A Europa é o grande mito da democracia portuguesa sem o qual Portugal não consegue afirmar-se no Mundo.

Em Portugal as eleições para o Parlamento Europeu foram as eleições para Presidente do Conselho Europeu. Depois foram as eleições para a revanche das Legislativas com a vitória do PS. Neste contexto de “arraial triste” e de indigência política, o país votou e as lideranças dos partidos centrais ao sistema cantaram vitória como se o futuro da pátria estivesse em causa.

Certamente que o futuro das lideranças do PS e da AD estão sempre em causa, sobretudo em tempos de volatilidade política e de “empate técnico”. Aliás a democracia portuguesa atravessa uma nova fase que pode ser designada por processo democrático de empate técnico ao centro e pulverização do sistema partidário nos extremos. Um sistema político marcado pela indecisão ao centro e pela pulverização periférica não produz soluções políticas, mas multiplica os conflitos políticos. Senão vejamos. O PS ganha as europeias para reforçar a sua estratégia de “coligações invertidas” e de estabelecimento de uma “governo parlamentar” ideologicamente puro. A AD tem uma “derrota minimalista” para reforçar a sua estratégia de “coligações invisíveis” e de estabelecimento de um “governo de resistência” ideologicamente puro. Nesta luta pelo domínio político nacional, a Europa é uma ficção com deputados eleitos e uma fonte de financiamento garantido. Os portugueses confiam na Europa, mas 63% não se incomodam sequer em votar. A Europa é o grande mito da democracia portuguesa sem o qual Portugal não consegue afirmar-se no Mundo.

Ainda no panorama interno, porque as europeias são eleições com uma lógica política nacional, o Chega descobre que não é dono dos votos e inventa um novo conceito para a democracia portuguesa designado por “menos vitória”. Logo, o Chega jamais perderá uma eleição. Interessante é observar o comportamento de Ventura no futuro mais imediato – Teremos um Ventura aventureiro e oportunista ou teremos um Ventura calculista e oportunista? Teremos um Chega ainda mais radical ou um Chega mais moderado? Provavelmente teremos um Chega radical moderado com uma dialéctica lunática entre o zero e o infinito. Quanto aos Liberais, na sua paleta monocromática, continuarão a afirmar que o “Liberalismo funciona” e que o futuro está logo ali com soluções simplistas do século XX. O Bloco e o PCP são os resistentes dos tempos modernos. A erosão da esquerda parece estar associada ao “algoritmo das redes sociais” e à “menor eficácia dos sindicatos”. A esquerda precisa de se reinventar do mesmo modo que a direita radical se reinventou e se transformou num fenómeno político contemporâneo. A direita radical que é o novo espectro que ameaça a Europa.

O novo espectro que ameaça a Europa é liderado por duas mulheres que dominam olimpicamente o discurso e o futuro da União – Marine Le Pen e Georgia Meloni. Muito se enaltece o “modo feminino” de fazer política em contraste com o conflito entre os “machos alfa” de uma política patriarcal. A Europa contemporânea está marcada pela marcha da direita radical e é liderada por duas mulheres que representam a reinvenção das ideias políticas que os optimistas milenares e militantes julgavam derrotadas pela História. Para além das visões ideológicas no céu perfeito das ideias, a política tem uma lógica interna e uma dinâmica imprevisível que supera os estereótipos sobre a natureza das identidades de género. Duas mulheres que simbolizam uma direita pós-moderna, pós-fascista, pós-nacionalista e que nestas eleições europeias apresentam a ideia de uma “Nação Europa” para além dos arranjos políticos convencionais. Democratas por conveniência, europeístas por estratégia, Meloni e Le Pen são a nova geração de uma direita radical em ascensão, sem complexos ideológicos nem constrangimentos históricos. A direita radical europeia é o princípio do fim do consenso do pós-guerra e anuncia o regresso de uma outra Europa que embora esquecida nas ruínas da guerra não desapareceu. Existe e é parte constitutiva da cultura política europeia. O que é inventado em política não pode ser “desinventado” pois tudo depende do contexto. Estas eleições europeias são a prova da resistência das ideias.

O caso da França é paradigmático de uma fase de transição em movimento. A hecatombe de Macron é o colapso de “uma certa ideia da França”. O colapso de “uma certa ideia da Europa”. As eleições antecipadas são um dispositivo constitucional na tentativa de retomar o timing político e recentrar a legitimidade política no Presidente. Macron afundou o centro político deixando a política francesa ao sabor das oscilações entre os extremos – o vazio à esquerda e a exuberância à direita. Com a possível vitória do Rassemblement National nas legislativas é o regresso de uma certa França de Vichy. Impensável é o cenário de uma coabitação impossível. No centro da Europa é uma outra ideia da Europa. O que está em causa em França é o novo perfil da Europa. Com a vitória de Le Pen é a Europa onde a moderação política está em perigo. Com a vitória de Le Pen é a Europa onde a diversidade cultural está em perigo. Da cidade das Luzes vem o aviso da História – “Paris já está a arder?”

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Europa Radical

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