Doenças no pomar causam prejuízos de 35 milhões aos produtores de pera rocha

Só nas últimas duas colheitas, o fogo bacteriano originou uma redução de 700 hectares na área de pomar e 35 milhões de euros de prejuízo na região do Oeste. Produtores pedem intervenção do Governo.

A produção de pera rocha está a ser fustigada por fungos e bactérias, o que está a provocar um grande impacto económico na zona do Oeste. A Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha (ANP) estima ao ECO que, só nas colheitas de 2023 e 2024, o fogo bacteriano originou uma redução de 700 hectares na área de pomar e 35 milhões de euros de prejuízo.

“O impacto económico decorrente do fogo bacteriano reflete-se na perda de capacidade produtiva e no aumento dos custos de produção, uma vez que a limpeza é manual e traduz-se numa maior necessidade de mão-de-obra”, explica a associação, referindo que a única forma de controlar o fogo bacteriano é arrancar as partes infetadas.

O cultivo de pera rocha tem apresentado um declínio os últimos anos face a condições climáticas adversas e a questões fitossanitárias, como o fogo bacteriano e a estenfiliose. Dados da ANP partilhados com o ECO mostram que a colheita de pera dos associados caiu de 216 mil toneladas em 2021 para 115 mil toneladas em 2024.

Apesar de a última colheita até ter representado um crescimento de 5,7% relativamente à de 2023, a associação recorda que esta foi a “segunda pior colheita da última década e o terceiro ano consecutivo com menos 50% de peras, muito abaixo do potencial produtivo”.

“Este fogo bacteriano já se regista desde 2011, mas teve mais impacto nos últimos três anos, que está muito relacionado com as condições meteorológicas propícias à proliferação da doença”, explica Filipe Ribeiro, líder da associação que representa cerca de 90% dos produtores e da produção de pera rocha em Portugal.

Localizada em Vale Canada, no concelho do Bombarral, a Casa Agrícola da Gafa, que fatura 2,5 milhões de euros e emprega cerca de 30 pessoas, é uma das empresas afetadas pelo fogo bacteriano. O acionista contabiliza no ano passado 17 toneladas de pera por hectare, quando devia ter produzido 35 toneladas. “Isto não dá para os custos, estamos em défice”, desabafa Vítor Fonseca, antecipando que este ano o cenário será igual. Os pomares de pera rocha da Casa Agrícola da Gafa estendem-se por cerca de 120 hectares.

No ano passado produzimos 17 toneladas de pera por hectare, quando devíamos ter produzido 35 toneladas. Isto não dá para os custos, estamos em défice.

Vítor Fonseca

Acionista da Casa Agrícola da Gafa

Também Luís Ferreira, associado da Cooperfrutas, uma organização que agrega 72 produtores, atesta que “de ano para ano o fogo bacteriano está a piorar, tendo em conta que a a incidência é maior”. “Ao arrancar as árvores infetadas estamos a perder património e produção”, lamenta.

Não tem dúvidas de que “os produtores de pera rocha estão a perder dinheiro” e acabam mesmo “por abandonar as terras”. “As pessoas vão ao supermercado e ficam chocadas com o preço da pera rocha rondar os 2,5 euros por quilo, mas esquecem-se de que este valor não chega sequer para pagar os elevados custos“, calcula Luís Ferreira.

A associação do setor associa as quebras na produção ao arranque de pomares, às alterações climáticas e à retirada de produtos fitossanitários que protegiam a produção de pragas e doenças. “Os produtos que usávamos para proteger os pomares foram retirados porque supostamente fazem mal ao ser humano — foram retirados em Portugal, mas não no Canadá, EUA e China”, lamenta o acionista da Casa Agrícola da Gafa. “Pelos vistos só faz mal aos seres humanos europeus”, ironiza Vítor Fonseca.

“A União Europeia importa produtos de outras origens que não têm a mesma exigência ao nível da produção que têm no mercado europeu, o que nos coloca numa grande desigualdade”, constata Filipe Ribeiro, líder da ANP. “Defendemos um mercado global, mas as regras têm de ser as mesmas, caso contrário é como estarmos a jogar contra uma equipa que não tem regras”, completa.

As pessoas vão ao supermercado e ficam chocadas com o preço da pera rocha rondar os 2,5 euros por quilo, mas esquecem-se de que este valor não chega sequer para pagar os elevados custos.

Luís Ferreira

Associado da Cooperfrutas

A Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha atesta que Portugal é o maior produtor de pera rocha na Europa, com 2.518 produtores e uma área de 11.297 hectares. O que significa que que a fileira da pera rocha tem uma forte componente económica e social na região Oeste, dando emprego direto a cerca de 40 mil trabalhadores.

Em 2024, os produtores nacionais de pera rocha exportaram cerca de 58 mil toneladas para 23 países, o que correspondeu a 85 milhões de euros. Brasil, Alemanha, Marrocos, Reino Unido, França e Espanha absorveram perto de 90% da produção.

Agricultores pedem intervenção do Governo

O fogo bacteriano tornou-se endémico e o controlo eficaz requer vigilância exaustiva e a deteção precoce de árvores doentes e a sua eliminação. Os agricultores queixam-se de que não existe fiscalização e pedem a intervenção do Executivo liderado por Luís Montenegro.

O presidente da Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha, Filipe Ribeiro, destaca que existe uma lei que “obriga” os produtores a fazerem intervenções no sentido da não propagação da doença, mas para isso “[é preciso[ que o Governo faça cumprir a lei”.

Vítor Fonseca, acionista da Casa Agrícola da Gafa, corrobora a ideia e pede que a lei seja cumprida, o que “passa por controlar os pomares em caso de fogo bacteriano”. “Isto está cada vez pior porque o Governo não faz nada. Já fomos à Assembleia da República, já tivemos reuniões com o Ministério da Agricultura, que mande para a Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). Uns empurram para os outros e está tudo igual”, lamenta o agricultor.

“O Governo devia ser mais proativo no caso dos vizinhos que não limpam os pomares em caso de fogo bacteriano”, acrescenta Luís Ferreira, sócio da Cooperfrutas, acrescentando que o Governo é a única instituição que tem o poder de obrigar os proprietários a intervir.

Vítor Fonseca, acionista da Casa Agrícola da Gafa, que pertence à empresa Ferreira da Silva, culpa também os vizinhos pelos estragos, uma vez que não existe controlo nos pomares afetados. “Estamos a ser afetados pelo fogo bacteriano e por vizinhos que estão a abandonar as terras porque não têm dinheiro para as tratar porque as produções têm sido baixas e acabam por afetar os terrenos ao lado”, lamenta. “Os grandes produtores cuidam das suas plantações, o problema são os vizinhos”, garante.

O acionista da Casa Agrícola da Gafa, que exporta 60% da produção essencialmente para Brasil, Alemanha, Inglaterra e Marrocos, exemplifica que “teve de alugar as terras do vizinho e arrancar as árvores todas que estavam infetadas pelo fogo bacteriano”. “Só assim consegui controlar o meu pomar, que estava a ser afetado. Se não for erradicado, vai alastrar-se para os pomares vizinhos”, conclui.

Oposição pressiona linha de crédito e taxas à importação

Em dezembro de 2021 foi publicada uma portaria que estabelecia medidas adicionais de proteção fitossanitária destinadas ao controlo, no território nacional, da bactéria Erwinia amylovora (que afeta uma grande variedade de espécies agrícolas entre elas as pereiras e as macieiras), e que contemplava medidas de contenção aplicáveis nas zonas contaminadas. No entanto, o Partido Socialista alega que “a aplicação prática, por motivos diversos, entre os quais a falta de capacidade de fiscalização pelos serviços oficiais, não tem tido a devida eficácia”.

Posto isto, 11 deputados do PS já apresentaram um projeto de resolução em que recomendam ao Executivo a adoção de medidas de combate ao fogo bacteriano e estenfiliose e de apoio financeiro aos produtores afetados por estas doenças, assim como um reforço dos meios da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) para ajudar no controlo da doença.

Os parlamentares pedem ainda que seja avaliada a “utilização de substâncias ativas, até agora não homologadas em Portugal, eficazes no combate ao fogo bacteriano; a criação de uma linha de crédito específica para apoiar a replantação em todo o território nacional dos pomares afetados; sistemas de monitorização fitossanitária rigorosos para a deteção precoce; e a promoção da formação técnica contínua para produtores e técnicos agrícolas.

Já o Chega, em perguntas enviadas ao Ministério da Agricultura em outubro, ainda sem resposta, questionou sobre os apoios que os agricultores podem esperar face às quebras de produção da pera do Oeste, “em alguns casos na ordem dos 50%”. O partido de André Ventura quer saber ainda porque não estabeleceu medidas que protejam a produção nacional, sugerindo aumentar as taxas de importação.

O ECO questionou igualmente o Ministério da Agricultura sobre esta matéria, mas não obteve resposta até à data da publicação deste artigo.

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