Museus tentam recuperar número de visitantes. Qual o papel da comunicação?
A recuperar em número de visitantes, os museus apostam em novas forma de comunicação - com especial incidência no digital - e não acreditam que a visita in loco possa ser substituída.
O Dia Internacional dos Museus é celebrado esta quinta-feira, 18 de maio, e muitos museus, como o MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia) assinalam a data com visitas gratuitas. O Quake também marca a data com duas promoções que passam pela entrega de cem bilhetes gratuitos e 50% de desconto nas restantes sessões.
O Museu de Serralves assinala a data com a gratuitidade das entradas, às quais se somam uma visita guiada à exposição “In my own language I am independente” e uma conversa com a artista Carla Filipe, Filipe Duarte (gestor da Coleção de Serralves) e Joana Correia (conservadora-restauradora na 20|21 Conservação e Restauro de Arte Contemporânea).
Embora os museus estejam a recuperar visitantes, a verdade é que ainda não estão a ser atingidos os números registados antes da pandemia. Segundo dados avançados pela DGPC (Direção-Geral do Património Cultural), os museus, monumentos e palácios nacionais tutelados por esta entidade recuperaram quase dois milhões de visitantes em 2022, somando um total de 3.339.416 de entradas.
O número de visitantes em 2022 ficou, no entanto, ainda aquém dos valores registados nos anos anteriores à pandemia covid-19: 5.072.266 (2017), 4.677.407 (2018) e 4.685.371 (2019).
O Museu do Tesouro Real, por exemplo, lançou este ano uma campanha multimeios de forma a atrair turistas tanto nacionais como estrangeiros. À publicidade online, na imprensa, rádio, guias turísticos ou mupis, soma-se ainda um tuk-tuk a realizar viagens gratuitas entre Belém e o Museu Tesouro Real.
Os tempos alteraram-se, a tecnologia evoluiu, a sociedade mudou, mas, entre estas alterações, como se tem adaptado a comunicação dos museus e que impactos podem ter estas modificações nas suas dinâmicas?
O MAAT, por exemplo, diz ao +M que desde a sua fundação – em 2016 – tem feito uma aposta “muito constante” na presença digital, “o que permite chegar de forma – que acreditamos ser eficaz – a segmentos de público mais jovens”. Fonte oficial da Fundação EDP realça que esta componente digital foi “particularmente importante” durante a pandemia.
Durante esse período conturbado, o museu produziu documentários e conteúdos digitais específicos, redesenhou para a esfera digital parte da sua programação, disponibilizando quase diariamente conteúdos específicos através das redes sociais, como projetos com artistas da Coleção de Arte da Fundação EDP, curtos documentários acerca de histórias dos repositórios da Coleção de Património Energético da Fundação EDP, leituras exclusivas de catálogos impressos pelo MAAT, playlists sonoras, pequenos filmes sobre ciência e história da energia para crianças e famílias, bem como conversas em live streaming com proeminentes arquitetos e artistas acerca do futuro dos espaços culturais, explica o museu ao +M.
Cruzamento entre museus e “marcas” e a importância do digital
“A marca Serralves não se esgota no seu museu”, começa por explicar a Fundação Serralves ao +M, adiantando que é exigida “uma abordagem mais complexa”, sendo que a comunicação da Fundação Serralves “tem que dar resposta à existência e atividade do seu Museu de Arte Contemporânea, do seu Parque e da sua Casa do Cinema de Manoel de Oliveira, todas elas com uma programação abrangente que cruza e integra diversas vertentes da contemporaneidade”, explica.
Esta abordagem parece ser a mesma de outros museus que incorporam entidades mais abrangentes. Tal como o Museu de Serralves está inserido na Fundação Serralves, também o Museu de Arte Contemporânea (ex-Coleção Berardo), por exemplo, se integra no Centro Cultural de Belém (CCB) e na sua dinâmica, bem como o Museu Calouste Gulbenkian está englobado na fundação com o mesmo nome.
“A nossa comunicação, assente sobre exposições e artistas, eventos e atividades, por um lado tem de promover o impulso da procura, mas por outro assegurar a permanência e a intemporalidade dos valores da marca”.
“Serralves é hoje uma marca reconhecida, nacional e internacionalmente. Posicionada e reconhecida como um padrão referencial de qualidade, em diversas áreas. E esse foi talvez o grande desafio a que se foi submetendo. Serralves é uma marca que vai para lá do seu universo, desafiando-se permanentemente e sendo constantemente desafiado pelos seus públicos…”, afirma a Fundação Serralves.
Referindo que a sua marca é hoje sinónimo de uma “centralidade ativa produtora de conhecimento através da arte, mas também da reflexão, da arquitetura, do cinema, da paisagem, do ambiente”, tanto dentro como fora das suas portas, “atingir e manter-se neste patamar implica sobretudo cultivar a proximidade“, explica, acrescentando que o “grande teste” foi o período pandémico, em que foi registado o crescimento do número de pessoas que seguem e interagem no universo digital.
“O trabalho que tem vindo a ser feito nesta área, associado a outros meios, permitiu construir e solidificar uma ideia de comunidade que encontra em Serralves respostas para um universo de questões que a contemporaneidade nos coloca enquanto indivíduos e sociedade”, diz a Fundação.
A aposta recai sobre “a qualidade dos conteúdos, na mobilidade, no fomento da interação”, o que tem “permitido levar a marca Serralves a mais pessoas”:
“Por exemplo, os turistas que chegam ao nosso país já reconhecem a relevância da marca – e sobretudo (o que muito nos satisfaz) a que voltem, (re)entrando pela porta do nosso museu ou parque, ou voltem às exposições que em itinerância, através de um vasto programa que permite levar a que obras da nossa Coleção cheguem a diversos pontos do nosso país, impactando assim a mais públicos, e no estrangeiro, ou através das nossas plataformas digitais que tanto permitem visitas virtuais, como visitas a arquivos ou, por exemplo, a filmes sobre importantes exposições e artistas que passam por Serralves”, refere a Fundação.
“A nossa comunicação, assente sobre exposições e artistas, eventos e atividades, por um lado tem de promover o impulso da procura, mas por outro assegurar a permanência e a intemporalidade dos valores da marca“, acrescenta.
Embora a importância crescente do digital para os museus – principalmente devido à pandemia – onde estes começaram até a oferecer visitas virtuais aos seus espaços (em grande parte graças a tecnologias e plataforma como a do Google Arts & Culture), os museus não consideram que as visitas presenciais possam, de algum modo, ser substituídas.
“Acreditamos que as visitas in loco irão sempre continuar a existir na medida em que oferecem uma experiência muito mais sensorial e integrada“, refere fonte oficial da Fundação EDP (MAAT), acrescentando que o público “fez questão” de regressar ao museu após a pandemia, o que é uma “demonstração inequívoca da valorização da experiência presencial”.
A opinião da Fundação Serralves é coincidente: “nada substitui uma visIta presencial ao museu, o experienciar de um conjunto arquitetónico concebido para nos colocar em contacto com a arte, com a obra, com o artista, com o curador“.
“Esta ideia de o museu ser um local de encontro é essencial. A vertente física da marca é fundamental. Mas a condição ou localização do amante de arte, estudioso ou mero apreciador fugaz não deve ser uma barreira à entrada neste universo que é Serralves“, defende ainda a Fundação.
Talvez tenha sido desta ideia que surgiu o SOLE (Serralves Online Experience), lançado nos primeiros dias de confinamento e que hoje funciona como uma “porta de entrada no universo da nossa marca essencial“, descreve a Fundação Serralves. Segundo esta entidade, o SOLE alberga um conjunto alargado de vídeos sobre diversas exposições que aconteceram em Serralves que “permitem a qualquer pessoa contactar com a exposição, com cada uma das peças, com depoimentos de viva voz com os artistas, os curadores” e que são “fundamentais para quem se interessa e não teve a oportunidade de vir ao museu, para quem visitou e pretende estender a sua experiência, para quem investiga ou para quem apenas pretende passar um momento de fruição”.
Esta vertente de entretenimento, inovadora neste tipo de equipamentos e também ao nível dos recursos tecnológicos, tanto do museu como da comunicação que dele fazemos, é um mecanismo que capta a atenção dos jovens e que garante a criação de mensagens e conteúdos memoráveis para eles.
Atrair os mais jovens
Para atrair os mais jovens, o Quake (Centro do Terramoto de Lisboa) faz-se valer da sua própria narrativa, aliando o rigor histórico e científico à tecnologia de modo a proporcionar uma experiência imersiva e intuitiva. Esta combinação visa “despertar a vontade e o interesse em descobrir mais em todos os visitantes, tendo também um grande impacto no público mais jovem”, explica Clara Santiago, marketing manager do Quake.
“Esta vertente de entretenimento, inovadora neste tipo de equipamentos e também ao nível dos recursos tecnológicos, tanto do museu como da comunicação que dele fazemos, é um mecanismo que capta a atenção dos jovens e que garante a criação de mensagens e conteúdos memoráveis para eles“, complementa.
O objetivo passou assim por ir além dos habituais mecanismos expositivos e proporcionar uma abordagem “imersiva e interativa” que “permite a absorção mais consistente e duradoura da mensagem de preparação e dos conhecimentos sobre ciência e história”, abordagem esta que parece estar a dar resultados.
Prova disso são os 110 mil visitantes (dos quais cerca de 30% foram turistas) registados desde a abertura do museu, a 20 de abril de 2022, ou a conquista de um Thea Award, na categoria de “Melhor Experiência Histórica”.
Por seu lado, o MAAT opta por uma linguagem “contemporânea” e “muito expressiva nos meios digitais”, além de que a sua comunicação “acompanha aquela que é a programação do museu que tem propostas constantes que são relevantes para o público mais jovem”, refere fonte oficial da Fundação EDP (MAAT), exemplificando com a realização de alguns eventos de música que têm sido apresentados no museu em parceria com editoras independentes.
Já Serralves encara a ideia de os mais jovens não se interessarem por museus como um “cliché que não faz sentido para cada vez mais jovens e para muitos museus“, acrescentando que atualmente “os museus são em certa medida spots centrais para a expressão do dinamismo de uma sociedade e os mais jovens são centrais nessa discussões e reflexões”.
“Paredes ao alto com uns quadros pendurados já não refletem a maioria da nossa realidade museológica. São espaços que promovem e cultivam a criatividade e a inovação, o que atrai cada vez mais os jovens“, afirma a Fundação Serralves, acrescentando no entanto que “quer em termos de suportes, quer em termos de linguagem temos sempre a preocupação de conceber as nossas ações de comunicação de forma a estarmos efetivamente próximos dos públicos mais jovens. Em contínua interação”.
Lisboa está cada vez mais a fervilhar de eventos, pelo que atrair a atenção do público é um desafio cada vez maior para todas as instituições culturais.
As principais dificuldades
No que diz respeito aos desafios, as vozes da Fundação Serralves e do MAAT são consonantes: a diversidade de oferta e concorrência. “Lisboa está cada vez maior a fervilhar de eventos, pelo que atrair a atenção do público é um desafio cada vez mais para todas as instituições culturais“, refere, por exemplo, o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia.
A “diversidade da programação” do MAAT – entre oficinas para crianças e famílias, performances, conferências e cursos temáticos, conversas, visitas guiadas a exposições – apresenta-se como outro desafio, o qual “implica que o museu comunique constantemente para diferentes segmentos de público“, refere fonte oficial da Fundação EDP.
A Fundação Serralves aponta ainda a dificuldade de “atingir um universo de consumidores que, muitas das vezes, não procuram um delivery imediato de uma vantagem, produto ou experiência” sendo que “para a grande maioria, qualquer atividade de usufruto de lazer e tempo livre será concorrente”. Isto “obriga a sermos mais atentos à forma de criar a necessidade no recetor da mensagem de optar pela nossa oferta e por outro lado sempre que ele contacta com Serralves conseguir viver uma experiência que não defraude as suas expectativas“, explica a Fundação.
Já por parte do Quake, e pelo facto de este ser um equipamento que cruza vários conceitos, apresentou-se o desafio de se criar uma marca que esclarecesse, simples e claramente, o que era o museu e qual a sua mensagem.
A consciencialização das pessoas para a temática dos terramotos foi assim definida como a grande missão do Quake, o que fez sobressair um outro desafio, uma vez que houve a perceção de que este era um tema “sensível”. Deste modo, a comunicação “tinha de ter sempre presente as barreiras que não deve ultrapassar”, aponta a marketing manager do museu.
A assinatura da marca, “Espere o inesperado”, foi a ferramenta usada para ultrapassar ambos os desafios, visto que “transmite o entusiasmo perante uma experiência diferente, mas também o propósito fundamental da sensibilização. Desta forma, a comunicação assenta numa mensagem e identidade visual muito bem definidas, mas sempre com a vertente inesperada presente, num tom descontraído, mas rigoroso“, explica ainda Clara Santiago.
As narrativas dentro dos próprios museus parecem assim estar a sofrer adaptações, em consonância com a constante evolução da sociedade e da tecnologia. Através de mais imersividade, mais tecnologia, maior versatilidade e uma grande aposta nas redes sociais, os museus vão paulatinamente modificando as suas formas de comunicar, mas uma questão parece imutável: nada substitui a visita ao museu, antes a pode complementar.
O +M tentou também obter as visões da Rede Portuguesa de Museus, Museu de Nacional de Arte Antiga, do do Museu Calouste Gulbenkian e do Museu Nacional dos Coches, mas não obteve resposta em tempo útil.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.