A ajudar a dona da Paladin a transformar-se numa “casa de marcas”, Daniel Pereira Martins, na primeira pessoa
A liderar o marketing da Casa Mendes Gonçalves, Daniel Martins assume o desafio de relançar a Paladin como marca focada em molhos. Encara-se como um storyteller e a guitarra continua a ser uma paixão.
Depois de passagens por empresas como Unilever, Danone ou Gallo Worldwide, Daniel Martins foi desafiado a juntar-se à Casa Mendes Gonçalves, para liderar o processo de transformação da empresa numa “verdadeira casa de marcas portuguesa”. A sua missão passa assim por ajudar a transformar a dona da Paladin — uma empresa “100% e orgulhosamente portuguesa e da Golegã” que começou como produtora de marcas próprias de outras empresas e que foi depois entrando no mundo das marcas — numa casa de marcas portuguesas de referência, onde a vertente da portugalidade está bem vincada.
“Queremos muito ser esse porta-estandarte, em Portugal e no mundo. Queremos ser muito inovadores, fazer comunicação diferenciada e que faça sentido para o consumidor, sem perder nunca as raízes da marca. Diria que a grande missão é transformarmo-nos nessa referência no mercado e esse farol para o qual todos olham como fonte de inspiração“, explica ao +M.
Os principais desafios prendem-se com o facto de o grupo operar em mercados “muito competitivos”, com players “muito fortes e muito bons no que fazem” e com consumidores “cada vez mais exigentes”. “O grande desafio é continuar a ser relevante, a ter este espírito de desafio que nos define e que nos orgulha, e de querermos sempre fazer mais e melhor nestes mercados muito competitivos“, sublinha o diretor de marketing que conta com uma equipa de uma dezena de pessoas e com o apoio das agências Fullsix, Arena Media, EuroM e UnlockBrands.
A Paladin é “naturalmente” a marca bandeira do grupo, sendo esse outro desafio no horizonte de Daniel Martins. É que, ao longo do crescimento do grupo, a Paladin acabou por ser uma marca que “tocava em várias categorias e ia a todo o lado”, pelo que começou a ser sentido que isso fazia com que a marca “perdesse um bocadinho a força que tem ao querer estar presente em demasiadas categorias”.
Neste sentido, Daniel Martins está a trabalhar no relançamento de Paladin — com o lançamento da campanha “Sai do teu molho de conforto” —, separando-a por completo de outras marcas como Sacana ou Moreno. O objetivo é que a Paladin passe a ser uma marca focada apenas em molhos, enquanto a Sacana se foca em piripíri e a Moreno em vinagres.
“Uma das coisas que acontecia pelo facto de todas as marcas serem Paladin é que, se formos ver alguns exemplos de publicidade a vinagre, piripíri ou molhos, eles são todos relativamente parecidos em termos de tom. O trabalho que está a ser feito e implementado consiste na criação de identidades de marca distintas entre estas três categorias e marcas“, afirma o profissional de 46 anos.
“Agora vamos começar a ver que os tons de comunicação são diferentes. Na nova campanha já se mostra um bocadinho o que distingue a Paladin das outras, que passa pelo humor e por um tom de comunicação leve, divertido, brincalhão e bem-disposto. Outra coisa sempre muito trabalhada na comunicação é a questão da personalidade e da origem, havendo sempre algo que liga com Portugal e com as origens. Mas também em Sacana, com a qual estamos a trabalhar em social media e ponto de venda, o tom é diferente, assim como as cores e o lettering. Nós queremos que cada marca venha a ter a sua identidade, a sua personalidade, e que passe os seus valores de uma forma distinta“, explica, acrescentando que estão também a ser trabalhadas outras marcas do grupo como Peninsular ou Dona Pureza.
Em relação à questão da portugalidade, Daniel Martins considera no entanto que esta é uma palavra — que a par de outras como “sustentabilidade”, por exemplo — é usada “a torto e a direito hoje em dia”, pelo que acaba por “perder um pouco o significado que tem”.
“Quando falamos de portugalidade, falamos do que nos torna portugueses, e isso hoje em dia também é diferente do que era há 20 ou 30 anos. Mas nós acreditamos muito em celebrar as nossas origens, celebrar a forma como interagimos, a forma como somos divertidos, a forma como gostamos de estar entre amigos, de partilhar momentos e de estar tanto tempo à mesa. E esta campanha [da Paladin] também está muito muito à volta disso, da partilha de momentos e desta brincadeira de usar molhos diferentes para utilizações que não são as mais óbvias, de não ter medo de experimentar, de ser audaz”, detalha.
Depois de se formar em Administração e Gestão de Empresas pela Universidade Católica, Daniel Martins começou a trabalhar em grande consumo na Unilever, em Portugal, com a marca de gelados Olá. Ainda dentro da Unilever, foi depois brand manager da Comfort & Radion, naquele que foi um passar de uma marca “claramente líder do mercado” como a Olá para uma dentro de um mercado “muito concorrencial, com grandes players e muita competitividade”. Esta mudança permitiu-lhe viver uma experiência “diferente e muito complementar”, o que lhe permitiu “crescer muito”.
Entrou depois na Danone, onde esteve mais de um ano e meio a gerir as marcas de crianças do grupo em Portugal, como Danoninho, num “mercado completamente diferente e com limitações logísticas” muito diferentes.
Surgiu a seguir um convite para integrar a equipa de marketing da Gallo Worldwide como responsável pelo mercado americano, sendo que o foco incidia muito sobre o Brasil, país que, naquela altura (2010) representava 75% do total da faturação mundial da empresa. Foi esta fase do seu percurso que lhe permitiu ter uma primeira “experiência de expatriação”, uma vez que embora estivesse sediado em Lisboa ia frequentemente ao Rio de Janeiro e a São Paulo, que eram os dois grandes mercados da marca.
Por questões pessoais foi depois viver para a Polónia, pelo que foi desafiado a gerir o processo de expansão da marca na Alemanha e nos países do Leste. Tendo em conta que o consumo per capita de azeite é muito expressivo na zona do Mediterrâneo — em países como Grécia, Espanha, Itália ou Portugal — mas que o mesmo não acontece na generalidade dos outros países, “havia trabalho a fazer” na expansão de Gallo como empresa cujo core business é azeite. “Antes de vender a marca tínhamos de vender a categoria para um aumento de penetração. Havia um trabalho muito estratégico antes de vender paletes“, diz.
Entretanto surgiu a oportunidade de voltar para a Unilever, também na Polónia, como head of marketing de Food Solutions North East Europe (Polónia, Chéquia, Eslováquia, Bálticos e Ucrânia). A sua função passava assim por “liderar o marketing de todos estes países, com uma equipa significativa composta por pessoas de cada um dos países”. “Não podia não aceitar, era uma experiência que sempre quis ter, de trabalhar fora e de liderar equipas multidisciplinares e multiculturais“, recorda sobre um trabalho que desenvolveu durante mais de dois anos.
Fora de Portugal há cerca de seis anos, Daniel Martins quis entretanto regressar a “casa”, bem como experimentar trabalhar fora do grande consumo, tendo assim aceitado o convite de se juntar à Sonae Capital como diretor de marketing e vendas do Tróia Resort, onde tinha como missão trabalhar e valorizar a marca de Tróia.
Por uma “mudança estratégica” da Sonae nos seus negócios, Daniel Martins passou depois para a SC Fitness, detentora da Solinca, onde esteve como diretor de marketing até 2024. Foi então que um antigo chefe seu da Unilever o desafiou a juntar-se à Casa Mendes Gonçalves.
Filho de pai alentejano e de mãe minhota, Daniel Martins nasceu no Rio de Janeiro, no Brasil, país onde os seus pais, ambos emigrantes, se conheceram e constituíram família. Daniel, no entanto, veio para Lisboa ainda com três anos de idade. É ainda em Lisboa que faz parte da sua vida, dividindo-se entre a capital, o Porto (onde está a mulher) e a Golegã, vila ribatejana e sede da Casa Mendes Gonçalves.
As idas ao Brasil em trabalho enquanto esteve na Gallo Worldwide tiveram assim um “significado especial”, uma vez que uma parte significativa da sua família vive do outro lado do Atlântico, pelo que Daniel Martins sempre teve uma “grande ligação” com o Brasil. “Ainda hoje a minha mãe fala uma mistura de português do Brasil com o de Portugal, mesmo tendo voltado há quase 40 anos e eu sempre vi a seleção do Brasil quase como se fosse a de Portugal, por exemplo. É um país pelo qual tenho muito carinho e do qual gosto muito“, diz.
A música é também uma paixão, adorando ir a concertos, cantar e também tocar guitarra (tanto acústica como elétrica), sendo que durante o período de faculdade integrou uma banda de covers que tocava em bares. O gosto pela guitarra surgiu de uma forma curiosa, relacionada com o facto de o pai ter ganho uma aposta, ainda no Brasil.
“O meu pai não tocava guitarra mas um dia ganhou uma aposta no Brasil, pela qual lhe deram uma guitarra — que lá chamam violão –, a qual trouxe depois para Portugal. E a guitarra, linda, atraía-me. Eu sempre lhe achei graça, até que um dia resolvi pedir aos meus pais e comecei a aprender a tocar”, recorda. Essa guitarra, aliás, ainda hoje está pendura na sua sala.
“E depois aquilo é um bocado um bichinho, quando se começa a tocar, o bichinho entra e começasse a ver o impacto que tem. Tenho memórias muito boas, de estar a tocar e a cantar com pessoas em diversas situações, a sensação é super enriquecedora e é também uma maneira gira e artística de passar algum tempo sozinho”, acrescenta.
Tendo-se sempre visto como um storyteller — sendo que o que o mais apaixona no marketing é precisamente o poder “contar histórias que tocam pessoas” — se não trabalhasse no marketing talvez fosse realizador de cinema, “onde poderia criar mundos e narrativas visuais”. Os filmes e as séries são assim uma paixão, com Daniel Martins a considerar que se tem vivido uma “época dourada” em termos de produção de séries, elencando algumas das suas preferidas como Breaking Bad (que é “fantástica”), Ted Lasso (que é “incrível”), The Bear (que é “muito, muito boa”) ou Seinfeld (que é “brilhante”).
Em termos de filmes, viu há pouco tempo no cinema o filme de terror “Hora Do Desaparecimento”. Embora “não considere que seja uma coisa muito cinéfila” gosta muito dos filmes da Marvel, de super-heróis. “Num mundo tão complicado e polarizado, encontrar coisas mais lineares, do bem contra o mal, sabe bem“, diz, acrescentando que Christopher Nolan e Steven Spielberg são os seus realizadores favoritos.
No entanto, “a graça da arte e da criação é encontrar a beleza em experiências completamente diferentes“, entende Daniel Martins, pelo que embora goste de ver uma comédia que “faça rir durante meia hora”, também adora ver um drama que “faça chorar” ou um filme de terror. “Se for bem feito, tudo nos toca, e isso é que torna a arte tão bonita“, conclui.
Daniel Martins em discurso direto
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1 – Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
A nível nacional, destaco a campanha “Tira-me tudo” do Azeite Gallo. É um trabalho extraordinário porque consegue unir várias dimensões: visual, musical e emocional, num storytelling coeso e inspirador. A fotografia é muito bonita, o copy tem uma poesia que nos prende e a música eleva tudo. O mais impressionante, para mim, é a forma como esta campanha ativa um sentimento muito português, difícil de descrever: o orgulho de sermos quem somos. A campanha valoriza o que é nosso: o país, a família, os sabores, e posiciona a marca como um verdadeiro símbolo nacional.
A nível internacional, escolho a icónica “Just Do It” da Nike, que há mais de 30 anos continua a ser relevante, inspiradora e surpreendente. Sempre me fascinou a consistência desta ideia ao longo do tempo, conseguindo falar com públicos muito diversos e transversal a qualquer desporto. O filme “Dream Crazier”, lançado nos 30 anos da campanha, é um bom exemplo disso, pois consegue levar a promessa da marca para um novo patamar, onde o “fazer acontecer” não está apenas ligado à performance física, mas à superação pessoal, à ousadia de sonhar, de quebrar estereótipos. É a prova de que uma marca pode ter impacto cultural, e não apenas comercial.
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2 – Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
Sem dúvida, saber dizer “não”. Hoje em dia há uma multiplicidade de canais, formatos, ideias e oportunidades e a tentação de fazer tudo é grande. Mas o verdadeiro desafio está em filtrar, priorizar e manter o foco. Só com foco nos objetivos centrais da marca e do negócio é que conseguimos gerar impacto.
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3 – No (seu) top of mind está sempre…?
A marca e o consumidor. Pode parecer uma resposta muito simples, mas é onde tudo começa e tudo acaba. A marca tem de ser coerente com os seus valores, a sua história e a sua identidade. Mas, ao mesmo tempo, não pode deixar de ouvir, entender e servir o consumidor. O equilíbrio entre autenticidade e relevância é o que faz uma marca crescer de forma sustentável.
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4 – O briefing ideal deve…
Ser claro, conciso e ter um propósito bem definido. Um bom briefing não é um documento burocrático, é um guião estratégico que orienta toda a criatividade e execução. Deve conter uma visão clara do problema, os objetivos, os insights e, acima de tudo, um propósito inspirador. Quando o briefing é bem feito, metade do caminho está percorrido.
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5 – E a agência ideal é aquela que…
Vai além da prestação de serviços. É aquela que se sente parte da marca, que veste a camisola e se envolve genuinamente no negócio. Gosto de trabalhar com agências que desafiam, que questionam, que trazem pensamento estratégico e criatividade, mas que também sabem ouvir e colaborar. A verdadeira parceria acontece quando agência e cliente caminham juntos, com confiança e transparência.
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6 – Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Sou naturalmente inclinado a arriscar. Acredito que a inovação e a disrupção são fundamentais para diferenciar uma marca num mercado cada vez mais saturado. No entanto, a decisão entre arriscar ou jogar pelo seguro deve ser estratégica. Depende do momento da marca, do seu posicionamento, dos objetivos de negócio e do contexto em que se insere. O mais importante, para mim, é garantir que a marca tenha impacto, que diga algo relevante, que toque as pessoas e que se destaque — sempre com coerência com a sua identidade.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Curiosamente, o primeiro passo seria impor um limite. Acredito profundamente que a escassez de recursos estimula a criatividade e a eficiência. Dito isto, com um orçamento mais generoso, investiria em três frentes: garantir a excelência na execução das campanhas core da marca, apostar fortemente em inovação — seja de produto, serviço ou experiência — e aprofundar o investimento em research. Conhecer verdadeiramente o consumidor, antecipar tendências e explorar novos territórios são caminhos fundamentais para o crescimento sustentável.
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8 – A publicidade em Portugal, numa frase?
É criativa, resiliente e está cada vez mais ambiciosa. Apesar dos constrangimentos de budget que muitas vezes enfrentamos, vejo um mercado com talento, vontade e capacidade de criar campanhas com impacto, não só cá dentro, mas também lá fora.
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9 – Construção de marca é…?
É um trabalho de consistência e de compromisso diário. Começa no produto ou serviço, na sua qualidade, entrega e experiência, e estende-se a cada ponto de contacto com o consumidor: o que dizemos, como dizemos, quando dizemos. Uma marca forte constrói-se com coerência, autenticidade e relevância. Não é algo que se conquista com uma campanha brilhante, mas sim com uma série de boas decisões ao longo do tempo.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Sempre me vi como um storyteller e, na verdade, é isso que mais me apaixona no marketing: contar histórias que tocam pessoas. Se não estivesse neste universo, provavelmente estaria a contar histórias noutros formatos. Talvez como realizador de cinema, onde poderia criar mundos e narrativas visuais. Ou então na música, talvez focada na guitarra, onde as histórias são contadas em acordes, letras e palcos. Seja como for, teria de ser algo criativo, com propósito e emoção.
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