“Applus pode libertar o potencial da Riportico”

  • ECO
  • 6 Junho 2025

Ricardo Campos transformou uma start-up criada há 20 anos para o seu próprio posto de trabalho numa empresa com mais de 200 engenheiros e explica porque decidiu vendê-la agora.

Ricardo Campos: ” Um dos dramas da economia portuguesa é termos demasiadas micro e pequenas empresas, sem escala e com dificuldade em subir na cadeia de valor”.

A Riportico Engenharia, uma das maiores empresas de engenharia de infraestruturas em Portugal, seguirá agora o seu caminho sem o seu fundador e CEO, Ricardo Campos. A empresa foi adquirida em janeiro de 2023 por um dos maiores grupos mundiais de consultoria técnica — o grupo espanhol Applus+ presente em mais de 70 países e com mais de 25 mil colaboradores, e que foi, em outubro de 2024, adquirida pela Amber EquityCo.

Após mais de duas décadas à frente da empresa, Ricardo Campos transformou uma start-up criada para o seu próprio posto de trabalho numa organização de referência, com mais de 200 engenheiros. Com a saída formal no final deste mês de Maio, o ECO entrevistou o engenheiro civil e gestor que, a par de uma cidadania ativa na ação climática, construiu um projeto empresarial reconhecido pelo mercado.

Em 2023, a Riportico vivia os seus melhores anos quando foi vendida. O que o levou a avançar com a venda nesse momento?

Por dois motivos. O primeiro era racional, a Riportico tinha como objetivo tornar-se uma grande consultora de engenharia de infraestruturas com impacto internacional, e só o conseguiria se entrassem novos acionistas com know-how, network e investimento. A segunda razão era pessoal, ou se quiser, mais emocional: eu e a minha mulher éramos os únicos acionistas da empresa, e ambos queríamos mais tempo na nossa vida profissional para abraçar outros projetos. Para isso acontecer, a empresa teria de tornar-se menos dependente de nós, e a melhor forma de o garantir era deixar entrar novos acionistas ou integrar uma grande multinacional que viabilizasse esse caminho de crescimento.

Vender um projeto ao qual dedicou praticamente vinte anos da sua vida não terá sido uma decisão difícil do ponto de vista emocional?

É sempre doloroso, porque a empresa faz também parte da tua identidade, torna-se também naquilo que és. Não é emocionalmente neutro, mas também não é caso para luto. Será mais ou menos como um filho que, quando chega ao chegar aos dezoito anos, sai de casa e vai para a Universidade. A vida pertence-lhe. A venda foi esse momento, o momento em que o filho saiu de casa para continuar o seu percurso embora com desafios e dificuldades de todo inesperadas. Não foi uma decisão tática para aproveitar o momento, tinha chegado a hora de dar esse passo. Começámos a conversar com a Euronext sobre uma possível entrada em bolsa, depois com a Deloitte e os advogados da PRA, procurámos investidores com o suporte técnico e legal adequados. Durante esse processo surgiu a Applus, com uma proposta que decidimos aceitar.

Durante o processo equacionou abrir o capital em bolsa. Em Portugal esse é ainda um caminho raro. O que o fez optar por um comprador estratégico e não pela dispersão de capital?

A Euronext é extremamente disponível e organiza várias sessões de informação com regularidade, e há cada vez mais capital disponível, poderia ter sido uma opção, mas na altura optámos por outro caminho. A Applus, sendo uma das maiores empresas de consultoria do mundo, pareceu-nos que seria uma excelente opção para libertar o grande potencial da Riportico, e automaticamente, nos permitiria aproveitar as oportunidades do mercado aqui ao lado em Espanha.

A integração num grupo como a Applus visava abrir novos mercados à Riportico. O que esperava dessa entrada num grupo multinacional?

Aceder a projetos de maior escala, mais desafiantes para os técnicos, e continuar o crescimento. Muitas empresas deviam também pensar nesse passo. Um dos dramas da economia portuguesa é termos demasiadas micro e pequenas empresas, sem escala e com dificuldade em subir na cadeia de valor ou produzir em quantidade para competir nos mercados internacionais.

um dos dramas da economia portuguesa é termos demasiadas micro e pequenas empresas, sem escala e com dificuldade em subir na escala de valor ou produzir em quantidade para competir nos mercados internacionais

A falta de escala continua a ser um dos principais bloqueios ao crescimento de muitas empresas portuguesas?

Sem dúvida. Devia haver um estímulo, até ao nível dos CAE, para encorajar fusões ou a abertura do capital a parceiros estratégicos que tragam ferramentas de gestão e investimento para uma maior capacidade de escalar. Temos de nos libertar das razões históricas que incentivaram os negócios familiares e libertar o potencial que existe. Os países da frente da Europa têm todos grandes marcas mundiais, nós temos felizmente o turismo mas em potencial temos muito mais. O setor têxtil é um bom exemplo: temos empresas que produzem para marcas globais, mas ainda não temos uma Zara ou uma Nike portuguesas.

Na sua opinião o que é que pode contribuir mais para o sucesso de um projeto empresarial?

São vários fatores ao mesmo tempo, mas o mais importante é a cultura. A cultura é como um bulldozer, tem muita força e leva tudo à frente. Sempre vi uma empresa como um organismo vivo, tal como nós tem os seus órgãos vitais, como liderança, pessoas, produto, contas, estratégia. Se um falha, o todo sofre. A liderança é o cérebro – define a cultura e o ambiente. Para mim foi um laboratório onde aprendi muito sobre a natureza humana. Empresas construídas apenas sobre o interesse individual acabam por ser capturadas por lógicas de conveniência. As organizações com futuro são as que mobilizam as pessoas pela importância do que fazem, e não pelo medo de perderem o emprego.

Na sua trajetória, qual foi a fase mais marcante – a do crescimento inicial, ou esta última, já em integração?

Todas foram marcantes. Eu costumo brincar que tenho o currículo mais pobre de Portugal: uma linha só – CEO da Riportico, de 2004 a 2025. Mas a verdade é que essa linha cobre muitas fases que vivi na Riportico, a de nano-empresa onde estava sozinho depois de ter criado o meu próprio posto de trabalho onde eu era o comercial, o engenheiro, o financeiro e o diretor de recursos humanos; depois de micro empresa, pequena e média empresa, foi sempre difícil mas mais no inicio, lembro-me de em 2006 no segundo ano da vida da empresa, que já tinha esgotado todas as fontes de financiamento e tinha atraso de pagamento de clientes e estava numa bomba de gasolina em Salvaterra de Magos a ver o saldo na conta para ver se conseguia cinquenta euros para regressar a casa. Felizmente no dia seguinte entrou dinheiro de clientes. São momentos que nos marcam mas sobretudo que nos fazem ter empatia e respeito por quem arrisca, pelos empresários, que são a tropa de elite da nossa economia.

Os empresários são pouco reconhecidos?

Sim, os empreendedores e os empresários deviam ser mais reconhecidos. É muito difícil viver com uma folha de salários para pagar no fim do mês, e com a responsabilidade de assegurar não só o seu sustento, mas também o de muitas famílias. Quando a empresa cresce, a responsabilidade é maior, mas também se navega melhor. Um barco maior é menos ágil, mas aguenta melhor as tempestades.

Sempre conduzi a empresa como uma companhia de teatro – quem devia brilhar eram os atores. Eu fui apenas o encenador ou o treinador, se quisermos usar outra metáfora

De todas as experiências e dimensões de empresa, qual foi aquela que gostou mais?

Gostei de todas. Como escreveu Gabriel García Márquez, a felicidade não está em chegar ao cume da montanha, mas em subi-la. Esta é, aliás, a primeira entrevista que dou em vinte anos. Sempre conduzi a empresa como uma companhia de teatro – quem devia brilhar eram os atores. Eu fui apenas o encenador, ou o treinador, se quisermos usar outra metáfora. O segredo do que foi bem feito esteve sempre nas pessoas: a Alcina, o Davide, o Nuno, o Zé, o Abel, o Mário, a Maria, a Helena, a Rita – e tantos outros que eram mais capazes do que eu e sabiam muito mais de engenharia. Se tivesse de escolher, talvez a fase inicial de conquista seja a que recordo com mais saudade. Ou então esta última, já depois da venda à Applus – porque foi quando mais aprendi, por ser uma realidade completamente nova para mim.

Como foi a fase de integração da Riportico na Applus? Considera que foi um processo bem-sucedido?

Foram dois anos importantes. Já não tive responsabilidades executivas, mas tentei contribuir com a minha experiência e conhecimento do mercado para que a integração fosse a melhor possível. Costumava dizer na empresa que esta era a experiência que me faltava: fui, pela primeira vez, trabalhador por conta de outrem e conheci por dentro a realidade de uma grande multinacional. Nem tudo foi como o imaginado, há lições que marcaram profundamente, mas também tenho orgulho de que, neste período após a venda, a Riportico tenha continuado a crescer, batido recordes de faturação, de resultados operacionais e número de trabalhadores. As integrações têm sempre os seus desafios – são duas culturas que se fundem, como dois rios que se juntam num só leito. A empresa fica diferente, mas o que desejo é que consiga manter o essencial: colocar o cliente no centro, ser um local de realização para cada pessoa e continuar a apresentar excelentes resultados financeiros.

O que vai fazer agora com a saída da Riportico?

Agora com mais tempo vou terminar de escrever um livro que irei publicar. Desde 2021 que tenho registado num caderno os momentos mais importantes do processo da venda e integração da empresa. Uma coisa é a teoria e o que se aprende nas escolas de gestão, outra é viveres na primeira pessoa essa experiência. Todos os processos bem-sucedidos têm momentos muito críticos e ao reler as reflexões que fui fazendo ao longo do tempo vi que estava lá uma história com lições importantes que precisam de ser partilhadas não só com todos que estão a passar ou virão a passar pela mesma experiência pessoal, mas que podem contribuir para melhorar a arte de comprar e vender empresas.

A vida profissional vai acabar aqui?

Não. Vai continuar. Irei continuar a trabalhar. Tenho vários projetos abertos no computador e algumas propostas e conversas que adiei para o pós-Riportico. O que aí vem será diferente, talvez maior, talvez mais simples.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

“Applus pode libertar o potencial da Riportico”

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião