O fim das portagens e a irresponsabilidade orçamental
Se a política orçamental for norteada por cálculos eleitoralistas e medidas populistas, como o fim das portagens, ficaremos em maus lençóis.
A preparação do Orçamento do Estado para 2025 já está em marcha e carregará medidas já aprovadas no Parlamento, incluindo as que a oposição fez passar, como é o caso do fim do pagamento de portagens nas ex-SCUT, proposto pelo PS.
A medida abrange 7 das 20 concessões de autoestradas nacionais e tem um impacto orçamental de 180 milhões de euros, segundo a estimativa do Ministério das Finanças. As concessões terão de continuar a ser pagas, só que em vez de serem os utilizadores a fazê-lo, serão todos os contribuintes através do Orçamento do Estado.
O argumento político é de que aquelas vias situam-se em zonas economicamente mais desfavorecidas. Mas convém lembrar que em 6 delas já era aplicado um desconto de 50% face ao ano de referência de 2011, que este ano subiu para 65%. O que significa que já existia um esforço orçamental para garantir uma discriminação positiva daquelas regiões.
A isenção é sobretudo um número para ganhar votos. André Ventura foi ainda mais longe no debate quinzenal com o primeiro-ministro, defendendo o fim de todas as portagens. “Nem mais uma”, gritou o líder do Chega. Quanto custa? Pouco importa. Só para dar uma ideia, a receita total de todas as concessões em 2019 foi de 766 milhões de euros, segundo dados da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT).
Tudo isto é profundamente errado. Desde logo por razões ambientais. Acabar com as portagens é incentivar um modo de transporte altamente poluente, e que o continuará a sê-lo até a eletrificação dominar o parque automóvel e de transporte de mercadorias, o que demorará muitos e muitos anos. Isso mesmo apontou esta semana no Parlamento a presidente da AMT, Ana Paula Vitorino, antiga ministra socialista. “Face aos objetivos nacionais, europeus e das Nações Unidas, nós devemos favorecer modos menos impactantes do ponto de vista social e ambiental”, disse aos deputados.
Em suma, está-se a comprometer verbas do Orçamento do Estado para uma política sem sentido.
A questão vai-se colocar de forma mais premente quando começarem a terminar as concessões que permitiram a construção das auto-estradas. A primeira é a Oeste (A8 e A15), em 2028. No ano seguinte será a Norte (A7, A11, A42 ) e em 2030 a Interior Norte (A24), a Costa de Prata (A17, A25, A29, A44) e a do Algarve (A22). Seguem-se outras em 2031, 2032 e por aí fora. Se as portagens forem sendo eliminadas, significa que os custos de conservação terão de ser integralmente suportados pelos contribuintes, assim como novos investimentos, por exemplo, em infraestrutura tecnológica de informação.
A rede rodoviária nacional tem 17.521 km, dos quais 14.942 km estão a cargo da Infraestruturas de Portugal (o restante irá ser integrado após o fim das concessões). Entre valores executados e previstos, a Infraestruturas de Portugal gastará à volta de 1,6 mil milhões de euros com a conservação das estradas entre 2016 e 2026, valor que, mesmo assim, fica aquém do necessário.
Se a opção política for acabar com as portagens, todo aquele esforço terá de ser suportado pelo Orçamento do Estado, retirando verbas para a Saúde, Educação ou pensões.
Mais ainda quando se sabe que Portugal terá de manter o caminho da consolidação das contas públicas, mesmo ao abrigo de regras orçamentais europeias menos apertadas, de forma a reduzir o ainda elevado endividamento público. Mesmo que a ritmo mais lento, o ajustamento terá de continuar, com o país obrigado a manter excedentes primários.
Não, os cofres não estão cheios. E os desafios orçamentais que o país tem pela frente (que partilha com o resto da UE) são enormes, face ao aumento da despesa relacionada com o envelhecimento da população, Defesa e o impacto das alterações climáticas.
Num artigo recente, o BCE calcula que só o envelhecimento da população obrigará a um esforço adicional de cerca de 2,2% do PIB até 2070 em Portugal, qualquer coisa como 5,84 mil milhões de euros, distribuídos entre pensões, Saúde e Educação. Juntando uma redução da dívida para 60% do PIB, o impacto das alterações climáticas e o aumento do orçamento da Defesa, o ajustamento sobe para cerca de 3% do PIB ou 8 mil milhões de euros.
Se a política orçamental for norteada por cálculos eleitoralistas e medidas populistas, como o fim das portagens, ficaremos em maus lençóis.
Numa Europa cada vez mais instável e fragmentada, Portugal ganhará vantagem se for capaz de se diferenciar por ter uma política orçamental responsável.
O teste está à porta, com o Orçamento do Estado para 2025.
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