O que é que a tecnologia tem? O novo diamante do M&A português

Inteligência Artificial é o maior motor deste movimento, que deverá continuar ao longo de 2025. Metas são diversificar portefólio, ter mais clientes, entrar noutros países ou ganhar talento.

A tecnologia portuguesa entrou de rompante em 2025 com uma onda de fusões e aquisições de grande dimensão para o que é comum no país. Negócios de fora para dentro e de dentro para fora, como a compra da Claranet Portugal pela Nos ao grupo inglês por 152 milhões de euros, que irá certamente mexer nos rankings de M&A no arranque do ano.

Já no ano passado o setor da Internet, software e serviços de Tecnologia da Informação (TI) foi o segundo com mais negócios em Portugal: 70, o que catapultou a indústria do digital para o segundo lugar da tabela logo atrás do indestronável imobiliário (105 transações). Certo é que houve uma redução de 18% em termos homólogos, mas essa queda foi generalizada a todos os setores, no contexto da baixa no M&A.

A diferença é que agora há um ingrediente para adocicar esta receita: Inteligência Artificial (IA). “De acordo com uma pesquisa da Bain com mais de 300 profissionais de M&A em vários países, 21% estão atualmente a utilizar IA generativa durante os processos, um aumento de 16% em relação ao ano passado, e um em cada três antecipa estar a utilizá-la até ao final do ano. Embora atualmente esta tecnologia seja mais usualmente utilizada para encontrar e validar negócios, na Bain, estimamos que a IA generativa possa ser utilizada em todas as etapas de um processo de M&A nos próximos cinco anos”, antecipa Álvaro Pires, partner da consultora Bain & Company.

Diversificação de portefólio; expansão da base de clientes; entrada noutra geografia; acesso a conhecimento e talento; escala e estratégia são as seis principais razões para as tecnológicas seguirem este caminho de consolidação, segundo Paulo Morgado, ex-vice-presidente da Capgemini e sócio da Antas Cunha responsável pela área de Technology Transactions.

“As empresas, através de aquisições, tentam rapidamente diversificar a sua oferta. Ou seja, estão em setores que podem ser considerados mais commodity e de maior concorrência e acabam por adquirir empresas com ofertas relativamente desenvolvidas em áreas como IA e cibersegurança e poupam recursos no desenvolvimento de novos produtos”, afirma Paulo Morgado.

O especialista em M&A na tecnologia destaca que a fusão tende a diluir os custos de estrutura e indiretos (marketing, questões jurídicas, investigação e desenvolvimento), porque “quanto maior é a escala de uma empresa mais competitiva se torna”. Comprar para assim se internacionalizar também diminui o tempo e custos de entrada”, esclarece.

Os maiores negócios de 2024

A consultora PwC fez a due diligence de um desses casos de aquisição para expandir além-fronteiras: o da Boost IT e da Hexis Technology Hub pela dinamarquesa Emagine. Ao ECO, o diretor de Corporate Finance Advisory da PwC Portugal constata que o setor tecnológico tem sido um dos mais ativos nos últimos anos, inclusive em serviços de TI, outsourcing e nearshoring.

Portugal é um mercado muito apetecível pela pool de talentos altamente qualificados, custos laborais competitivos, empresas com competências robustas e localização geográfica, bem como ao nível de empresas mais inovadoras, focadas no desenvolvimento de software. A nossa expectativa é que este dinamismo se mantenha em resultado da contínua tendência de consolidação por partes de grandes players europeus, em especial os franceses e nórdicos”, afiança José Melo Guimarães.

Portugal é um mercado muito apetecível pela ‘pool’ de talentos altamente qualificados, custos laborais competitivos, empresas com competências robustas e localização geográfica e inovação das empresas

Paulo Morgado

Sócio da Antas da Cunha Ecija

Na opinião de Paulo Morgado, a lógica governamental também tem influência no M&A, porque aumenta a soberania tecnológica dos países. “Aqui em Espanha assistimos à compra de 10% da Telefónica pelo Estado, que a partir daí equaciona poder fazer uma concentração de outras empresas de tecnologia. Por outro lado, se associarmos o que se passou na semana passada, com os mercados a afundar por causa da chinesa DeepSeek e as suas soluções mais eficientes de IA, às declarações de Donald Trump com avisos às empresas americanas para se posicionarem na linha da frente e a uma certa inação – e estou a ser simpático – na Europa, vemos o efeito que estas empresas têm no poder dos países”, exemplifica o antigo CEO da Capgemini, defendo a criação de uma estratégia (cluster) para o TI como houve com a Autoeuropa, no automóvel.

Capital de risco explica crescimento

“É um setor que tem tido muito dinamismo, beneficiando também do facto de haver muitos deals [negócios] de levantamento de capital. Há negócios – a maioria ou pelo menos uma grande parte – que contam para essas listas que são rondas de VC [venture capital] para capitalização de empresas. É uma característica particular deste setor”, explica Pedro Brás da Silva, partner da Deloitte Portugal especializado em Tecnologia, Media e Telecomunicações.

De facto, apesar de o mercado transacional como um todo ter registado quedas tanto em número de operações como em valor, em 2024 registaram-se 70 transações de capital privado (private equity) num total de 3,5 mil milhões de euros – mais 56% do que em 2023 – e 122 rondas de investimento de capital de risco (venture capital) acumulando 886 milhões de euros, o que representa um crescimento também a dois dígitos (+55%) no montante investido. “No sentido de fusão ou de intervenção estratégica de negócio diria que são menos de 20% das operações”, acrescenta Pedro Brás da Silva em declarações ao ECO.

O sócio da Deloitte Portugal recorda que ao pico do M&A no pós-pandemia, por volta de 2021-2022, se seguiram quedas motivadas por fatores geopolíticos, como a guerra na Ucrânia, e a inflação elevada. “Não é que as entidades não estivessem dispostas a fazer as operações, havia essa disposição. Simplesmente existia uma diferença de expectativas de valores e adiamentos”, diz o partner da área de Financial Advisory (Assessoria Financeira) na Deloitte Portugal.

Em 2024, assistiu-se a um renascimento deste género de operações e este ano a expectativa é que se mantenha. Aliás, sete dias antes da ida às compras da Nos, a portuguesa PHC Software, até então liderada pelo empresário Ricardo Parreira e com sede no Taguspark, rendeu-se à segunda investida da francesa Cegid, grupo europeu de programas cloud para gestão de finanças, recursos humanos e retalho das empresas, depois de uma primeira tentativa de aquisição em 2022. “Entretanto, vimos uma retoma e agora há estabilidade. Não diria que é uma grande exuberância no número de ações, apesar das compras da PHC pela Cegid e Claranet pela NOS. Essas acabam por ter relevância”, admite Pedro Brás da Silva.

Mais relevância teve ainda a compra da Vision-Box, que faz controlo de fronteiras online com biometria, pela gigante Amadeus, por 320 milhões de euros. O valor pago foi mais do dobro do negócio Nos/Claranet e foi suficiente para mover os ponteiros do M&A no setor.

Para evitar que negócios destes escorreguem, José Melo Guimarães, diretor de Corporate Finance Advisory na PwC, deixa um conselho: “É fundamental que os empresários do setor se preparem para o processo de venda de forma a evitar o aparecimento de contingências durante os processos de análise dos compradores, que resultam frequentemente em ajustamentos significativos na valorização atribuída e a consequente ruptura na negociação”, alertando para o “elevado” número de transações que acaba por não se concretizar por impreparação das empresas, que estão em crescimento acelerado.

É fundamental que os empresários se preparem para o processo de venda de forma a evitar contingências durante a análise dos compradores que pode levar a ajustes de preços ou rutura

José Melo Guimarães

Diretor de Corporate Finance Advisory - M&A na PwC

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