Mark Rutte, o “encantador de Trump” e “veterano da UE” que vai liderar a NATO

O primeiro-ministro há mais tempo no cargo nos Países Baixos deverá suceder a Stoltenberg na liderança da NATO, em outubro, mas ainda falta convencer Estados-membros.

Foi uma caminhada que começou desde novembro de 2023 e que esta quarta-feira chegou a bom porto: Mark Rutte será o próximo secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), sucedendo a Jens Stoltenberg, que terminará o seu mandato a 1 de outubro. O norueguês considera o governante neerlandês um “verdadeiro transatlanticista, um líder forte e um construtor de consensos” e essa é a opinião transversal da maioria dos seus pares.

Na imprensa internacional, é apelidado de “veterano da política europeia” e conhecido por ser o “Trump whisperer“. “Alguém que sussurra ao ouvido de Trump”, explica José Filipe Pinto, politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Lusófona ao ECO, detalhando que Rutte conseguiu, em 2019, uma “posição semelhante àquela que era a posição do clero quando falava ao ouvido do Rei”, criando uma boa relação com o ex-presidente norte-americano. No seu país de origem, há quem o apelide também de “Teflon Mark” (Mark da fita adesiva, tradução livre do inglês), pela sua capacidade de se manter no poder (foi primeiro-ministro durante 14 anos) e “de resiliência”.

Ainda assim, aponta o especialista, “é um cidadão igual aos outros“, que anda regularmente de bicicleta e que muitas vezes prescinde dos privilégios de motorista, sobretudo nos encontros com a realeza. “É alguém que está no poder mas que não perdeu a relação que tem com o cidadão neerlandês“, refere José Filipe Pinto. “É alguém com uma experiência, com capacidade de negociação e um ótimo gestor. Mas tenho dúvidas de que seja um líder forte e que tenha uma visão do futuro da NATO“, diz.

O primeiro-ministro recordista neerlandês recebeu esta quarta-feira “luz verde” de mais de 20 membros, incluindo de Portugal, para liderar a NATO nos próximos cinco anos. Embora ainda não seja “consensual” entre os 32 aliados que Rutte tenha capacidades para liderar a organização numa altura em que as tensões geopolíticas vão subindo de tom, fonte da NATO deixa claro ao Politico de que, neste momento, ainda que as discussões “não sejam definitivas”, “há uma vontade crescente de apoiar a candidatura” de Rutte.

Hungria e Turquia são dois dos países que se mostraram reticentes quanto à escolha do historiador e professor de 57 anos, e da parte dos países bálticos ainda não é claro se o apoio será garantido visto que existem preocupações relativamente à vontade de Rutte concretizar a adesão da Ucrânia à NATO numa altura em que a Rússia aumenta a sua presença militar em Kiev. A decisão final deverá ser conhecida na cimeira de líderes, em Washington, em julho mas não se esperam grandes reviravoltas.

Primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark RutteEuropean Union 2016 - European Parliament

 

É uma enorme honra ser nomeado secretário-geral da NATO. A aliança é e continuará a ser a pedra angular da nossa segurança coletiva”, cita a Politico as declarações de Rutte, esta quarta-feira. “Liderar esta organização é uma responsabilidade que não encaro de ânimo leve. Estou grato a todos os aliados que depositaram a sua confiança em mim”, acrescentou.

Será, no entanto, um mandato de grande importância. Por cá, a guerra na Ucrânia decorre há mais de dois anos e não há sinais de que esteja próxima do fim. Num cenário em que a invasão de Moscovo prossiga, uma adesão de Kiev à aliança transatlântica obrigaria a uma intervenção direta dos 32 aliados e, neste momento, nem todos estão capacitados para tal.

O grupo está comprometido em investir, pelo menos, 2% do PIB nacional todos os anos em defesa mas esse esforço não tem sido transversal. Nem nos próprios Países Baixos. Durante o mandato de 14 anos de Mark Rutte, o país esteve abaixo do exigido pela aliança no que toca à defesa, à semelhança de Portugal que, este ano, será o sétimo Estado-membro que menos vai investir em defesa em 2024, segundo uma estimativa da NATO. Já a Polónia será o país que mais investirá em defesa este ano, com 4,12% do PIB, seguido pela Estónia (3,43%) e acima dos Estados Unidos da América (3,38%).

Mas as dificuldades também serão sentidas no outro lado do Atlântico. Um mês depois de tomar posse (se tomar posse), os Estados Unidos vão a eleições. Na corrida estão Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos, e Donald Trump, ex-inquilino da Casa Branca que durante o seu mandato, entre 2017 e 2021, prometeu reavaliar o papel dos Estados Unidos na NATO e chegou mesmo a ameaçar cortar a ajuda à Ucrânia. Caso o candidato republicano volte a ganhar as eleições (há sondagens que apontam nesse sentido), Rutte será obrigado a testar a sua capacidade de criar consensos.

Mas não será difícil. “Gosto do tipo”, afirmou Donald Trump, em 2019, após um encontro entre os dois em Washington. “Somos amigos”, acrescentou, ao que Rutte concordou. “Certamente”, disse.

Como um dos primeiros-ministros mais antigos da Europa, Rutte viveu a ascensão e a queda de Trump #1 e está bem posicionado para lidar com um possível Trump #2.

Camille Grand, antigo secretário-geral adjunto da NATO

Politico

O cenário será igualmente otimista se Joe Biden conseguir uma reeleição. Fontes da Casa Branca indicaram ao Politico que o atual presidente considerou Rutte “apaixonado” e um “bom comunicador” que, como líder de um pequeno país, propôs formas “inovadoras” de reforçar a NATO.

De empresário a político

Rutte ingressou na carreira política em 2002, depois de ter trabalhado como diretor de recursos humanos da Unilever. Começou o seu percurso como Secretário de Estado para Assuntos Sociais e Emprego no gabinete do primeiro-ministro Jan Peter Balkenende e a partir daí manteve-se na política, tendo sido ainda Secretário de Estado da Educação, Cultura e Ciência e mais tarde, eleito líder do Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD). Em 2010, ainda sob a sua liderança, o VVD ganhou o maior número de votos e tornou-se no maior partido na Câmara dos Deputados pela primeira vez na história do partido. A 14 de outubro de 2010, tomou posse como primeiro-ministro e só abandonou o cargo 14 anos depois, com a sua demissão.

Entre os Estados-membros da UE, as opiniões sobre Rutte também são positivas. Nas redes sociais, vários líderes europeus congratularam a nomeação do neerlandês para o cargo. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, considerou a capacidade de “liderança” e “experiência” como determinantes para o futuro secretário-geral da NATO.

Já presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky descreveu Mark Rutte como um líder “forte” e “de princípios”, “que demonstrou a sua determinação e visão em muitas ocasiões nos últimos anos”. Deixou ainda um agradecimento a Jens Stoltenberg pela sua “contribuição notável” para fortalecer a NATO e o “apoio inabalável” à causa ucraniana.

Por cá, também o primeiro-ministro Luís Montenegro se mostrou satisfeito com a escolha, frisando que poderá “contar com o apoio de Portugal e com o nosso compromisso inabalável na defesa dos princípios consagrados no Tratado do Atlântico Norte”.

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