Sem preconceito com as grandes empresas

É bem-vindo um programa despido dos preconceitos que ainda subsistem em relação aos grupos económicos de maior dimensão.

Mostrar serviço tem sido a principal estratégia do Governo para garantir a sua longevidade (ou reeleição, caso venha a cair). Esta semana foi a vez do “pacotão” para a economia.

A receita tem medidas novas, o aprofundamento de outras que já vêm de trás e uma repescagem. O ponto de partida — a consulta a dezenas de entidades e associações empresariais — merece aplauso. “Este programa para acelerar a economia, vem da economia, vem das empresas”, garantiu o ministro Pedro Reis.

Também não sobram dúvidas sobre a necessidade do pacote. Sendo inegável o sucesso de Portugal na recuperação da economia após a covid-19, reconhecido esta semana pelo FMI, conseguir taxas de crescimento mais robustas no futuro passa por criar condições mais favoráveis para o reforço da competitividade das empresas.

Vale a pena lembrar que o Governo inscreveu no programa eleitoral um cenário macroeconómico de particular exigência. Irão estas medidas a tempo de contribuir para a ambição traçada? Luís Montenegro tem em mente um horizonte mais longínquo. “Estou muito confiante que aquilo que possa fazer agora, e nos próximos anos, não será objeto de resultado que eu próprio irei usufruir enquanto exerço esta função”, disse no dia anterior à apresentação das medidas. “Ficarei satisfeito que isso venha a acontecer, mais do que ficaria se essa retribuição fosse imediata”, ainda acrescentou. As medidas estão aí, mas levarão tempo a implementar e produzir efeitos.

Há uma visão que perpassa várias medidas do pacote que merece um sublinhado: a de que as grandes empresas devem ser apoiadas e não discriminadas negativamente; de que o tecido empresarial tem de ganhar escala em vez de ser uma manta de retalhos de pequenas e micro empresas, por muito importante que seja o seu papel.

São exemplos a possibilidade de as empresas manterem o acesso a apoios mesmo que cresçam em dimensão, a redução gradual da taxa máxima de IRC, a criação do regime dos grupos de IVA com a consolidação dos saldos do imposto a entregar e receber do Estado ou o alargamento da isenção de imposto do selo nas operações de gestão centralizada de tesouraria. Há também medidas há muito pedidas para promover a consolidação, como o aumento da dedutibilidade dos gastos de financiamento incorridos em operações de concentração ou a revisão das regras de dedutibilidade fiscal do “goodwill”.

Incentivar a escala das empresas faz todo o sentido. As grandes empresas geram um valor acrescentado bruto 10 vezes maior do que as médias, são 3,7 vezes mais produtivas e pagam salários 30% mais altos. Segundo um estudo da Nova IMS e da Associação BRP, se Portugal criasse mais 150 grandes empresas o valor acrescentado bruto cresceria mais 4%; a receita fiscal agregada mais 5% e as exportações teriam um incremento de 10%. É, por isso, bem-vindo um programa despido dos preconceitos que ainda subsistem em relação aos grupos económicos de maior dimensão.

Há, e bem, também medidas para as PME, como a flexibilização do IVA de Caixa, o alargamento do SIFIDE, o programa para a capacitação de lideranças, incentivos fiscais para pequenos aforradores que entrem no capital, incentivos à adoção de boas práticas de ESG ou a redução da taxa de IRC para 12,5% para os primeiros 50 mil euros de matéria coletável.

Há outras boas medidas, mais genéricas, como privilegiar no PRR e no PT2030 avisos para os novos incentivos em contínuo, por fases, em vez de concentrados no tempo. Ou a recuperação do regime de residentes não habituais (batizado com outro nome) para a atração de talento estrangeiro em áreas estratégicas (IRS de 20%), mas deixando de fora, e bem, os pensionistas.

Há também lacunas. O Governo dá um sinal dos setores onde vê maior potencial de crescimento: Turismo (oito medidas), Mar, Indústrias da Defesa e Agroalimentar, elencou Luís Montenegro. Faltou o foco no setor tecnológico.

Vários Governos estão a apresentar planos específicos para os seus países apanharem a revolução da inteligência artificial generativa. O momento para o fazer é agora. Ainda que o pacote tenha medidas para a inovação e as startups, não há uma linha sobre um domínio que será decisivo para a competitividade das empresas.

São também muito poucas as medidas de simplificação tributária e redução da burocracia, que tanto emperram a vida das empresas.

Temas, quem sabe, para um próximo pacote.

Quanto à execução, toda a parte fiscal terá de passar no teste do Parlamento. Irá dentro ou fora do próximo Orçamento do Estado? Já se sabe, por exemplo, que o PS é contra a descida do IRC. Poderá a redução para as PME tornar a medida mais palatável?

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