Tarifas de Trump ‘ceifam’ produtores de milho em Portugal
Guerra comercial entre EUA, México e China já está a provocar “instabilidade e volatilidade” nos mercados. Aumenta a pressão para Portugal reforçar autoaprovisionamento no milho, que é de apenas 25%.
A imposição de tarifas aduaneiras por parte da nova administração americana, liderada por Donald Trump, é uma nova ameaça para o negócio dos produtores de milho em Portugal, que falam num “fator potenciador de enorme instabilidade e volatilidade nos mercados mundiais de commodities agrícolas” e que reforça a urgência de “implementar todos os mecanismos que possam contribuir para o reforço do grau de autoaprovisionamento” do país.
Portugal tem um grau de autoaprovisionamento em milho de cerca de 25%, o que coloca o país entre os Estados-membros da União Europeia mais desprotegidos – só os Países Baixos, Chipre e Malta têm uma percentagem inferior. E igualmente “face à situação geopolítica que se vive em certas latitudes, algumas das quais na fronteira do espaço europeu”, como é o caso da guerra na Ucrânia, o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS) alerta que é “extremamente perigosa esta excessiva exposição face ao exterior”.
Em declarações ao ECO, Jorge Neves dá o exemplo do México, que é o maior importador de milho a nível mundial e que até agora supria a totalidade das suas necessidades dos EUA, podendo esta guerra tarifária entre ambos levar os mexicanos a deslocar as aquisições para o Brasil. “Esta possível alteração radical de compras criará necessariamente um excesso de procura que, numa primeira fase, afetará todos os clientes já habituais do Brasil, entre os quais Portugal e Espanha”, detalha.
Estas violentas alterações dos fluxos comerciais trarão, inevitavelmente, instabilidade e volatilidade aos mercados no curto prazo.
Situação idêntica deverá acontecer com a subida das tarifas aduaneiras impostas à China pelo republicano que sucedeu a Joe Biden na Casa Branca. Agravado pelo facto de a gigante economia asiática ser a maior importadora mundial de soja. Atento a estas movimentações, o porta-voz do setor descreve que “neste momento, como precaução e reação a decisões unilaterais dos EUA, a China já desviou importantes aquisições de soja para o Brasil”.
“Estas violentas alterações dos fluxos comerciais trarão, inevitavelmente, instabilidade e volatilidade aos mercados no curto prazo (…). É tudo o que qualquer produtor agrícola, incluindo os produtores de milho portugueses, não necessita”, resume o líder da ANPROMIS, que esta terça-feira organiza na Figueira da Foz o 12.º Colóquio Nacional do Milho, em que é aguardada a participação de perto de 600 agricultores e técnicos de todo o país.
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Segundo dados do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), em 2024, a área de milho declarada em Portugal voltou a cair 4,7%, para os 100.125 hectares. Uma regressão pressionada pela redução do preço desta commodity no mercado mundial, pela diminuição do nível das ajudas comunitárias, pelos prejuízos causados pela sobrepopulação de javalis – transversal em todo o país, mas com maior impacto económico nas pequenas explorações do Norte e Centro – e pela migração para as culturas permanentes como o olival e o amendoal, “mais remuneradoras face ao investimento”, sobretudo no Ribatejo e no Alentejo.
No que toca ao volume de produção, a estimativa das 11 organizações de produtores associadas da ANPROMIS aponta para cerca de 282 mil toneladas de milho na última campanha, abaixo das 309 mil toneladas comercializadas em 2023. Além da menor área semeada, Jorge Neves atribui esta descida às quebras de produtividade relacionadas com um “ano climático pouco favorável” e à “crescente redução das substâncias ativas que se encontram à disposição dos produtores europeus” e que fazem com que algumas pragas e doenças, como a cigarrinha do milho e o alfinete, “penalizem seriamente certas regiões”.
“+Cereais” mexe no rendimento dos produtores?
Portugal conta atualmente com cerca de 48.500 produtores de milho, sobretudo explorações familiares que passam de geração em geração. Na região Norte predominam áreas de menor dimensão e maioritariamente especializadas na produção de milho para silagem, que constitui a base da alimentação das vacas das explorações leiteiras – e que é também o foco da atividade nos 13 mil hectares nos Açores.
Já na Beira Litoral, no Ribatejo e no Alentejo, onde a dimensão média é superior, as explorações destinam-se sobretudo à produção de milho grão para alimentação humana e animal.
A produção de milho em Portugal está distribuída pouco por todo o país e, segundo dados facultados pela ANPROMIS, é “destacadamente” a principal cultura arvense, ocupando quase 40% da área nacional dedicada a estas culturas, que incluem os cereais, as oleaginosas, o arroz ou as leguminosas para grão. Os três distritos continentais com maior área de milho são Santarém, Braga e Porto. Já em termos concelhios, o pódio é ocupado por Barcelos, Vila do Conde e Golegã.
“É importante sobretudo que não haja um decréscimo das áreas de produção e, para isso, muito contribuirá a forma como o Governo também olhar para esta cultura definindo o quão importante é para a economia e soberania alimentar do país. É fundamental reduzir a dependência de mercados externos e da instabilidade geopolítica”, insiste o responsável do setor, que está a colaborar no desenvolvimento da estratégia “+Cereais” com o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP), tutelado pelos Ministérios da Agricultura e da Coesão Territorial.
Esse plano, que será “conhecido em breve”, incluirá medidas para “melhorar o rendimento dos produtores nacionais, sob pena da nossa exposição face ao exterior aumentar ainda mais”. “Aumentar o valor dos pagamentos ligados para o milho grão e para o milho silagem constitui um passo fulcral, pois vai permitir que o Governo dê um claro sinal da importância que esta cultura tem para o nosso país, tanto do ponto de vista do nosso autoaprovisionamento em cereais, como também na ocupação do nosso território”, completa Jorge Neves.
Na exportação, os produtores portugueses têm apenas um “limitado número de negócios com Espanha” no segmento do milho para a alimentação humana (gritz).
Por outro lado, se a fileira do milho está a enfrentar “desafios significativos” como a volatilidade dos preços, a incerteza climática, a pressão por práticas agrícolas mais ecológicas ou a já referida saída de substâncias ativas “determinantes” para a competitividade técnica e económica, os produtores nacionais asseguram estar a “incorporar cada vez mais inovações tecnológicas e práticas de sustentabilidade que a tornam mais competitiva”. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a produtividade por hectare mais do que duplicou desde 2005.
Questionado sobre a capacidade exportadora dos produtores portugueses, o presidente da ANPROMIS reconhece que apenas existe um “limitado número de negócios com Espanha” no milho para a alimentação humana (gritz). Precisamente um segmento de “produtos com mais qualidade e para novos mercados” que Jorge Neves destaca como tendo maior potencial para os produtores nacionais em resposta à “conjuntura atual [que] exige cada vez mais uma adaptação constante”.
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