O momento Cameron de Macron
Mais preocupante que o crescimento do RN nas eleições para o Parlamento Europeu, é a quase aniquilação do centro direita, depois de o mesmo ter acontecido há já uns anos com o centro esquerda.
Há quem lhe chame o momento David Cameron de Emmanuel Macron, comparando o impacto que a convocação do referendo do Brexit teve para o Reino Unido ao que poderá ter a convocação de eleições legislativas antecipadas em França para o país e a União Europeia.
Após o dia 7 de julho, quando se realizará a segunda volta das eleições legislativas, um país que tem sido absolutamente crítico para a construção europeia, que é um dos pilares da NATO e tem assento no Conselho de Segurança da ONU, poderá ter um Governo liderado por um partido de extrema-direita, eurocético e que simpatiza com Vladimir Putin. Ainda que doseado por um Presidente liberal com mandato até 2027, que poderá ser encurtado face à crescente taxa de reprovação, já em 71%.
Podia Emmanuel Macron ter-se abstido de tirar consequências do resultado das Europeias como fez Olaf Scholz na Alemanha? Dificilmente. França ficaria mergulhada num pântano político que só daria ainda mais força ao Reagrupamento Nacional (RN) de Marine Le Pen e Jordan Bardella.
A média das sondagens compiladas pelo site Politico dá 33% das intenções de voto ao RN, 28% à Nova Frente Popular, uma coligações de partidos que vai do centro à extrema esquerda, 18% ao República em Marcha de Macron e apenas 8% ao Os Republicanos.
Face a estes números, o cenário mais provável é uma vitória do partido de Marine Le Pen sem maioria absoluta. Formaria Governo, mas teria dificuldade em fazer aprovar legislação. Jordan Bardella coabitaria com Macron, como aconteceu antes com François Mitterrand e Jacques Chirac, e este com Lionel Jospin. Uma convivência, ainda assim, mais desafiante.
Porque se assustaram então os mercados, elevando os juros da dívida francesa acima dos de Portugal e tirando milhares de milhões de euros às cotadas da bolsa de Paris, que voltou a valer menos que a de Londres? A mudança de políticas em França é um dado garantido.
Quer o RN quer a Nova Frente Popular — um saco de gatos onde cabe desde o Partido Comunista Francês e o França Insubmissa ao Os Ecologistas e ao Partido Socialista, de novo com François Hollande — defendem medidas com elevado impacto orçamental, como a redução da idade da reforma, a descida de impostos, o aumento dos salários no Estado ou novos subsídios. Isto num país já em sérias dificuldades orçamentais: este ano deverá registar um défice de 5,1%, depois de 5,5% em 2023.
Como já vimos noutros países europeus, perante a proximidade do poder, o RN está a mudar para uma face mais moderada. Apagou do programa do partido o capítulo da defesa onde defendia o aprofundamento de laços diplomáticos com a Rússia, o abandono do comando militar integrado da NATO ou um distanciamento face aos EUA. Jordan Bardella promete manter o envio de armas para a Ucrânia e garante responsabilidade orçamental.
Será, no entanto, ingenuidade pensar que a Europa que foi construída pelos governos liberais na Alemanha, França ou Itália será a mesma com líderes populistas de extrema-direita em dois destes países. Poderá ainda falar-se do eixo franco-alemão?
Em várias capitais europeias teme-se pelas consequências no apoio à Ucrânia, no reforço do investimento em defesa num momento crítico para a segurança do bloco, na manutenção da agenda para a transição climática ou no alargamento da UE. É já notório como os líderes populistas e de extrema-direita emperram de forma crescente a agenda europeia em temas críticos.
Mais preocupante que o crescimento do RN nas eleições para o Parlamento Europeu, é a quase aniquilação do centro direita, depois de o mesmo ter acontecido há já uns anos com o centro esquerda.
O partido de Marine Le Pen já tinha vencido nas Europeias de 2019 (23,3%) e de 2014 (24,9%), subindo agora para 31,4%. A grande diferença é o fraquíssimo resultado do movimento de Macron (14,6%) e do partido Os Republicanos (7,3%).
Se Le Pen mantiver a tendência de crescimento das últimas Presidenciais (passou de 33,9% em 2017 para 41,45% em 2022), pode bem chegar ao Eliseu.
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