Fábricas nos EUA e aposta no Médio Oriente são soluções para aumento de tarifas

Empresas ainda esperam que negociação trave aumento das taxas aduaneiras prometido por Trump. Caso avancem, abertura de fábricas nos EUA e aposta em novos mercados são alternativas.

O Presidente dos EUA já afirmou que irá aumentar as taxas aduaneiras às importações da União Europeia, mas as empresas portuguesas ainda estão na expetativa sobre o que Trump irá, em concreto, decidir. Se as tarifas vierem, há três opções: diálogo com a União Europeia (UE) para que o aumento de taxas não avance, abrir fábricas nos EUA ou procurar mercados alternativos. As metalúrgicas já começam a olhar para o Médio Oriente.

O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, considera que o que sucedeu com o México e o Canadá esta semana, com o adiamento da aplicação das tarifas decretadas no sábado, mostra que “o diálogo negocial entre as partes é muito importante”. “É também essa estratégia de diálogo com os EUA que a Europa terá de fazer. Os diagnósticos sobre a competitividade da Europa, agora ainda mais ameaçada, já estão todos feitos e bem feitos. A Europa tem de passar à ação e muito rapidamente. A postura dos EUA pode ser uma importante alavanca para a UE passar, de imediato, à ação”, refere o responsável da AEP ao ECO.

A associação reconhece que os EUA são relevantes para Portugal, pois representam 7% das exportações nacionais de bens (2023), são o quarto maior cliente e o primeiro fora da União Europeia. Logo, a economia será penalizada. É por essa razão que a associação tem — e continuará a estar ativa no apoio à diversificação de mercados, sobretudo através do seu Programa Business On the Way, exemplifica o presidente.

O grupo nortenho do têxtil TMG, ao qual pertence a segunda maior fornecedora de materiais de interior para automóveis na Europa (TMG Automotive), está neste momento a construir uma fábrica nos EUA. O investimento – através de uma joint-venture com a The Haartz Corporation – está nos planos da empresa desde 2024, mas agora parece fazer mais sentido do que nunca.

A empresária Isabel Furtado, acionista e CEO da TMG Automotive, está na expectativa para perceber o que irá efetivamente acontecer às tarifas, mas garante que tem um plano B. “Vamos ver o que acontece. Ainda é muito cedo e tudo especulativo. Andamos no setor automóvel há 50 anos. Temos sempre uma forma de pensar e de estar diferente, com planos de contingência. Em tudo o que a TMG faz, pensa sempre num plano B”, responde, quando questionada sobre o mercado para onde exporta perto de 10% da produção que sai das duas unidades fabris portuguesas, em Guimarães e Famalicão.

Temos sempre uma forma de pensar e de estar diferente, com planos de contingência. Em tudo o que a TMG faz, pensa sempre num plano B.

Isabel Furtado

CEO da TMT Automotive

“Temos de estar sempre preparados, porque cada vez teremos mais incertezas, alterações mais profundas e frequentes. A única certeza que lhe posso dar é a incerteza. Seja qual for o setor, tem de se estar preparado para mudanças previstas ou imprevistas, como vimos com a guerra na Ucrânia ou a Covid-19″, recorda Isabel Furtado.

Para o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Mário Jorge Machado, é complicado criar planos de contingência numa indústria que tem ciclos de produção de vários meses. A solução encontrada já há alguns anos foi explorar outros mercados, como o Japão e a Coreia do Sul. O problema é que, entre os dez principais mercados para as exportações têxtil portuguesas em 2024, o norte-americano foi o único que registou um crescimento. As matérias de calçado e têxtil foram o oitavo produto mais vendido para os EUA até novembro, no valor de 134 milhões de euros.

Se estou preocupado? Estou, porque quando alguém começa a brincar com fogo, a probabilidade de correr mal é grande.

Mário Jorge Machado

Presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e Euratex

“Tem relevo, ainda que não represente 20 ou 25%. Nas guerras tarifárias – e aí tenho de concordar com os chineses – todos saem a perder, porque são prejudiciais para o bom funcionamento da economia e, no final, para os consumidores. Se estou preocupado? Estou, porque quando alguém começa a brincar com fogo, a probabilidade de correr mal é grande”, diz Mário Jorge Machado, que também preside a Euratex – Confederação da Indústria Têxtil e Vestuário Europeia. Ainda assim, considera que Donald Trump só quer “agitar as águas”. “Na maior parte destas situações existe alguma encenação, como com o México ou o Canadá. O livro de práticas de negociação que ele leu, para obter concessões noutras coisas, já todos lemos“, refere ao ECO, a partir da feira Milano Unica, em Itália.

Já as empresas da metalurgia têm duas opções: seguir o exemplo da Metalogalva (Trofa) e inaugurar uma fábrica nos EUA ou procurar alternativas que não navegam no Oceano Atlântico, mas no Índico. “Aquelas que têm mais condições até poderão acelerar os processos de internacionalização e de abertura de fábricas nos Estados Unidos. Quem não tem, a maioria, confronta-se com a necessidade de encontrar mercados alternativos, como o Médio Oriente, a Arábia Saudita e outros países do Golfo Pérsico”, prevê o vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Rafael Campos Pereira.

O caso da Metalogalva é particular, porque fatura mais de 75 milhões de euros. Aliás, a previsão para 2024 fixava-se nos 80 milhões de euros. Segundo Rafael Campos Pereira, quem tem capacidade financeira ter produção nos EUA é “um grupo muito limitado, apesar de nos Estados Unidos ser mais rápido abrir fábricas do que na Europa”.

“Lá não existe burocracia, mas apoio ao empreendedorismo e à criação de riqueza. Aqui há mais hostilidade aos investimentos. A UE pode agilizar os processos, reduzir os constrangimentos e os custos de contexto e apostar em tecnologia”, sugere o vice-presidente da AIMMAP.

Alertando que a escassez de mão-de-obra qualificada e o “inferno burocrático” são os maiores entraves da indústria, Rafael Campos Pereira considera que “os EUA, para o mal ou para o bem, continuam a acelerar, enquanto nós continuamos a regular, como isentar os nossos concorrentes do exterior da Europa e taxar as matérias-primas de que as nossas empresas precisam, nomeadamente o alumínio”.

O produtor vinícola João Portugal Ramos, CEO do grupo com o mesmo nome, exporta cerca de 5% dos seus vinhos para os Estados Unidos. Ao ECO, admite que ainda não tem um plano de contingência, mas teme as consequências. “Temos de ver o impacto que isto causa em termos percentuais e depois trocar impressões com os nossos importadores e, eventualmente, encontrar o melhor caminho possível dentro de um quadro que se afigura nada favorável. O que se pode fazer?”, afirmou o enólogo da empresa responsável por vinhos como Marquês de Borba, Conde Vimioso e Pouca Roupa.

Agroalimentar acredita no “bom senso” negocial

A Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA) está na expectativa, contudo acredita que o “bom senso nas relações comerciais entre a UE e os EUA irá prevalecer”, como sinalizou ao ECO. Em 2023, a indústria alimentar e das bebidas exportou para os EUA 711 milhões de euros, o que representou cerca de 9% do total das exportações.

O setor português do calçado confessou estar “apreensivo” com a potencial imposição de tarifas pelos EUA, embora garanta que não planeia “deixar cair” um mercado estratégico para onde quase duplicou as exportações em cinco anos, como adiantou o diretor de comunicação da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) à agência Lusa.

Contactadas pelo ECO, outras associações profissionais e empresas do setor agroalimentar e químico / farmacêutico, nas quais os EUA figuram entre os maiores destinos de exportação, recusaram comentar “especulações” de mercado, remetendo declarações para o momento em que houver uma ordem executiva concreta relacionada com a UE.

Esta semana arrancou com fortes desvalorizações bolsistas devido à guerra comercial. O presidente da maior economia do mundo anunciou a 1 de fevereiro a implementação de tarifas de 25% sobre os bens importados do Canadá e do México e de 10% da China, o que abalou os mercados financeiros. Porém, Donald Trump acabou por chegar a acordo tanto com o México como com o Canadá e atrasar por um mês a imposição de taxas aduaneiras adicionais sobre as importações norte-americanas desses países. O mesmo não ocorreu com a China, uma vez que as tarifas (10%) se tornaram efetivas e tiveram direito a retaliação de Pequim.

A China aplicou taxas de 15% sobre o carvão e o Gás Natural Liquefeito (GNL) e de 10% sobre o petróleo e o equipamento agrícola dos Estados Unidos e foi mais além: abriu uma investigação à Google por alegadas práticas anticoncorrenciais.

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