concorda, apesar de tudo, Luís Santana, reforçando a ideia de que faz sentido apostar e fazer evoluir as marcas e meios tradicionais. “As coisas não se esgotam aqui e outras entidades vão ter que fazer o seu trabalho”, aponta o CEO da dona da CMTV e do Now, recordando também que falta tirar do papel muitas das 30 medidas do plano de ação para os media, nomeadamente no apoio à distribuição. “Parece que tarda em se perceber que amanhã o país pode acordar sem jornais. Mas, se calhar, isso não tem problema nenhum. Se calhar o que interessa é que a comunicação social esteja fragilizada, que não tenha futuro”, remata Luís Santana.

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