Com a missão de que a Adecco seja vista como “top leader” do mercado, Lúcia Pereira, na primeira pessoa

Rafael Ascensão,

Desde o design até o marketing, o percurso de Lúcia Pereira levou-a a liderar a comunicação e marketing da Adecco, com o objetivo de transformar a forma como o mercado vê a marca.

Filha do Barreiro, mas com a alma dividida entre Portugal e a Suíça, Lúcia Pereira foi moldada por diferentes mundos, desde o rigor da McKinsey à estrutura das empresas públicas, num percurso que culmina agora no papel de diretora de marketing e comunicação do grupo da Adecco, onde tem o grande desafio de transformar perceções e posicionar a marca como líder de mercado.

No fundo, a minha missão na Adecco é a de conseguir que o grupo esteja sempre no top of mind quando se fala em recursos humanos, enquanto consultores de recursos humanos. É que sejamos vistos como top leaders do mercado. Quando entrei na Adecco, ainda havia muita esta conotação — que as pessoas às vezes até acham que é negativa e eu própria confesso que antes de conhecer o meu negócio, — tinha também um bocadinho este bias do trabalho temporário, mas nós somos muito mais do que isso”, afirma.

“Temos muito mais soluções de recrutamento e às vezes é um bocadinho ingrato quando as pessoas dizem que a Adecco é ‘aquilo de trabalho temporário’. A minha grande missão é conseguir que sejamos reconhecidos e fazer este trabalho de posicionamento de marca. Acho que qualquer pessoa que está em marketing, quer seja como produto ou serviço, quer que a sua marca seja reconhecida por aquilo que é e não por alguns bias que se vão criando ao longo dos anos no mercado”, acrescenta.

E isto vai ao encontro dos objetivos a que a profissional se propõe e que passam por trabalhar os diferentes territórios e especializações do grupo, para que também isso culmine em reconhecimento do mercado, embora o desafio seja “gigante”, por se tratar de uma “perceção de mercado que já existe há muito tempo”, entende.

Como também somos corporativos, é ainda mais difícil. Se estivéssemos a falar de um produto talvez houvesse mais facilidade. Mas tratando-se de um serviço, e envolvendo regras de compliance e de uma série de outras coisas, é difícil, embora ache que temos vindo a melhorar bastante a comunicação e a forma como falamos. Mas não dá para ter grandes riscos“, explica ainda a diretora de marketing e comunicação de 44 anos.

O desafio passa assim por ter “estratégias que sejam efetivamente eficazes para chegar a esse grande objetivo” e de conseguir manter uma homogeneidade entre as três diferentes unidades de negócio do grupo. “Embora tenhamos que ter estratégias diferentes, porque são negócios diferentes, temos de ter um bocadinho esta consistência de trabalhar as unidades mais ou menos da mesma forma, o que nem sempre é possível”, diz.

Quanto ao tom da marca, este tem que ser sempre um tom de “proximidade e propósito”, o que transparece desde logo através do claimmaking the future work for everyone“, considera Lúcia Pereira. “Hoje em dia é tudo tão efémero — com as camadas mais jovens com cada vez menos disponibilidade mental para coisas muito extensas — que o nosso grande objetivo é sermos percecionados como uma marca humanizada, que pensa nas pessoas e as coloca no centro, mas que também seja jovem e catchy“, explica.

Para tudo isto, Lúcia Pereira conta com uma equipa de seis pessoas e com o apoio das agências Cognitive (no planeamento de meios) e Gigantic (digital sales) sendo que, em termos criativos, é tudo feito in-house. Como o grupo tem uma dimensão ibérica, é também pedido algum apoio às agências que trabalham com a marca em Espanha.

No entanto, a vida vida profissional de Lúcia Pereira começou a ser desenhada como designer gráfica na McKinsey, onde esteve durante seis anos e que considera ter sido a experiência que a “moldou enquanto profissional“.

“Numa multinacional americana, há 20 e muitos anos, trabalhava-se muito. Não que agora isso não aconteça, mas as coisas alteraram-se bastante. Naquela altura era duríssimo, não tínhamos as mesmas ferramentas, era tudo ainda muito formatado. Foi assim um bom boost para a minha carreira, até a nível de resiliência. Trabalhava-se muito sob pressão, não havia um dia em que não se fizessem horas e que não se ficasse até mais tarde no escritório. Mas hoje, quando olho para trás, agradeço bastante ter feito este percurso”, recorda.

Saiu depois para trabalhar numa empresa pública, a Refer, como secretária da direção, tendo estado depois cerca de uma década na Wayfield, onde trabalhou diretamente com a administração, o que lhe conferiu “alguma visão estratégia que naturalmente ajuda bastante hoje em dia”.

No entanto, o bichinho do marketing e comunicação sempre estiveram na sua cabeça, pelo que decidiu fazer uma pós-graduação e melhorar os seus conhecimentos nesta área, embora “já tivesse muito know how” por ter sempre trabalhado diretamente com as direções de marketing, aponta.

Após passagens como senior executive assistant pela Carmo Wood e pela Devoteam, integrou então a Adecco há cerca de três anos como senior executive assistant & institutional relationship manager até que, há dois anos, assumiu a direção de comunicação e marketing. “Acho que foi um movimento natural e não uma coisa ambicionada. Não previa muito isto na minha carreira, mas hoje quando olho para trás acho que tudo o que fiz culminou aqui“, diz.

A viver com a filha de 16 anos e uma beagle em Palmela, para onde se mudou há cerca de três anos vinda do Barreiro, de onde é natural, Lúcia Pereira não passou, no entanto, muito do seu tempo livre naquela cidade. Com uma irmã mais velha, que foi para a Suíça quando Lúcia Pereira tinha sete anos, a diretora de marketing e comunicação da Adecco passava todo o tempo que podia em terras helvéticas, nomeadamente em Genebra.

“Todos os amigos que tenho hoje em dia, e que são grandes amigos, fui adquirindo ao longo da minha vida, através do trabalho ou de amizades de outros amigos, mas não tenho aquele percurso linear de ter os amigos no secundário com quem tenha feito muita coisa juntos. Os meus amigos estavam em Genebra. Não tenho grandes recordações aqui de Portugal nesse sentido, até porque mesmo na escola eu fui sempre muito tímida, pelo que não tenho grande ligação a essa altura da minha infância”, diz.

Quando ia à Suíça ficava também muitas vezes com os sobrinhos, sendo que um deles é apenas nove anos mais novo, pelo que têm uma relação “mais de irmãos do que de tia e sobrinho”. “Tenho uma ligação muito grande e continuo a fazer muitas temporadas lá [na Suíça], sempre que posso“, diz.

Sempre que pode, nos seus tempos livres, vai também ao ginásio, que considera ser a sua terapia. “Em vez de gastar dinheiro em psiquiatria ou psicólogos, vou ao ginásio”, diz em tom de brincadeira. “É um momento em que desligo mesmo e não penso em mais nada. E gosto imenso de crossfit e atividades assim mais duras para acabar a achar que já não posso mais, é aquele momento que dá para exorcizar as energias acumuladas“, aponta.

Além disso gosta de ler, caminhar, ouvir música e desenhar. O gosto pelo desenho surgiu desde ainda “em miúda”, tendo ainda “milhares e milhares de coisas” em casa da sua mãe. “E mesmo quando a minha filha era pequenina, desenhava imenso com ela. É uma coisa que eu gosto imenso de fazer, desenhar, pintar… fiz quadros e uma outra série de coisas. Até há pouco tempo passava muito tempo com a minha filha a pintar mandalas, é uma coisa que também que me tranquiliza e relaxa. Esta é uma faceta que veio de miúda e de forma completamente autodidata”, diz.

Lúcia Pereira considera-se uma “cuidadora“, adjetivo lhe é atribuído pelos colegas de trabalho e não por si mesma, sublinha. “Mas gosto muito de cuidar das minhas pessoas, gosto de ver os outros à minha volta bem. Se os outros estiverem bem à à minha volta, estou feliz“, afirma.

Além disso vê-se como uma pessoa que “adora aprender” e de ter pessoas na sua equipa que saibam mais do que ela. “Acho que é nessa diversidade que se fazem coisas muito giras, tendo pessoas na equipa, cada uma com as suas valências e com uma segurança psicológica de que se pode errar, porque na maior parte das vezes é nas adversidades que se cresce“, observa.

Não gosto de falar em hierarquias, nem nada disso. Naturalmente a estratégia passa muito por mim, mas depois em termos de operação, acho que é muito importante as pessoas também perceberem e terem esta segurança de perceber que estamos todos no mesmo patamar e que podemos todos aprender uns com os outros, acho que isso é fundamental”, conclui.

Lúcia Pereira em discurso direto

1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?

A nível nacional, escolheria a campanha “You Got This”, da Adidas, recentemente apresentada em Portugal. É um exemplo notável de como a humanização da mensagem pode elevar uma marca global mantendo relevância local. A campanha trabalha o conceito de “Plus One Effect”, dando visibilidade às pessoas que estão por trás dos atletas, pais, treinadores, amigos e mostra que o verdadeiro desempenho nasce da confiança e do apoio emocional. Para mim, esta campanha traduz o que o marketing contemporâneo deve ser: humano, empático e baseado em histórias reais, com uma execução criativa que reforça o propósito da marca e gera identificação genuína com o público.

Já internacionalmente, destacaria a campanha “Real Beauty” da Dove, que continua a ser um marco no setor. Revolucionou a forma como se fala de beleza, diversidade e autoestima e reforça que uma marca pode fazer negócio e ao mesmo tempo transformar mentalidades. É uma masterclass sobre consistência, autenticidade e coragem em comunicação, três pilares que considero essenciais em qualquer estratégia de marca.

2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?

Saber quando seguir os dados e quando seguir a intuição. Vivemos num tempo em que tudo é mensurável, mas nem tudo o que conta pode ser medido. A decisão mais desafiante é equilibrar a racionalidade dos números com a sensibilidade humana e perceber quando é preciso dar um passo em frente, mesmo que o Excel diga o contrário.

3 – No (seu) top of mind está sempre?

A marca e tudo o que ela representa. A sua reputação, consistência e relevância são o centro de todas as decisões. Cada campanha, cada ação, cada palavra tem de fortalecer essa perceção. O resto, canais, formatos, métricas, são ferramentas. A marca é o ativo mais estratégico que temos.

4 – O briefing ideal deve…

Ser claro na estratégia e inspirador na ambição. Deve explicar o “quê” e o “porquê”, mas deixar espaço para a agência interpretar o “como”. Um bom briefing é o ponto de partida de uma relação de confiança, define o rumo, mas incentiva a explorar caminhos criativos.

5 – E a agência ideal é aquela que…

Compreende verdadeiramente o negócio e tem a coragem de desafiar. Uma boa agência não replica ideias, provoca reflexão. É curiosa, proativa e comprometida com resultados, mas também com o impacto emocional da marca. As melhores parcerias nascem quando há visão partilhada e confiança mútua.

6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Arriscar com inteligência. Nem o conservadorismo constrói marcas memoráveis, nem o risco desmedido sustenta negócios. A diferença está em saber quando o risco é estratégico, quando a ousadia tem propósito e quando a inovação reforça a essência da marca.

7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?

Criaria uma plataforma global sobre o futuro do trabalho, com impacto real nas pessoas e nas organizações. Um ecossistema digital e físico que promovesse a inclusão, a requalificação e o desenvolvimento de talento, com histórias reais, experiências imersivas e dados que inspirassem ação. Mais do que uma campanha, seria um movimento — onde a Adecco pudesse continuar a cumprir a sua missão de fazer o futuro do trabalho funcionar para todos.

8 – A publicidade em Portugal, numa frase?

Criativa, talentosa e emocional, mas ainda à procura de mais coragem para romper padrões e assumir uma voz mais diferenciadora no cenário internacional.

9 – Construção de marca é?

Um trabalho de consistência, coerência e conexão. Não é apenas o que a marca diz, mas o que faz e o que as pessoas sentem quando interagem com ela. Construir uma marca é construir confiança, e confiança só se conquista com verdade e repetição ao longo do tempo.

10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?

Provavelmente algo ligado à estratégia e comportamento humano — comunicação, psicologia ou consultoria. Sempre numa área onde pudesse compreender pessoas e transformar esse conhecimento em impacto real.

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