
Por um Portugal além dos Clichês, também na Publicidade!
Este artigo não pretende ser um tratado político, mas sim um convite à reflexão. É hora de repensar como as marcas estão a representar aqueles que consomem os seus produtos.
Portugal está cada vez mais internacional. Basta um passeio pela Baixa de Lisboa para ouvirmos mais línguas do que num encontro das Nações Unidas. Os nossos cafés são servidos a franceses, os pastéis de nata são disputados por alemães, e os Tuk-Tuks já nem andam, tal é a fila de turistas britânicos a querer dar uma voltinha. No entanto, quem liga a televisão ou vê um outdoor ainda fica com a impressão de que Portugal é um país habitado e povoado exclusivamente por portugueses.
É inegável que as marcas em Portugal têm abraçado temas como igualdade de género, saúde mental e sustentabilidade. São temas pertinentes e cruciais, sem dúvida, mas será que estamos a captar toda a riqueza e diversidade que o nosso país acolhe diariamente? Será que as marcas estão a dar voz e visibilidade adequadas a esta mosaico cultural que nos define cada vez mais?
A publicidade, por vezes, parece estagnada em clichês, presa a uma ideia estática de identidade nacional que se resume a azeite, fado e praias douradas. Vendo os nossos anúncios parece que o país não mudou. Sim, somos um povo orgulhoso da nossa tradição — do bacalhau à meia-desfeita, dos chouriços assados no álcool a um boa garrafa de vinho a pingar na mesa –, mas já não somos só isso! Ainda assim, parece que os criativos das marcas ficaram presos numa máquina do tempo. Sempre que uma marca quer celebrar Portugal, lá vem a mesma receita: um drone a sobrevoar o Douro, um pescador com cara de quem já viu coisas que ninguém devia ver e, claro, uma avó a amassar pão.
E o mais engraçado? Muitas dessas marcas são das que mais beneficiam do afluxo brutal de turistas, imigrantes e nómadas digitais. A Superbock está a ser bebida por suecos que acham que um fino é um copo de shot. A Delta é consumida por americanos que, coitados, acham que um expresso é um cappuccino sem leite. O Continente está cheio de brasileiros a tentar entender o que é uma farinheira, e os nossos pastéis de nata são promovidos em vídeos de TikTok por chineses que descobriram que Portugal tem muito mais do que Cristiano Ronaldo.
Mas quando é que as marcas vão perceber que Portugal já não é só o Portugal do azeite Gallo ou do Pastel de Nata? Que tal um anúncio da Nos com um casal de alemães a tentar perceber como funciona a box? Ou um da Galp com um brasileiro a perguntar porque é que o gás demora tanto tempo a chegar? Ou, quem sabe, um do Pingo Doce em que um grupo de nómadas digitais se perde entre o corredor dos enchidos e o da comida vegana?
O ponto é simples: a publicidade em Portugal precisa de apanhar o comboio da multiculturalidade. E não, não estou a dizer para meter um estrangeiro a dizer “muito bom, muito bom” com sotaque forçado num anúncio do Lidl. Estamos a falar de campanhas que mostrem a verdadeira riqueza humana deste país.
Não podemos esquecer que a publicidade tem o poder não só de vender produtos, mas também de moldar perceções e influenciar comportamentos. Por isso, é imperativo que ela reflita a verdadeira essência da nossa sociedade multicultural, porque a portugalidade não é um conceito fixo, nem cabe numa embalagem de tremoços. Está sempre a ser reconstruída, moldada por quem cá nasceu e por quem cá veio parar por acidente e decidiu ficar. E se há algo que a publicidade deveria saber fazer, é contar histórias. Só falta começarem a contar as que realmente refletem o Portugal de hoje.
Este artigo não pretende ser um tratado político, mas sim um convite à reflexão. É hora de repensar como as marcas estão a representar aqueles que consomem os seus produtos.
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