Festivais
Os tempos são de cortes, a ditadura dos números e a frieza do excel não deixam grande margem para romantismos, mas ao fazer o budget, não podemos ser como o cavalo do inglês...
Sempre que tento explicar a alguém que não trabalhe em publicidade ou marketing que existem festivais criativos, onde peças de comunicação concorrem entre si para ganhar prémios, o resultado é, no mínimo, incredulidade. As pessoas conseguem compreender a razão de ser do festival da cerveja, ou do festival da canção, mas a ideia de um festival de “anúncios” parece-lhes, no mínimo, um bocado tonta.
Tomemos como exemplo o mais icónico dos festivais de criatividade, Cannes. Em 2022 foram inscritas no festival 25.464 peças e a circular pela cidade andavam cerca de 15 mil delegados, mais uns milhares de participantes que não se inscreveram como delegados, mas que andaram por lá a fazer networking e a participar nas centenas de eventos que acontecem à margem do festival. Se dermos uma expressão monetária ao fenómeno, deixamos o tal “civil” já incrédulo, à beira da apoplexia, isto porque os passes para o festival custam à volta dos 4 mil euros, uma semana de hotel em Cannes dificilmente custa menos de 1500 euros e, se a isto somarmos refeições, táxis e cervejas à noite no bar em frente ao Martinez, rapidamente se conclui que se trata de uma experiência muitíssimo cara. E mais cara se torna se tivermos peças inscritas a concurso, isto porque cada inscrição de cada peça tem de ser paga e não há inscrição que custe menos de 600 euros.
Talvez Cannes seja o mais dispendioso dos festivais criativos, mas isso não quer dizer que os outros festivais criativos sejam baratos. Mesmo sem enviar delegados, o simples custo de inscrever peças no One Show, no Eurobest, no El Ojo, ou até mesmo no nosso portuguesíssimo Festival do CCP nunca é baixo. Em tempos de crise e de cortes faz sentido continuar a gastar dinheiro com participações em festivais de criatividade?
Eu acho que sim.
Mais, acho que quando uma agência deixa de investir em iniciativas destas, muito provavelmente, vai pagar cara essa “poupança”.
Ganhar um prémio, sobretudo nos grandes festivais internacionais, é um momento de enorme alegria numa agência. Ganhar é sempre bom, mas ganhar num festival internacional significa que o nosso trabalho chamou a atenção no meio de milhares de trabalhos inscritos, vindos de todas as partes do mundo e, sobretudo, de países com muito maior “poder de fogo” do que nós (maiores budgets, mais tempo para trabalhar, marcas globais, etc).
Os jurados destes festivais são sempre profissionais reputados nos seus mercados, por isso quando ganhamos não foi por sorte, nem por voto popular, foi porque pessoas que fazem o mesmo que nós, pessoas que muitas vezes admiramos e seguimos, olharam para o nosso trabalho e acharam que ele estava entre os melhores.
O inevitável efeito que estas conquistas têm na agência (e eu tenho a sorte de estar numa agência que nos últimos dois anos ganhou imensos prémios) é o de criar uma onda de entusiasmo, motivação e orgulho em toda a equipa: da Maria José da receção até ao CEO toda a gente festeja e vê aquele prémio como seu. “Ganhámos um leão!” – é a frase que está na boca de toda a gente, normalmente sucedida de outra: “para o ano vamos ganhar dois!”.
São duas frases que sintetizam o retorno do investimento feito em participar: cresce o espírito de corpo (“nós ganhámos”) e cresce a motivação e a ambição (“para o ano…”).
Na minha experiência não há team building nem palestra motivacional que tenha um efeito tão energizante numa agência como o que estas conquistas trazem.
Se a isto se juntar o envio de delegados ao festival, o efeito é ainda maior. Quem lá vai vive dias de imersão no melhor que a indústria tem para dar, assiste a apresentações feitas por grandes oradores sobre os mais variados e interessantes temas, conhece gente dos mais diversos países e cruza-se todos os dias com as grandes figuras da indústria (se tiver lata suficiente até mete conversa com elas) e, chegando à agência, traz as estórias e os relatos de uma experiência única.
Toda a gente que regressa de um festival vem animado de uma energia especial, de uma vontade de ser melhor profissional e de fazer melhor trabalho e, com sorte, essas ganas que se ganham nesses breves dias fazem elevar a fasquia e contaminam quem está à volta.
Os tempos são de cortes, a ditadura dos números e a frieza do excel não deixam grande margem para romantismos, mas ao fazer o budget, como um chefe que tive gostava de dizer, “we can’t cost cut our way into propsperity”, ou, como se diz à portuguesa, não podemos ser como o cavalo do inglês…
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