Burocracia, simplificação e celeridade na Justiça. O que pensa Gonçalo Matias sobre a reforma que o Estado precisa
Gonçalo Matias tem defendido o combate à burocracia e simplificação da Administração Pública, bem como medidas como aposta na digitalização para maior celeridade na Justiça e aposta na rede consular.
“É preciso é começar. Em Portugal, temos sempre esta ideia de que as coisas são muito grandes, demoram muito tempo e nada se consegue – veja-se o caso do aeroporto. Enquanto estivermos a olhar para o cume da montanha, nunca lá chegamos. É preciso começar a subi-la”. A frase é de Gonçalo Saraiva Matias, o ministro escolhido para liderar o recém-criado Ministério da Reforma do Estado, que tem defendido um combate à burocracia e a simplificação da Administração Pública.
Em entrevista ao Expresso, publicada em dezembro 2023, o até agora presidente do conselho de administração e da comissão executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) defendia a necessidade de o país avançar com mudanças estruturais. Um desafio que se propõe agora a implementar a partir do Governo. Mas o que pensa o professor de Direito da Universidade Católica, repetente num Governo de coligação PSD/CDS-PP, onde tomou posse como secretário de Estado Adjunto e para a Modernização Administrativa no segundo Executivo de Pedro Passos Coelho, entre outubro e novembro de 2015?
“A Administração Pública é um importante mecanismo ao serviço dos cidadãos para satisfazer as necessidades coletivas. Não se trata de uma estrutura ao serviço do Estado nem, muito menos, de conjunturais interesses ideológicos ou político-partidários. É totalmente instrumental a missão de servir os cidadãos, não constituindo um fim em si mesma. Por isso, um crescimento desmesurado de uma Administração Pública pesada, burocrática, fechada em si mesma, que não sirva os cidadãos é, não apenas inútil, como contrário à Constituição“, afirmou num vídeo divulgado na plataforma de cidadania Nossa Europa.
Um crescimento desmesurado de uma Administração Pública pesada, burocrática, fechada em si mesma, que não sirva os cidadãos é, não apenas inútil, como contrário à Constituição.
Nessa mesma intervenção defendeu que a modernização e a simplificação administrativas são uma necessidade de qualquer Administração moderna, mas também uma imposição constitucional. “Os governos, topo da hierarquia administrativa, devem promover, na sua ação e no seu programa, medidas de simplificação administrativa. A Administração Pública está sujeita a um conjunto de princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, que a Constituição explicitamente estabelece, entre os quais o da legalidade. A Lei é o limite e fundamento de toda a atividade da Administração. Ao contrário dos cidadãos, que possuem liberdade de atuação em tudo o que a lei não proíbe, a Administração Pública só pode atuar onde a lei especificamente permite”, argumentou.
É, por este motivo, que apelou à “transparência no funcionamento da Administração Pública” e sublinhou que “os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração sobre o andamento dos processos em que sejam interessados, bem como conhecer as decisões que sobre eles sejam tomadas“. “Os cidadãos têm, ainda, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, com exceção das matérias de segurança nacional e intimidade da vida privada”, apontou.
Para o estreante no segundo Governo de Montenegro que conquistou o título de ministro-adjunto, “quando as decisões administrativas ofendam os direitos das pessoas, seja por lhes serem desfavoráveis, seja por não resolverem uma questão pendente, os cidadãos têm direito a ver essas decisões julgadas por um Tribunal“, que “não deve proteger a posição da Administração, que não possui qualquer privilégio, mas aplicar de forma imparcial a lei, condenando a Administração quando seja caso disso”.
“Os funcionários e agentes da Administração são responsáveis pelos seus atos, devendo responder perante os cidadãos pelos danos que lhes causarem“, afirmou.
Em março do ano passado, em entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1, no programa Conversa Capital, considerou, com base nos inquéritos do Eurobarómetro, que “os portugueses revelam-se, em geral, satisfeitos com a sua democracia, ali na média” e que “não há uma vontade geral de mudança de regime, de mudança da Constituição, de mudança das instituições”.
Os funcionários e agentes da Administração são responsáveis pelos seus atos, devendo responder perante os cidadãos pelos danos que lhes causarem.
Gonçalo Matias é também um defensor da adaptar procedimentos, como a digitalização, para tornar a Justiça mais célere. “A grande questão na Justiça é a celeridade. Não são as garantias, os direitos fundamentais — isso no essencial já está assegurado –, o grande problema da Justiça é a celeridade. De nada nos serve proteger os direitos das pessoas se depois quando é necessário exercê-los não é possível exercê-los em tribunal. A Justiça não é justa se não for célere. Todos os esforços devem ser colocados, incluindo no plano das infraestruturas, no plano informático, da digitalização são aspetos fundamentais e têm demorado algum tempo a chegar à Justiça, isso é essencial”, afirmou em declarações ao podcast “Quais os grandes desafios que Portugal enfrenta em 2022?”.
Um ano mais tarde, considerou após ser conhecido o caso Influencer, que é preciso “confiar na Justiça”. “Temos de confiar que a Justiça compreende a importância da sua função em cada momento. Aí não pode haver interferência, esse é um campo em que nem a política, nem a sociedade civil devem poder intervir. Podemos falar na questão da celeridade da Justiça e da sua importância. Agora, olhar para casos concretos e impor timings específicos para a Justiça se pronunciar, isso não é legítimo para ninguém”, afirmou em entrevista ao Expresso.
“Portugal tem muito essa tentação de mexer nas coisas quando elas estão em crise ou a arder. Isso é de evitar porque não dá estabilidade. Quando olhamos para os dados da Pordata, curiosamente a celeridade da Justiça não é tão má como parece. Há zonas da Justiça que funcionam relativamente bem e outras onde há estrangulamentos. Uma reforma da Justiça tem de ser feita com ponderação e com muito conhecimento dos factos e dos dados. A pior coisa que podia haver neste momento era mexer-se na Justiça de forma casuística e sem conhecimento dos factos porque aí é que se pode dar razão à crítica de que se está a mexer com objetivos [políticos] concretos”, defendeu.
Na mesma entrevista, considerou também que “a questão do lobby tem que ser regulada até para defesa dos próprios decisores”, argumentando ser “muito importante para a confiança dos portugueses nas instituições”.

Em setembro de 2024, num artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios, Gonçalo Matias escreveu que “quando se fala da qualidade da nossa democracia, o tema da ética na política e a corrupção surgem como centrais”. “É essencial para a democracia a confiança dos cidadãos nas instituições. Só assim podem acreditar que o seu voto conta, que as suas aspirações e expectativas são respeitadas, que os seus representantes colocam o interesse público em primeiro lugar e não interesses particulares, dos próprios ou de terceiros”, disse.
Também em entrevista à Renascença assinalou o tema. “Por qualidade da democracia, entendemos temas relativos à corrupção, à ética na política, à confiança dos portugueses nas instituições, mas também à participação política, à polarização, à qualidade e fundamentação das decisões. Está ligada até à qualidade das pessoas que estão na política, à confiança que depositamos em quem está na política“, disse.
Gonçalo Matias tem ao longo dos anos alertado para o impacto do envelhecimento da população em Portugal, bem como posicionando-se sobre a imigração. Em entrevista à Renascença em junho do ano passado, concordou com o fim do mecanismo das manifestações de interesse, mas advertiu que o plano do Governo servia para apenas alguns meses e mostrou-se favorável criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo. Entre as medidas para ultrapassar constrangimentos defendeu a necessidade de pôr no terreno “o melhor funcionamento das redes consulares” e “um trabalho ativo de captação de imigrantes”.
Por qualidade da democracia, entendemos temas relativos à corrupção, à ética na política, à confiança dos portugueses nas instituições, mas também à participação política, à polarização, à qualidade e fundamentação das decisões. Está ligada até à qualidade das pessoas que estão na política, à confiança que depositamos em quem está na política.
“O que eu espero que aconteça amanhã é o controlo da nossa política migratória, pôr novamente as nossas instituições a funcionar como elas devem funcionar e depois, com tempo, com calma, construir uma verdadeira política migratória, que é, como digo há muito tempo, absolutamente indispensável para Portugal”, disse. Na mesma ocasião, questionado sobre se fazia sentido acabar com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e criar uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras dentro da PSP, “há um objetivo na criação da Agência, com o qual eu também sempre estive de acordo, que é a separação das funções administrativas das funções de polícia”.
“Criar uma unidade policial para fiscalizar fronteiras não tem nada de extraordinário. Todos os países têm isso. Agora, é preciso também ter consciência que não é essa unidade policial que vai fazer a tramitação dos vistos, que vai fazer a promoção internacional do país como um país de destino para imigrações e isso descansa-me bastante“, apontou.
O novo ministro alertou ainda que, “entre os fatores que influenciam a produtividade portuguesa, destacam-se a insuficiente qualificação da população ativa e a falta de investimento em capital físico durante a última década”. Num artigo de opinião publicado em dezembro no Jornal de Negócios, destacou que “para superar os desafios estruturais da produtividade, Portugal precisa de continuar a apostar na qualificação da população ativa, no reforço das condições para o investimento privado e na promoção da internacionalização das empresas“.
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