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Ex-administrador diz que há um “longo caminho para garantir a independência da RTP face ao poder político”

Rafael Ascensão,

A necessidade de um serviço público, os modelos de financiamento ou um aumento da taxa audiovisual foram alguns dos temas abordados no arranque da conferência "O futuro do serviço público de media".

Luís Marques, ex-administrador da RTP e também do grupo Impresa, disse que existe ainda um “longo caminho para garantir a independência da RTP face ao poder político”. A afirmação foi feita na manhã desta segunda-feira, no debate sobre o “Papel do serviço público no panorama mediático nacional”, integrado na conferência “O futuro do serviço público de media”, organizada pelo Conselho de Opinião da RTP.

Desde 2002 até agora, a única grande mudança no modelo institucional da RTP foi a criação do Conselho Geral Independente. A intenção, meritória sem dúvida, era a de garantir a independência da RTP face ao poder político, cuja concretização está muito longe de ser consensual. Aliás, acho que há ainda um longo caminho para garantir a independência da RTP face ao poder político”, afirmou Luís Marques.

Nicolau Santos, atual presidente do conselho de administração da RTP, afirmou discordar “absolutamente” desta ideia, referindo que a criação do Conselho Geral Independente “garante, neste momento, uma independência à RTP que não se via até agora” e explicou que os conselhos de administração são nomeados ou escolhidos pelo Conselho Geral Independente, que tem uma “organização pluralista”.

Não tenho conhecimento, desde que estou na RTP, de que tenha havido acusações de que a RTP esteja ao serviço deste ou daquele partido, deste ou daquele interesse, desta ou daquela agremiação. Não. A RTP tem estado claramente ao serviço do país, dos cidadãos portugueses, ao serviço de quem suporta a sua atividade“, afirmou Nicolau Santos.

Luís Marques, ex-administrador da RTP e do Grupo Impresa

A necessidade de um serviço público, os modelos de financiamento ou a existência de um possível aumento das taxas foram outros dos temas abordados no painel.

Sobre o financiamento, Nicolau Santos – para quem “faz sentido” um serviço público não de rádio e televisão, mas sim de media – relembrou que as receitas publicitárias que a RTP consiga captar são “limitadas”, que existe um congelamento do financiamento desde 2016 e que não existiu um aumento da contribuição audiovisual. Segundo os dados avançados pela jornalista da RTP Maria Flor Pedroso, que moderava o debate, a taxa audiovisual, a cada um dos contribuintes, custa 36 euros por ano, uma das mais baixas da Europa, acrescenta Luís Marques.

Por outro lado, o aumento de custos é crescente, o que faz com que a RTP – que devia investir por ano mais de 7 milhões em tecnologia – não consiga suportar esses valores, explicou o presidente do seu Conselho de Administração.

Questionado diretamente sobre se o dinheiro recebido pela RTP é o suficiente, Nicolau Santos disse que o financiamento chega “para o que estamos a fazer”, mas que o mesmo não é suficiente para a mudança tecnológica que é necessária fazer.

Luís Marques, por seu lado, apontou que “”fala sempre em mais receitas, mas nunca se fala em menos custos”, referindo que está em causa a gestão do dinheiro “dos outros e de pessoas que não vêm sequer a RTP”.

Embora conceda que “a melhor forma de financiar é com a taxa”, o ex-administrador disse não haver “condições políticas para aumentar a taxa”. Sublinhando que a generalidade dos outros países estão a reequacionar os gastos com o serviço público, defendeu que o melhor é a RTP manter o atual financiamento e “justificá-lo”.

José Rebelo, professor emérito do ISCTE e ex-membro do Conselho de Opinião da RTP

Neste campo, José Rebelo, professor emérito do ISCTE (Instituto Universitário De Lisboa) e ex-membro do Conselho De Opinião Da RTP, afirmou que é “absolutamente impossível querer aumentar a taxa, porque isso iria provocar uma animosidade que iria contribuir muito para pôr em causa a RTP mesmo nas condições precárias em que ela hoje existe”.

Nicolau Santos relembrou ainda que a RTP presta contas todos os anos e que 2022 foi o 13º ano consecutivo em que a empresa apresentou resultados positivos. Em 2022, a RTP teve resultados operacionais (EBITDA) no valor de 12,8 milhões de euros e um resultado líquido de 767 mil euros.

Os três participantes do debate concordaram que não houve uma grande quebra no consumo de televisão, mas que existe uma grande fragmentação das audiências e uma mudança de consumo, pelo que foram também consonantes na necessidade de uma “transformação digital“.

Falando “como profissional de televisão”, Luís Marques disse sentir-se “incomodado” com o facto de “toda a gente” estar “acomodada” com a oferta, observando que as grelhas da RTP “são praticamente iguais às de há 20 anos, com pequeníssimas alterações” e defendeu que “é preciso refundar aquilo que é hoje fazer conteúdos”.

A RTP tem o desafio de romper com as atuais grelhas. A primeira televisão que o fizer vai marcar o futuro da televisão e eu tenho pena que a RTP não o faça, porque a RTP tem condições para o fazer que mais nenhuma tem”, referiu.

Se a RTP ficar numa situação de confortável relativamente ao que tem, é um erro histórico”, apontou ainda Luís Marques.

Nicolau Santos, presidente do conselho de administração da RTP

Nicolau Santos defendeu que “em termos gerais”, a RTP assegura a transmissão de alguns eventos importantes como vai fazer com as Jornadas Mundiais da Juventude ou como acontece com as representações das seleções portuguesas, pelo que “estamos presentes e fazemos serviço público de media”.

O presidente do Conselho de Administração apontou também que a RTP tem inovado, relembrando que foi o primeiro canal a lançar uma plataforma de streaming, onde disponibiliza todos os conteúdos de forma gratuita e que “temos por aí a capacidade de chegar a públicos diferentes”.

Apontando a integração de algumas produções da RTP em plataformas como a Netflix, HBO ou Amazon Prime, Nicolau Santos reforçou uma ideia lançada no debate o Estado da Nação dos Media, no congresso da APDC, defendendo uma ação concertada dos canais nesta matéria, uma vez que “os conteúdos produzidos em Portugal, em português, teriam muito maior possibilidade de serem comercializados a nível internacional se os três operadores juntarem os conteúdos, porque cada um por si terá mais dificuldade em afirmar a sua produção própria“.

Nicolau Santos, referindo que o canal RTP1 é o “motor” da RTP, defendeu ainda que há “muitas coisas” que a RTP faz e que os outros canais também podiam fazer, mas que não fazem “porque as audiências relativamente a certo tipo de temas não são as necessárias para que os meios privados, em cima disso, possam captar publicidade. Isto que nós fazemos é algo que o serviço público nos indica que devemos fazer e estamos a cumprir”.

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