Partidos criticam ausência de temas como saúde e habitação do discurso de Natal de António Costa
A mensagem de Natal de Costa foi fortemente criticado pelos partidos que salientam a ausência de temas fortes como crise na habitação, saúde ou até educação.
Na tradicional mensagem de Natal o primeiro-ministro afirmou que deixa um país melhor ao fim de oito anos de liderança de governos socialistas, considerando que Portugal está preparado para enfrentar os desafios com uma população mais qualificada e com menos dívida. Mas este discurso não “saciou” os partidos. Da esquerda à direita, a mensagem de Costa foi fortemente criticado pelos partidos que salientam a ausência de temas fortes como crise na habitação, saúde ou até educação.
“Nestes oito anos em que tive a oportunidade de conhecer ainda melhor os portugueses e Portugal, só reforcei a minha confiança na nossa pátria. É com esta confiança reforçada em cada um de vós, na nossa capacidade coletiva, em Portugal, que me despeço desejando um feliz Natal, um excelente ano de 2024 e a certeza de que os portugueses continuarão a fazer de cada ano novo um ano ainda melhor”, declarou o líder do executivo.
Mas a mensagem não agradou a todos. Um dos críticos do discurso do primeiro-ministro foi o vice-presidente do PSD. Paulo Rangel afirmou que, à semelhança de Costa, também o PSD confia nos portugueses, mas que a confiança dos portugueses no futuro “só pode ser retomada com uma alternativa”.
“Com maioria absoluta, ao longo de um ano desbarataram a credibilidade do Governo e das instituições“, destacou Paulo Rangel, criticando o balanço da atividade governativa feito pelo primeiro-ministro, cerca de um mês e meio depois de se ter demitido da chefia do Governo.
“Como é que é possível fazer o elogio dos progressos que houve nas qualificações quando vemos a situação em que está o sistema educativo, a situação em que estão os nossos alunos sem professores, em que estão os professores sem qualquer incentivo, a situação, portanto, de impasse em que entrou a educação”, referiu.
A par da educação, o vice-presidente do PSD criticou também as contas certas, considerando que “foram feitas com base na destruição, abandono e desistência sistemática dos serviços públicos”.
Para Paulo Rangel, na mensagem de Natal do primeiro-ministro faltou “uma palavra” para os profissionais de saúde, mas também para os sem-abrigo e para os que se confrontam com a crise na habitação. “Sabemos que a pobreza e o risco de pobreza aumentaram especialmente neste último ano, ano e meio, em que o Governo socialista tinha maioria absoluta e era liderado por Costa”, afirmou.
Defendendo que o partido não tencionava fazer “uma crítica completa” à política socialista de António Costa, o vice-presidente do PSD afirmou, no entanto, que o primeiro-ministro “não hesitou em fazer alguma propaganda”.
Também o presidente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, afirmou que o primeiro-ministro esteve “igual a si próprio”, fazendo propaganda a si e ao Governo mas esquecendo o que aflige a população.
“António Costa, na mensagem difundida esta noite, não falou do essencial, como as questões ligadas à crise na habitação, aos baixos rendimentos, a uma classe média absolutamente asfixiada por rendimentos baixos e impostos altos, à degradação das instituições e à degradação dos serviços públicos, como a saúde, educação, transportes e justiça”, disse.
Para Rui Rocha, o primeiro-ministro limitou-se a fazer um “autoelogio”, que “é aquilo que tem feito sempre ao longo destes oito anos”.
Ainda há direita, o presidente do Chega considerou que a mensagem de Natal do primeiro-ministro falhou ao não abordar temas como a crise das instituições, a justiça e a saúde.
“É um primeiro-ministro que consegue na sua última mensagem falhar os dois tópicos principais que era importante tratar hoje e a olhar para o futuro: a crise das instituições e a confiança na justiça, que levou ao fim do seu Governo, e o profundíssimo sistema degradado em que a nossa saúde se encontra hoje”, considerou André Ventura.
O líder do Chega acusou o primeiro-ministro de uma “profunda incapacidade de fazer um exercício de auto responsabilidade, um juízo crítico de auto responsabilização”. “António Costa falhou em toda a linha ao não conseguir dar aos portugueses a tranquilidade que o país precisava numa noite de Natal”, disse, acusando o PS e o primeiro-ministro de viverem “numa realidade paralela completamente diferente da maioria dos portugueses”.
Também a eurodeputada do Bloco de Esquerda, Marisa Matias, considerou que a mensagem de Costa ficou marcada pela ausência de qualquer referência aos problemas que as pessoas enfrentam, nomeadamente na habitação e na saúde.
“Nesta última mensagem de Natal, o primeiro-ministro não fez nenhuma referência aos problemas que as pessoas enfrentam em Portugal, problemas que foram agravados com a maioria absoluta, apesar de ter tido todas as condições políticas e recursos extraordinários”, disse.
Para a eurodeputada bloquista, a maioria absoluta “foi um tempo intranquilo”, não marcado apenas pelo “rodopio de ministros”, mas também por um “sobressalto permanente” na vida das pessoas, com a crise da habitação e os problemas sentidos no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“A habitação é um problema central neste momento em Portugal, o SNS precisa de ser salvo e precisa de haver investimento concreto para que aquela que é uma das principais conquistas da democracia em Portugal não colapse e para tudo isso é preciso que se olhe, que se apresente soluções concretas para esses problemas e não fugir a eles, ignorá-los, omiti-los”, salientou.
Para Marisa Matias, este era um momento para o primeiro-ministro estar “mais próximo da realidade que as pessoas estão a enfrentar em Portugal”, considerando que continuar-se a “fingir que esses problemas não existem” não irá contribuir para resolvê-los.
Segundo a eurodeputada, era importante que António Costa tivesse apresentado “um olhar para o futuro e reconhecer que há problemas muito concretos na vida das pessoas e para os quais é preciso encontrar soluções”.
Marisa Matias lamentou ainda que o primeiro-ministro português não tenha feito qualquer referência “ao genocídio que está a acontecer em Gaza”. “Não é um Natal qualquer. À semelhança do que temos assistido tragicamente na Ucrânia e que mereceu referência no ano passado, creio que não podemos também esquecer o que se está a passar em Gaza este ano”, vincou.
Já a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, defendeu que a mensagem do primeiro-ministro “esquece o país real” e considerou uma perda de tempo debates sobre coligações à esquerda ou à direita.
“As palavras de António Costa esquecem o país real, porque as contas certas têm que ser contas certas em primeiro lugar com as famílias, e num país em que temos mais de 10 mil pessoas em situação de sem-abrigo e quatro milhões de pessoas a viver em situação de pobreza se não fossem os apoios sociais, existe claramente aqui um défice de um país em que António Costa não tem conseguido promover o desenvolvimento social”, considerou.
Para o PAN, a maioria absoluta do primeiro-ministro demissionário “foi uma oportunidade perdida e desperdiçada”. “É fundamental que, ao invés de perdermos tempo a discutir entre a esquerda e a direita, e qual vai ser a solução para o país, se uma coligação à esquerda ou à direita, que estivéssemos a discutir aquilo que é a visão e o projeto de país que queremos de facto para Portugal”, defendeu.
Também o PCP considerou que a mensagem de Costa “não bate certo com a vida das pessoas”, salientando mais uma vez a ausência de menção a problemas como o custo de vida, saúde, educação e habitação.
“O senhor primeiro-ministro faz uma declaração que não bate certo com a vida das pessoas. Fala das contas certas, mas não fala do desacerto das contas da vida das pessoas, do salário e da pensão que não chega para enfrentar o custo de vida, que aumentou significativamente nos últimos tempos”, disse o dirigente comunista Jaime Toga.
Frisou ainda que António Costa fala “das qualificações do povo português, mas não fala, por exemplo, dos problemas da escola pública, do facto de haver ainda dezenas de milhares de alunos que não têm professores a todas as disciplinas”.
“Não fala do SNS, dos problemas que há no Serviço Nacional de Saúde, da falta de valorização dos profissionais“, referiu, sublinhando ainda a ausência de “um dos principais problemas do país, que é o problema da habitação”.
Para o dirigente do PCP, “hoje, milhares de famílias passam o Natal com a agonia de não saber como é que será o dia de amanhã, e como é que conseguirão fazer face ao aumento dos custos da habitação, seja por via do aumento da prestação do crédito à habitação, seja por via do aumento das rendas”.
Jaime Toga salientou a “importância de não alimentar ilusões, porque não é a partir do PS, como está demonstrado nos últimos anos, que se encontrarão respostas para os problemas dos trabalhadores, das populações”.
Por fim, para o PS a mensagem de Costa foi uma mensagem de “grande lucidez”, mas também de “grande esperança no futuro”. O vice-presidente da bancada socialista João Torres garante que o que o PS “se propõe é continuar este trabalho, de continuar a desenvolver este legado” e “a trabalhar com base na estabilidade, na previsibilidade e na segurança que os portugueses exigem dos políticos”.
Minutos depois da mensagem de Natal do primeiro-ministro, o deputado disse que António Costa “entregará um país inquestionavelmente melhor do que aquele que encontrou no final de 2015”.
E, em resposta à oposição, à esquerda e à direita, que criticou a mensagem de Costa por alegadamente descolar da realidade, João Torres afirmou: “ao longo do último ano e meio, [a oposição] está hoje especializada na maledicência”.
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