Black Friday é vista com desconfiança? O que devem as marcas fazer?

Rafael Ascensão,

A desconfiança sobre a Black Friday coloca as marcas sob escrutínio, com os consumidores a temer falsas promoções. Especialistas avisam que só a transparência protege a reputação.

O período da Black Friday — cada vez mais amplo, transversal a todos os setores e saturado em termos de comunicação — é aproveitado pela maioria dos portugueses, cujo orçamento médio para esta fase de promoções subiu este ano para 385 euros. No entanto, este período de descontos é também por vezes olhado com desconfiança por parte dos consumidores, que pensam poder estar perante falsas promoções ou mesmo burlas.

Enquanto 24% dos portugueses continuam céticos quanto à autenticidade das promoções apresentadas na Black Friday, segundo um estudo da Klarna, um inquérito da Dynata para a Revolut revelou que 27% das pessoas entre os 45 e os 54 anos e 39% entre os 55 e os 64 anos dizem mesmo não se sentir muito confiantes para detetar burlas na Black Friday. Esta taxa desce para 25% entre a Geração Z, mas um em cada cinco destes jovens diz já ter perdido dinheiro para burlões enquanto fazia compras online, com 21% a admitirem ter perdido entre 500 e 1.000 euros ao tentarem aproveitar as promoções da Black Friday.

No ano passado a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) reportou inclusive a abertura de 21 processos de contraordenação com base nestas práticas, alegando a violação reiterada dos direitos dos consumidores em novembro de 2024.

Como devem as marcas comunicar este período de promoções?

Apostar numa estratégia “centrada na transparência, na clareza e na criação de confiança” é o conselho deixado desde logo por Carolina Afonso, membro da direção da APPM (Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing). É também essencial que a comunicação seja “objetiva, verificável e fácil de compreender”, uma vez que se trata de um momento em que “o excesso de mensagens promocionais, a duração alargada das campanhas e as notícias sobre fraudes aumentam a desconfiança dos consumidores“.

A diferenciação deve fazer-se pelo valor real que se entrega ao consumidor, oferecendo-lhe informação útil para comparar, decidir e comprar com segurança, em vez de apostar num aumento de ruído ou numa pressão artificial para concluir a compra

Carolina Afonso

Membro da direção da Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing (APPM)

As marcas devem assim “apresentar de forma clara o preço anterior e o preço promocional, explicar sem ambiguidades as condições das ofertas, evidenciar políticas de devolução e garantia, reforçar a credibilidade através de avaliações, certificações ou selos de segurança e assegurar que toda a experiência, desde a navegação ao pós-venda, é coerente com a promessa comunicada”, defende Carolina Afonso.

A diferenciação deve fazer-se pelo valor real que se entrega ao consumidor, oferecendo-lhe informação útil para comparar, decidir e comprar com segurança, em vez de apostar num aumento de ruído ou numa pressão artificial para concluir a compra“, acrescenta.

A opinião é partilhada por Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca, que sublinha que as marcas devem encarar o período da Black Friday como um momento de comunicação “particularmente sensível, em que a confiança e a clareza da informação são tão importantes como o valor da promoção em si“.

Num contexto em que as mensagens promocionais se multiplicam e em que muitos consumidores já se sentem saturados e desconfiados, é essencial que a comunicação das marcas reforce a autenticidade, a rastreabilidade e a credibilidade dos produtos, em vez de alimentar o ruído e confundir o shopper“, defende.

Segundo o responsável, as marcas devem sublinhar o valor real que oferecem ao longo do ano e não apenas durante os períodos de campanhas, assim como devem “evitar ambiguidades que possam gerar confusão ou criar a perceção de que participam em práticas enganosas”. “Mais do que ‘vender descontos’, importa ‘comunicar confiança’“, aponta Pedro Pimentel.

E o que é imperativo que as marcas não façam?

Neste período saturado de comunicação é também a reputação das marcas que está em jogo, pelo que as mesmas devem evitar práticas que as possam prejudicar, como subir preços antes do período promocional para simular descontos maiores, o que “não só destrói confiança como pode constituir uma infração“, alerta Carolina Afonso.

Da mesma forma, devem ser evitados comportamentos como “comunicar ‘descontos até X%’ que apenas se aplicam a uma minoria irrelevante de produtos, criar contadores ou urgências falsas, esconder limitações em letras pequenas ou tornar termos e condições pouco claros”, defende.

A reputação de uma marca constrói-se com consistência, e um deslize num período como este pode ter um impacto duradouro. O consumidor valoriza marcas que mantêm o mesmo tom responsável em todos os momentos, sobretudo quando o contexto convida ao excesso. Preservar a integridade da comunicação é, hoje, uma das maiores formas de diferenciação

Pedro Pimentel

Diretor geral da Centromarca

Também Pedro Pimentel explica que a tentação de usar expressões genéricas como “imperdível”, “só nesta campanha” ou “descontos até X%”, sem controlo sobre o seu contexto real, pode “corroer a credibilidade construída ao longo do tempo“.

Apesar de muitas vezes não serem as marcas a definir os preços ou as campanhas de desconto (competência que cabe aos retalhistas), sublinha o diretor geral da Centromarca, é importante evitar associações a campanhas que não garantam total transparência no histórico de preços, assim como “replicar práticas de comunicação que utilizem linguagem hiperbólica ou visualmente enganadora”.

É fundamental que as marcas não se deixem arrastar pela lógica de curto prazo que por vezes domina o período da Black Friday. A reputação de uma marca constrói-se com consistência, e um deslize num período como este pode ter um impacto duradouro. O consumidor valoriza marcas que mantêm o mesmo tom responsável em todos os momentos, sobretudo quando o contexto convida ao excesso. Preservar a integridade da comunicação é, hoje, uma das maiores formas de diferenciação“, afirma Pedro Pimentel.

Carolina Afonso alerta ainda para o essencial que é não abusar da utilização de dados pessoais e “cumprir rigorosamente o RGPD [Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados], assim como evitar o excesso de comunicações que pode ser percecionado como intrusivo ou agressivo”. “A ética deve estar no centro da estratégia, consciente de que tanto a ASAE como os consumidores estão hoje muito mais atentos e informados“, conclui.

Os conselhos para os consumidores

Desconfiar de descontos que parecem demasiado bons para serem verdade, é o primeiro conselho deixado aos consumidores tanto por Pedro Pimentel como por Carolina Afonso. Não ceder a decisões impulsivas, confirmando sempre a origem das ofertas, os canais de compra e as políticas de devolução são outras dicas do diretor geral da Centromarca, que aconselha também o consumidor a procurar informação diretamente nas páginas oficiais das marcas e dos retalhistas, evitar clicar em links partilhados por terceiros e estar atento a sinais de falsificação, como erros ortográficos ou endereços de sites suspeitos.

Outra boa prática é comparar preços e verificar o histórico de valores do produto nos dias ou semanas anteriores, o que pode ser feito por plataformas e ferramentas digitais que ajudam a perceber se a promoção é genuína ou apenas aparente, aponta Pedro Pimentel.

Carolina Afonso recomenda também que sejam privilegiados métodos de pagamento seguros, evitando transferências diretas ou pedidos suspeitos. Além disso, os consumidores devem definir um orçamento e elaborar uma lista do que realmente necessitam, aconselha.

Uma vez que ao longo do mês de novembro se “multiplicam as campanhas e promoções que, muitas vezes, conduzem a compras impulsivas ou pouco informadas”, a Direção-Geral Consumidor (DGC) também aposta na divulgação de campanhas de sensibilização nas redes sociais. O objetivo passa por “alertar os consumidores para a importância de decisões de consumo conscientes e informadas”, deixando ainda “alguns conselhos para ajudar os consumidores a preparar-se para este período de forte pressão comercial”.

Os conselhos da DGC para os consumidores nesta Black Friday

  • Antes da compra, confirmar as políticas de trocas e de devoluções;
  • Pesquisar produtos e comparar preços, se possível através de ferramentas de comparação de preços;
  • Verificar se o valor dos portes de envio compensa o desconto ou a promoção;
  • Nas compras a crédito, avaliar se o desconto do artigo compensa a taxa de juro aplicável;
  • Verificar se o sistema de pagamento utilizado no site é seguro — não sendo, não avançar na compra;
  • Confirmar no site as informações sobre a identidade e os contactos do profissional (em caso de problema com o bem ou o serviço, estas informações serão essenciais para a resolução do conflito);
  • Estar atentos a alterações súbitas de preços nesta época, uma vez que o preço promocional deve basear-se no preço mais baixo praticado nos últimos 30 dias. Caso verifiquem alguma situação irregular, devem denunciá-la às entidades competentes, através do livro de reclamações eletrónico. Nas vendas a retalho, seja na loja física ou online, a denúncia deve ser feita à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) ou, tratando-se de publicidade, à DGC (no caso de compras online, se possível, efetuar captura de ecrã com a mensagem publicitária e informações associadas promoção do bem ou serviço).

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