Reforma legislativa e união de esforços, conclusões da reflexão sobre a luta contra o ódio no futebol profissional

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  • 7:05

A reforma das leis e a união de forças, entre outras, são as conclusões da “Jornada de reflexão sobre as chaves para combater o discurso de ódio no futebol profissional”, organizada pela LaLiga.

A conferência, realizada em colaboração com a Comunidade de Madrid, colocou em cima da mesa diferentes propostas para sensibilizar e refletir na sociedade sobre estereótipos, preconceitos e discriminação racial e xenófoba no futebol, com representantes da política, da justiça, do desporto e dos meios de comunicação social.

O evento foi aberto por Javier Tebas, presidente da LaLiga, que salientou que “tal como organizamos a competição, assumimos a obrigação de lutar contra o ódio, os crimes racistas e intolerantes no futebol. Ainda há muito a fazer. O futebol é um ambiente de paz e de tolerância. O racismo não tem lugar na nossa sociedade e, se estivermos todos unidos, coordenados e com as estratégias corretas, acabaremos com a discriminação. Quando o conseguirmos, seremos a melhor liga do mundo e verdadeiros campeões. Trabalharemos com todas as ferramentas ao nosso dispor para que isso aconteça.

A inauguração contou também com a presença de Mariano de Paco, Ministro da Cultura, Turismo e Desporto da Comunidade de Madrid, que afirmou que “a Espanha não é um país racista e não há região mais acolhedora e inclusiva do que Madrid. A luta contra o racismo e a discriminação é uma missão urgente que temos de enfrentar em conjunto. Na Comunidade de Madrid, por exemplo, desenvolvemos políticas de prevenção no domínio do desporto desde a infância, com programas que transmitem aos desportistas mais jovens os valores da superação e do esforço para combater qualquer tipo de violência. Em suma, estamos determinados a eliminar qualquer indício de racismo ou manifestação de ódio, e a neutralizar as minorias que mancham os conceitos de trabalho de equipa, companheirismo e alegria. É uma prioridade urgente acabar com a violência dentro e fora do campo de jogo. Estou certo de que, com a ajuda e o empenhamento da grande maioria da sociedade, o conseguiremos.

DOMÍNIO JURÍDICO E LEGISLATIVO

O evento, dividido em três mesas redondas temáticas, abordou diferentes perspetivas sobre este problema latente na sociedade. A primeira delas contou com a participação de Miguel Ángel Aguilar, Procurador contra os Crimes de Ódio e Discriminação junto do Supremo Tribunal, da representante espanhola da Comissão Europeia contra o Racismo e a Tolerância (ECRI), Sara Giménez, e de Juan Carlos Gil Muñoz, Inspetor-Chefe da OND e antigo coordenador de segurança do Real Madrid e do Rayo Vallecano de Madrid, que debateram a forma de combater o racismo numa perspetiva legislativa.

Aguilar sublinhou que “embora o quadro legislativo seja bom, pode ser reformado. Pode ser feito de forma a que os comportamentos que se enquadram no artigo 510.º do Código Penal possam ser acrescentados à proibição de se aproximar e comunicar com o local do crime, também em relação às redes sociais. Uma das medidas que precisaríamos é a proibição de frequentar ambientes digitais quando esse tipo de crime é cometido por meio deles. Temos um caminho aberto neste momento nas denúncias que o Ministério Público está a fazer a este respeito, e creio que se avizinha uma mudança importante. Estamos a trabalhar nesse sentido.

Além disso, o procurador afirmou que “a reforma da lei de proteção de dados também deve ser considerada para permitir a identificação biométrica, para obter provas e para poder condenar as pessoas que praticam insultos nos estádios”. Neste contexto, Aguilar referiu que “tem de haver um pacto de Estado na luta contra os crimes de ódio para disponibilizar mais recursos ao sistema judicial, porque estamos a gerar expectativas de que as pessoas devem denunciar, mas se depois demoram anos a obter uma resposta, isso complica a ação. Precisamos de aumentar o número de juízes e procuradores para termos o número médio de juízes e procuradores que existem na União Europeia”.

Por seu lado, Sara Giménez sublinhou que “os clubes de futebol são um grande promotor de tolerância, coexistência e igualdade para este país e é importante que comecemos a torná-lo visível desde a fase de formação, com os rapazes e raparigas que jogam futebol. Temos de fazer muita prevenção e proceder a reformas jurídicas para adaptar a lei à realidade atual. Por último, Gil Muñoz sublinhou que “a LaLiga é um dos nossos melhores aliados neste domínio” e defendeu também “uma reforma legislativa”, propondo “a introdução de bilhetes nominais, a melhoria da identificação e a invisibilidade dos grupos racistas nos estádios de futebol”.

PROMOVER A MULTICULTURALIDADE

A segunda mesa redonda contou com a participação de desportistas que abordaram as chaves para a coexistência intercultural através da educação e do diálogo. Para Cindy Lima, antiga jogadora profissional de basquetebol e campeã europeia em 2013, “o racismo é mais um passo no crime de ódio. O insulto racista é muito mais profundo. Estas pessoas racistas têm construções danificadas e falta de educação. Houve uma impunidade absoluta, mas agora já não é assim no futebol, melhorou”. Neste contexto, Lima apelou a “educar, sensibilizar e atacar a raiz do problema”.

Tal como Lima, Carmen Menayo, jogadora do Atlético de Madrid, afirmou que é “muito importante educar e formar para não perder os valores que nos são incutidos” e considera o futebol “um meio de integração das pessoas”. “No balneário não importa a cultura, a religião ou o género. No entanto, penso que tudo isso é quebrado pela competição ou pelas expectativas sociais que rodeiam as pessoas, e é isso que temos de evitar”, salientou Menayo. Aauri Bokesa, ex-atleta e embaixador do programa “Desporto é Respeito” do Conselho da Europa, concordou no mesmo sentido, comentando que “é importante salientar que, se não educarmos para os valores positivos do desporto, este pode perder o seu caráter socializador. É por isso que temos de realçar todo o trabalho que está a ser feito pelas instituições, federações e clubes neste domínio”.

Marcos Senna, antigo futebolista profissional e membro do Departamento de RI do Villarreal CF, indicou que, sendo o primeiro jogador negro a ganhar um título com a seleção espanhola, “temos de ser inteligentes quando se trata de falar e lidar com casos de racismo. É um processo que tem de ser feito pouco a pouco para que todos vejam todos como iguais. Por seu lado, Fernando Morientes, antigo jogador do Real Madrid e da seleção espanhola, sublinhou a evolução do discurso sobre o racismo no futebol espanhol: “Coisas que antes eram vistas como normais e agora, felizmente, não. Era o que estava naturalizado e era visto como normal. Por essa razão, sinto a necessidade de pedir desculpa”.

O PAPEL DOS MEDIA

A jornada encerrou com uma discussão sobre o tratamento do racismo nos media, debatendo as linhas editoriais relativas a este flagelo e o impacto das opiniões expressas nas redes sociais na sociedade, com a participação de jornalistas dos principais meios de comunicação social nacionais. A este respeito, Esteban Urreiztieta, diretor-adjunto do “El Mundo”, declarou que “hoje em dia, o limiar contra o racismo nos meios de comunicação social não é o mesmo de há alguns anos. Se olharmos para os arquivos dos jornais, podemos encontrar alguns exemplos que agora, felizmente, a sociedade espanhola não aceitaria porque mudou e evoluiu para melhor”.

Estela Santos, chefe de redação do “Expansión”, abordou a perspetiva do jornalismo económico sobre as questões do racismo. Para Santos, “o posicionamento das empresas é importante. Do ponto de vista económico, os investidores e as partes interessadas têm agora uma palavra a dizer para retirar o apoio a equipas ou atletas. Neste aspeto, a LaLiga está a ter um bom desempenho na questão do racismo, porque tomou uma posição sobre o assunto. As novas gerações, que estão mais envolvidas em questões sociais, vão procurar referências e marcas que tenham o mesmo ponto de vista que elas”. Santos concluiu que “estamos melhor do que estávamos há 20 anos, mas pior do que estaremos nos próximos 20 anos”.

Nadia Tronchoni, chefe de redação da secção de desporto do El País, falou sobre a diversidade nas redações dos meios de comunicação social: “Muitas vezes as pessoas têm medo de contratar pessoas que vêm de outros sítios porque têm medo de escrever. Continua a ser difícil dar estas oportunidades e, atualmente, as redações não refletem a Espanha diversificada em que vivemos, apesar de a presença de jornalistas de outros países estar a aumentar. Temos de dar acesso a pessoas que têm uma visão diferente da vossa”. O jornalista salientou ainda que no seu meio, para evitar a utilização de linguagem inadequada em notícias que envolvam racismo ou sexismo, “temos um correspondente a quem recorremos em caso de dúvida, porque temos de interiorizar e avançar na forma como lidamos com estas questões”.

Ramón Fuentes, jornalista desportivo da Telemadrid, sublinha que “o impacto da mensagem na televisão é brutal. Não é comparável ao que se está a ler, uma vez que o que se vê tende a ter um impacto maior. Por isso, temos mais cuidado na transmissão de certas mensagens, para que sejam mais claras, mais enfáticas e não prejudiquem o espetro da sociedade que recebe a mensagem, que é cada vez mais diversificado”.

Quanto às redes sociais, Urreiztieta advertiu que “os jovens não consomem informação da forma tradicional”. Os alunos do mestrado do jornal dizem que entram nas redes sociais e consomem as notícias que os seus contactos partilham com eles. Quebram a hierarquia tradicional dos meios de comunicação social e isso é perigoso, porque tendem a partilhar o que é viral e não o que é importante”. Tronchoni, por seu lado, analisou a questão das redes sociais na perspetiva do jornalista: “Se um jornalista tem dúvidas sobre se um assunto foi bem ou mal feito, entrar nas redes sociais é como a bancada mais aterradora de um estádio. Em todo o caso, se tivermos a capacidade de decidir que o fizemos bem, isso não nos afeta”. Santos também concorda com esta opinião, afirmando que “os jornalistas não devem estar nas redes sociais por razões de saúde mental, pois são bolhas criadas pelo algoritmo com opiniões de pessoas que pensam da mesma maneira”.

LALIGA ATUA COM FIRMEZA

A LaLiga sublinhou que há anos que lidera a luta contra o racismo e o ódio no futebol e no desporto, sensibilizando, detetando e denunciando o fenómeno. Tanto a LaLiga como os seus clubes promoveram a plataforma LaLiga VS, que tem por objetivo erradicar o discurso do ódio dentro e fora dos estádios, promovendo uma sociedade respeitosa e inclusiva em todos os domínios.

Nos últimos oito anos, a LaLiga levou a cabo mais de 700 iniciativas e projetos na LaLiga EA Sports e na LaLiga Hypermotion, com o objetivo de travar o discurso de ódio, tendo como base a educação, a prevenção através de campanhas de sensibilização e a ação e denúncia de quaisquer incidentes.

Atualmente, a LaLiga não tem o poder de sancionar clubes, adeptos, treinadores ou jogadores por comportamentos de ódio, racismo, violência, etc. No entanto, utiliza todos os meios à sua disposição para pôr termo a este flagelo no futebol. Assim, desde a época 2015/2016, denuncia todos os atos de violência ocorridos dentro e fora dos estádios à Comissão Estatal contra a Violência, o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância no Desporto, bem como ao Comité de Competição da RFEF.

Além disso, desde os infelizes insultos racistas contra o jogador do Athletic Club Iñaki Williams, a LaLiga decidiu dar um passo em frente, recorrendo diretamente aos tribunais em casos de crimes de ódio, tal como definidos no Código Penal, quer através da Procuradoria do Ódio, dos Tribunais ou das Forças e Corpos de Segurança. Criou também um canal de denúncia para que qualquer adepto possa comunicar qualquer comportamento racista que observe dentro ou fora de um estádio.

As redes sociais também desempenham um papel fundamental na sociedade atual e, por esse motivo, com o lançamento na época passada da plataforma LaLiga VS, também se apostou na criação do MOOD, uma ferramenta independente de monitorização da conversa nas redes sociais sobre desporto em Espanha, que analisa as conversas para aumentar a visibilidade e a sensibilização. Trata-se de uma ferramenta baseada em inteligência artificial que analisa todas as plataformas para mostrar as métricas registadas todos os dias. Esta ferramenta é também utilizada pelo Ministério da Inclusão, Segurança Social e Migração, através do Observatório Espanhol do Racismo e da Xenofobia (Oberaxe).

 

 

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