Tarifas americanas nos medicamentos ‘adoecem’ exportações de 1,2 mil milhões

Farmacêutica exportou cerca de 1,2 mil milhões para os EUA em 2024. Empresas e associações do setor admitem "repercussões a vários níveis", inclusive preços mais altos para os doentes.

O anúncio de tarifas de 25% às importações de medicamentos está a deixar a indústria em alerta. Empresários portugueses consideram que a medida vai disparar os custos dos componentes e matérias-primas e prejudicar as exportações. Por outro lado, há quem defenda que quem vai pagar o preço final são os doentes.

A Associação de Grossistas de Produtos Químicos e Farmacêuticos (Groquifar) não tem dúvidas de que a eventual implementação de uma tarifa de 25% sobre os medicamentos por parte dos Estados Unidos (EUA) representa um “desafio significativo para o setor, com potenciais repercussões a vários níveis”.

A empresa portuguesa Quilaban, que faz armazenamento e distribuição de medicamentos através de acordos com farmacêuticas, prevê que a subida de tarifas para o setor resulte num aumento dos custos dos componentes e matérias-primas quer devido ao efeito direto da política aduaneira quer pelo aumento da procura interna.

“Esta circunstância terá inevitáveis repercussões sobre os nossos preços de custo dos equipamentos e produtos provenientes desse mercado”, refere ao ECO o líder da Quilaban. “Além do impacto sobre a nossa competitividade, face a soluções com proveniência de outros mercados, terá também um efeito económico adverso, sobretudo pela menor elasticidade dos preços de venda que, para o negócio no segmento público, estão sujeitos a maior rigidez por via da fixação em sede de concursos públicos”, afiança Sérgio Luciano.

Esta circunstância terá inevitáveis repercussões sobre os nossos preços de custo dos equipamentos e produtos provenientes desse mercado.

Sérgio Luciano

CEO da Quilaban

“O impacto, para nós, será negativo“, afirma taxativo o CEO da Quilaban, empresa que pertence ao grupo Augma, a holding que agrega os negócios de João Cordeiro, fundador e ex-presidente da ANF, no setor da saúde.

A secretária executiva da Groquifar corrobora a avaliação e considera que esta medida “poderá traduzir-se em custos acrescidos e margens mais reduzidas” para as empresas portuguesas que exportam medicamentos ou matérias-primas para os EUA. “O aumento das tarifas poderá reduzir a competitividade das empresas do setor, ao encarecer os produtos e potencialmente desviar a procura para fornecedores de outras regiões”, defende Catarina Barreiros,a o ECO.

O aumento das tarifas poderá reduzir a competitividade das empresas do setor, ao encarecer os produtos e potencialmente desviar a procura para fornecedores de outras regiões.

Catarina Barreiros

Secretária executiva da Groquifar

Sérgio Luciano considera que, para a indústria farmacêutica em Portugal e na Europa, a medida parece “muito desfavorável e contrária” aos interesses nacionais e europeus. “Reduzirá a competitividade dos preços de venda (ainda que possa ser marginalmente compensada pela apreciação do dólar face ao euro), levando a uma redução dos volumes transacionados”, defende.

No caso da Quilaban, não exporta para os EUA, mas importa significativamente do país (mais de 30% do volume de negócios global), particularmente equipamentos e consumíveis de diagnóstico para análises clínicas e para sequenciação genética.

O CEO da farmacêutica Jaba Recordati antevê um impacto “médio” na generalidade do setor e um efeito “severo” para uma categoria específica da indústria: os fabricantes dos ingredientes principais de um medicamento (chamados API – Active Pharmaceutical Ingredient ou Ingrediente Farmacêutico Ativo).

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Nelson Pires, CEO da farmacêutica Jaba RecordatiHugo Amaral/ECO

“Nas exportações do Ingrediente Farmacêutico Ativo – a farinha para produzir os medicamentos – e de alguns produtos acabados, que têm concorrentes com fábricas nos Estados Unidos, o que não é o caso dos antibióticos, vai ser muito difícil”, reconhece Nelson Ferreira Pires.

No caso da Recordati, antevê consequências “mínimas”, porque o que a multinacional vende para os EUA são medicamentos para doenças raras, para os quais não existe alternativa no mercado. “Não existe substituto nos EUA para os nossos medicamentos, que são para pessoas que se não os tomarem morrem”, alerta.

Segundo o CEO da farmacêutica Jaba Recordati, o mercado europeu é mais apetecível para as empresas norte-americanas do que ao contrário por causa da inovação exportada pela maior economia do mundo. “A inovação, infelizmente, está mais concentrada do lado de lá. Os EUA são um mercado apetecível pela dimensão, preço e por uma questão regulamentar de aprovação muito rápida”, diz o gestor do grupo italiano Recordati que apresentou esta semana lucros de 416,5 milhões de euros em 2024, o que representa um aumento de 7% em relação ao ano anterior.

Tarifa de 25% sobre os medicamentos vai ter impacto nas exportações

O ano passado, a indústria farmacêutica exportou cerca de 1,2 mil milhões de euros de para os Estados Unidos, o que significa mais de 20% do total das exportações do setor.

A Associação de Grossistas de Produtos Químicos e Farmacêuticos (Groquifar) conta ao ECO que a eventual implementação de uma tarifa de 25% sobre os medicamentos vai ter “impacto nas exportações europeias e portuguesas, uma vez que os Estados Unidos são um dos maiores mercados para a indústria farmacêutica europeia”.

Para a Groquifar, caso a tarifa afete significativamente a rentabilidade das exportações, “algumas empresas poderão ter de compensar essas perdas através do aumento de preços noutros mercados, incluindo na Europa e em Portugal, o que poderá ter consequências para os sistemas de saúde e para os consumidores finais”, realça a secretária executiva da Associação dos Grossistas de Produtos Químicos e Farmacêuticos.

Por outro lado, a presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF) “não antecipa uma diminuição das exportações”, embora considere que “haverá certamente uma contenção em termos de procura” se existirem alternativas nos Estados Unidos.

Ema Paulino, presidente da Associação Nacional das Farmácias (ANF)

 

A presidente da ANF salvaguarda que o impacto das novas taxas aduaneiras vai depender como as tarifas serão aplicadas. “Os efeitos concretos deste anúncio de Donald Trump só serão conhecidos quando se souber que alternativas esse mercado tem tanto em termos de medicamentos como de outros produtos farmacêuticos ou substâncias ativas para produção de fármacos”, diz.

Perante este cenário de instabilidade, o ministro dos Assuntos Parlamentares assegura que os Estados Unidos são um parceiro “fundamental” para Portugal e o Governo português está empenhado em manter “uma relação que não pode depender de mudanças circunstanciais”, defendeu Pedro Duarte.

Para o ministro dos Assuntos Parlamentares, é importante que todos os governos mantenham “cabeça fria” neste momento de “enorme incerteza”, resistindo a tomar decisões por impulso.

Conta final “será entregue aos doentes”

Independentemente das tarifas, o líder da Jaba Recordati considera que os “EUA terão de continuar a comprar à Europa e, a conta final, será entregue aos doentes ou aos sistemas de saúde que o protegem, como seguradoras, até porque a cadeia de abastecimento norte-americana não terá capacidade para produzir esta dimensão de fármacos ou adaptar-se até ao dia 2 de abril”, defende Nelson Ferreira Pires. É a data estimada por Donald Trump para o arranque das taxas.

EUA terão de continuar a comprar à Europa e, a conta final, será entregue aos doentes ou aos sistemas de saúde que o protegem, como seguradoras, até porque a cadeia de abastecimento norte-americana não terá capacidade para produzir esta dimensão de fármacos.

Nelson Ferreira Pires

CEO da farmacêutica Jaba Recordati

“Nos medicamentos mais generalistas, há algumas classes que os EUA não vão conseguir substituir de imediato, e quem acabará por pagar o preço é o doente. Ou então seria uma catástrofe de saúde pública. As fábricas de antibióticos nos EUA quase desapareceram e para as construir demoram, no mínimo, um ano e meio”, explicou o gestor, que também é presidente do conselho de administração Fundação Marquês de Pombal.

Uma opinião partilhada pela presidente da ANF, que garante que esta medida “vai impactar o consumidor norte-americano, porque será ele a pagar esses aumentos das tarifas”, tendo em conta que as empresas acabarão por passar para o preço final do produto”.

União Europeia deve lutar pela autossuficiência

A representante das farmácias portuguesas, onde o impacto destas medidas será a nível indireto, afirma que a “União Europeia (UE) tem de se esforçar mais pela sua soberania na área dos medicamentos, mesmo que não retalie com tarifas.

“Acho que a União Europeia deveria trabalhar, cada vez mais, no sentido de também aumentar a independência face a mercados externos“, afirma a presidente da Associação Nacional das Farmácias em declarações ao ECO, apesar de defender que ” o ideal é vivermos num mundo com livre movimentação de bens e serviços, que beneficia a população”.

No entanto, reitera que a Europa deve “lutar mais pela autossuficiência” tendo em conta que “existem países, como os EUA, que adotam este tipo de de posições sem pudor de falar primeiro com os parceiros”, afirma Ema Paulino.

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