Montenegro omite nomes de clientes e negócios em assessoria jurídica
O primeiro-ministro referiu que a empresa da sua família tem atividade na área proteção de dados e marketing mas não divulgou a lista dos clientes. Ficou por responder se prestou assessoria jurídica.
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, não quis divulgar os nomes dos clientes da sua empresa familiar Spinumviva nem esclareceu se prestou assessoria jurídica, durante o debate parlamentar desta sexta-feira sobre a moção de censura apresentada pelo Chega, que acabou rejeitada.
No entanto, negou qualquer atividade no ramo do imobiliário, afastando, assim, um eventual conflito de interesses com a nova lei dos solos, que vai permitir que prédios rústicos sejam transformados em urbanizáveis, facilitando a construção. A proposta de lei ainda está em discussão na Assembleia da República.
Luís Montenegro preferiu não mencionar os nomes dos clientes em nome do sigilo contratual e da “relação de amizade” que tem com os acionistas. Mas, ao Correio da Manhã, já tinha adiantado que tinha prestado serviços ao grupo de comunicação social que detém aquele título e acabou por anuir com cabeça, em resposta ao PS, que celebrou contratos com o grupo Solverde, com sede em Espinho, terra natural do chefe do Executivo.
E listou as atividades que têm sido desempenhadas pela empresa, que criou quando estava fora da política: “Definição e implementação de boas práticas no tratamento de dados, regras de recolha e conservação de dados, códigos de conduta, ações de formação, atividade de marketing, controlo na área de recursos humano, da segurança e higiene no trabalho, e seguros de saúde”.
“É despropositado chamar a isto uma empresa imobiliária, é um tiro ao lado. Deter direta ou indiretamente gera conflito de interesses? É um absurdo. A sociedade não tem qualquer imóvel, os imóveis que eu tenho não têm enquadramento nas alterações legais da lei dos solos”, defendeu.
A este respeito referiu ainda que “a detenção de participações em sociedades imobiliárias não tem relação direta com a lei dos solos”. “O que é que esta sociedade pode fazer? Pode comprar e vender que é o que todos os deputados podem fazer”, atirou.
Para além disso, anotou que a lei dos solos, cuja alteração está em apreciação no Parlamento, “diz que, para os terrenos passarem de rústicos a urbanos, é preciso haver decisão municipal e tem de haver contiguidade com o edificado”.
“Onde tenho os terrenos em Rabal [em Bragança] ou Barrô [em Águeda] é impossível aplicar a lei dos solos”, vincou.
Montenegro elencou os resultados brutos e líquidos da Spinumviva desde a sua criação: “Em 2021, teve 67 mil euros brutos e 18 mil euros líquidos; em 2022, teve 415 mil brutos e 240 mil líquidos; em 2023, faturou 235 mil euros brutos e 85 mil euros líquidos; e as estimativas para 2024 são de 179 mil euros brutos e 23 mil euros líquidos”.
O pico de faturação em 2022 e 2023 “explica-se pela conjugação de dois fatores”, referiu. Assim, “em 2022, ainda antes da presidência do PSD”, Montenegro revelou que fechou e apresentou “a conta final do valor devido pela prestação de serviços de reestruturação de uma empresa familiar de comércio combustíveis que envolveu consultadoria de gestão, planeamento estratégico, apoio e formalização das respetivas operações de arrendamento e fornecimento de combustíveis”.
“Este trabalho”, acrescentou, “demorou mais de dois anos e foi responsável por sensivelmente metade do volume de negócios de 2022”.
O chefe do Executivo esclareceu que 2022 e 2023 “foram também os anos com maior incidência de auditorias na área de proteção de dados a clientes pontuais que se queriam adaptar ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados adaptar (RGPD)”, como foi “o caso de um grupo de comunicação social, uma fábrica de equipamentos industriais e uma empresa de transporte de mercadorias”.
O grupo de comunicação social é Cofina, agora designado de Media Livre, que detém o Correio da Manhã, tal como já tinha adiantado ao mesmo jornal.
Já em relação às “empresas âncora e com necessidade de acompanhamento permanente” por parte da Spinumviva, o primeiro-ministro elencou os seguintes clientes, mas sem mencionar nomes: “Uma empresa de retalho com 2.000 funcionários com lojas físicas e online; uma empresa que gere unidades hoteleiras e um negocio físico e online com cerca de 500 mil clientes e 1.200 funcionários; um estabelecimento de ensino privado sem contrato com o Estado com mais de 1.200 alunos; um grupo de farmácias; um grupo industrial no ramo do aço com centenas de fornecedores e cliente”.
O líder do PS, Pedro Nuno Santos, questionou o primeiro-ministro se a sociedade prestou serviços ao grupo Solverde de hotéis e casinos, com sede Espinho, do distrito de Aveiro, conselho donde é natural Luís Montenegro, e o chefe do Executivo consentiu com a cabeça.
No entanto, aquando da resposta às questões, o primeiro-ministro explicou porque não pode e não deve divulgar o nome do cliente: “Sou amigo pessoal dos acionistas dessa empresa, impondo-me a mim mesmo restrições e assim farei”.
Quanto ao destino dos lucros, que não têm sido distribuídos, “por decisão do fundador da empresa”, ou seja, do próprio Montenegro, e “não havendo necessidades financeiras dos sócios” – filhos e mulher –, “os lucros estão totalmente destinados ao investimento”.
“E temos dois objetivos: a eventual construção de uma adega e unidade turística no Douro e um investimento numa startup tecnológica”, indicou.
Sobre a transmissão da sua quota à mulher, Montenegro afirmou que “é perfeitamente legal”. De salientar que, aos olhos da lei, o primeiro-ministro continua a ser dono da sociedade uma vez que é casado em regime de comunhão de bens. Sobre esta matéria, o chefe do Executivo foi taxativo: “Nada me impede de deter participações sociais. Na minha declaração à Entidade para a Transparência dou conta da cotitularidade por força do nosso regime de casamento”, sublinha.
Questionado pelo líder e deputado do Chega, André Ventura, sobre a razão de ainda constar o telefone do primeiro-ministro nos dados da Spinumviva, Montenegro atirou: “O telefone é o meu porque é o que consta do registo inicial”.
Três perguntas do PS que ficaram por responder
Por responder ficaram dúvidas, lançadas pela líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, sobre se a Spinumviva prestou “serviços jurídicos de consultoria em matéria de proteção de dados por uma sociedade que não tem esse objeto, ao arrepio da lei dos atos próprios dos advogados vigente à data da prática dos atos”.
Leitão questionou, já perto do final do debate, se Montenegro estava “em condições de esclarecer sobre o cumprimento das obrigações declarativas, que aprovou o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que determina que ‘a declaração também deve incluir os atos e atividades suscetíveis de gerar incompatibilidades e impedimentos, que compreende a identificação dos atos que geram, direta ou indiretamente, pagamentos, incluindo identificação das pessoas coletivas públicas e privadas a quem foram prestados os serviços'”.
Por fim, o PS perguntou se primeiro-ministro podia afirmar que cumpriu com as obrigações declarativas, “designadamente no quadro do regime jurídico de transparência fiscal que se aplica às sociedades profissionais de advogados, tendo em conta que que há sinais de ter ocorrido a prática de atos de consultoria jurídica”.
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