Parte da dívida a empresas portuguesas em Angola está a ser paga em títulos do Tesouro

O secretário de Estado da Internacionalização disse que Angola está a cumprir os pagamentos de dívidas às empresas portuguesas, que já há cerca de 50 no processo, mas admite que parte dos valores está a ser paga com obrigações do Tesouro angolano.

“Sabemos que há empresas que aceitaram condições de pagamento em dinheiro, em títulos do Tesouro, e até em títulos com maturidades, diferentes“, admitiu Eurico Brilhante Dias em entrevista à Lusa, explicando, porém, que a forma de pagamento resulta das negociações entre as empresas e o Governo de Angola e que em nada têm a ver com o Estado português.

O que o Estado português fez “foi com as autoridades angolanas, que sempre manifestaram vontade (…) de pagar, encontrar um procedimento que nos permitisse chegar a pagamentos”, afirmou, adiantando que neste momento já há cerca de 50 envolvidas no processo de negociação de dívida.

Eurico Brilhantes Dias lembra que se partiu de um ponto de “ausência de pagamentos” para contratos que foram celebrados, no essencial, entre 2013 e 2016. Contratos que não tiveram qualquer intervenção do Estado português, nem sequer foram celebrados ao abrigo da convenção Portugal-Angola, explicou.

“Tratam-se de contratos celebrados entre empresas portuguesas, na sua larga maioria do setor da construção, e entidades públicas angolanas, os ministérios setoriais, os governos provinciais. E, na maioria dos casos, sem proteção cambial, em kwanzas [a moeda angolana], nem sequer em dólares ou em euros”, afirmou.

Ora, aquilo a que se assistiu, nos últimos anos, “foi a uma fortíssima desvalorização do kwanza, o que levou a que contratos sem proteção cambial ou sem seguro cambial (…), sendo cumpridos ao valor nominal perderam valor na sua comparação com o euro ou com o dólar”.

Para se chegar aos pagamentos, que hoje estão a ser feitos às empresas portuguesas, lembrou o secretário de Estado, foi feito primeiramente o reconhecimento da dívida, a sua certificação. Depois foi preciso perceber como encontrar um contra valor que fosse justo, isto é, que “face aos contratos em kwanzas em 2013 e 1014, que contra valor em kwanzas é que teriam esses contratos hoje.”

Aqui, diz, já entrava a negociação. “Essa negociação, (…) já foi feita empresas portuguesas e o governo de Angola”. E só num terceiro momento foi definido o modelo de pagamento. Tanto quanto o governo português sabe “oitenta por cento das empresas, das originais, aquelas que foram tratadas logo a partir de julho” de 2018, aquando da deslocação do secretário de Estado a Luanda, “viram o valor reclamado ser certificado praticamente de forma integral”.

“Subsistem problemas apenas com duas ou três empresas”, que são, “tipicamente”, casos em que a contratualização não foi feita com a administração central angolana, mas sim com governos provinciais do país, adianta. “Estamos a falar de um universo total de 24 a 25 empresas, um núcleo bastante reduzido, tendo em conta os milhares de empresas portuguesas que estão em Angola”, afirmou.

Para Angola, exportam 5.800 empresas portuguesas e a operar no mercado angolano estão 1.200, de capital português ou capital luso-angolano. Neste processo, Brilhante Dias destacou que as autoridades angolanas sempre disseram que o valor a que chegassem na certificação seria o valor considerado para efeito de pagamentos. E é isso que tem estado a acontecer, garantiu.

“Portanto, do que as empresas se queixam é da modalidade de pagamento, que as próprias acordaram com o Estado angolano”, concluiu. Algumas destas, com o dinheiro que receberam, continuam a operar em Angola. Portanto “as kwanzas são-lhes úteis para continuar a operar em Angola”. Outras, contudo, querem transformar rapidamente as kwanzas em divisas, neste caso em euros, e trazer o dinheiro para Portugal, explicou Brilhante Dias.

Nestes casos as empresas “terão que pagar a antecipação do valor da obrigação do Tesouro, de ter descontos significativos, porque, evidentemente, estamos a falar de uma economia que continua a ter taxas de juro muito elevadas”. Para muitas empresas os valores em questão, diz, “estavam provisionados nas suas contas e, em alguns casos, até considerando o montante em perda”.

“Portanto hoje estão a recuperar valores que as suas contas já registavam como perda absoluta”, refere. Brilhante Dias adianta que conhece modalidades de pagamento diferentes “em função do montante. Há empresas com montantes mais reduzidos, que têm recebido uma maior percentagem do valor em liquidez, em kwanzas diretamente”.

“Eu diria que, se quiser fazer uma generalização, as empresas portuguesas têm recebido uma parte em dinheiro e outra parte em obrigações do Tesouro, com maior ou menor maturidade, mais curtas de dois anos, ou até maturidades mais longas, que podem chegar a cinco, seis e sete anos”.

Quanto ao trabalho do governo português, “é estar ao lado dos portugueses e das empresas para encontrar as melhores soluções”, e tem estado a acompanhar diariamente a situação.

Porém deixa uma chamada de atenção para a gestão do risco das empresas. “Têm-se dado passos enormes, mas muitas das empresas portuguesas têm de perceber que economias fora da União Europeia, com divisas mais frágeis, particularmente muito expostas ao preço das matérias-primas energéticas nos mercados internacionais, são mercados que obrigam a uma particular atenção na gestão do risco”.

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