Carne e arroz temem “rombo” no Mercosul. Azeite, vinho e queijo contam ganhos

Acordo comercial com o Mercosul deve encolher o atual défice de Portugal (517 milhões de euros) no comércio agroalimentar, mas há também produtores inquietos com a liberalização das importações.

Enquanto as fábricas portuguesas festejam o ‘antídoto’ sul-americano para contrariar as perdas de encomendas com clientes europeus, sobretudo na Alemanha e França, e também a onda protecionista de volta aos EUA com Donald Trump, a partir do campo, o acordo político assinado entre a União Europeia (UE) e o Mercosul é visto como uma oportunidade para reduzir o atual défice anual de 517 milhões de euros no comércio agroalimentar entre Portugal e aquele bloco de quatro países. Mas em alguns setores específicos, como é o caso das carnes ou do arroz, está ainda a suscitar receios nos produtores.

Em Évora, o Grupo HCR dedica-se há mais de 60 anos à criação, engorda e venda de gado bovino, quase tudo para a exportação e somando uma faturação anual a rondar os 30 milhões de euros. A inclusão da carne de bovino neste acordo terá um “impacto muito negativo”, avalia Luís Rodrigues, notando que “nesses países têm preços muito mais competitivos e podem desequilibrar o mercado da carne”.

“Passa a existir uma oferta muito maior a um preço mais acessível e os produtores da UE não vão conseguir competir. Levam um grande rombo se houver uma inundação no mercado”, dramatiza o gestor da empresa familiar.

O acordo político rubricado com Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai prevê a entrada na UE de um total de 99 mil toneladas de carne de bovino com tarifa de 7,5% – que sobe para as 180 mil toneladas na carne de aves e com tarifa zero.

A diretora executiva da Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes (APIC) reconhece que “há sempre um receio imenso porque somos muito pequeninos”, mas confia que, se o acordo for cumprido, as quotas permitidas ficam abaixo dos valores atualmente importados (196 mil toneladas).

Passa a existir uma oferta muito maior a um preço mais acessível e os produtores da UE não vão conseguir competir. Levam um grande rombo se houver uma inundação no mercado.

Luís Rodrigues

Gestor do Grupo HCR

“Para o porco não há duty free, mas existem quotas com redução de taxas. Neste caso, a exportação para a UE fica aberta, mesmo depois das quotas estarem preenchidas. Pode não ser benéfico para a indústria portuguesa porque os benefícios à exportação para os países do Mercosul não são muitos”, completa Graça Mariano, porta-voz da APIC, que tem 117 associados.

No arroz, o acordo prevê o desaparecimento gradual das tarifas, com uma quota de 60 mil toneladas a ficar isenta de taxas alfandegárias logo a partir da entrada em vigor do acordo. Carlos Parreira do Amaral, presidente da Associação de Orizicultores de Portugal, declara que “o setor comercialmente tem um problema: o arroz no Mercosul tem custos de produção muito mais baixos do que em Portugal e na Europa, e não conseguimos competir com os preços deles”.

O arroz no Mercosul tem custos de produção muito mais baixos do que em Portugal e não conseguimos competir com os preços deles. (…) A Europa continua a permitir a entrada de arroz de outras paragens que não têm as regras nem o controlo que somos obrigados a ter.

Carlos Parreira do Amaral

Presidente da Associação de Orizicultores de Portugal

Por outro lado, desabafa o também vice-presidente da Casa do Arroz, que reúne cerca de 2.000 agricultores com uma área de produção de quase 30 mil hectares, “a Europa continua a permitir a entrada de arroz de outras paragens que não têm as regras nem o controlo que somos obrigados a ter”.

Uma situação para a qual adverte também o presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal: “Têm de ser cumpridas as regras de sanidade e ambientais que a UE aplica a si própria, o que exige um reforço, que tem de ser feito pelos vários Estados-membros, no controlo deste comércio”.

No que toca à carne bovina, que diz ser “a principal preocupação que este acordo levanta e que obriga a uma atenção particular”, Álvaro Mendonça e Moura adverte que “se o setor vier a ser afetado, terá de ser compensado”.

“Exigimos que seja cumprido exatamente o que está no acordo: um contingente delimitado, que representa cerca de 1,6% das importações de carne bovina da UE, que ao longo de sete anos verá reduzidas as tarifas que lhe são aplicadas; e a chamada cláusula de salvaguarda [em que se se verificar] que provoca perturbações sérias no mercado europeu, esta parte do acordo é suspensa”.

 

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) já veio falar de uma “machadada para os agricultores de Portugal”, com a substituição dos pequenos e médios produtores pela “grande produção agrícola industrializada” de países como o Brasil. Em comunicado, deu o exemplo dos bovinos, das frutas e das oleaginosas, que vão ser “esmagados pelo aumento de importações de produtos agrícolas do agronegócio que entram a custos mais reduzidos e sem terem de cumprir as exigências que a UE nos impõe”.

“Não posso acompanhar uma visão redutora, que não olha para o potencial ofensivo da agricultura portuguesa, que nos últimos 15 anos tem aumentado imensamente as suas exportações. Não posso esquecer isso e não posso esquecer o potencial que temos de caminhar nesse sentido. Achamos que é preciso ter atenção sobretudo ao setor bovino, mas é preciso ver o conjunto do acordo e a situação geopolítica mundial”, discorda Álvaro Mendonça e Moura, líder da CAP, preferindo destacar as oportunidades que se abrem para outros produtos nacionais.

Azeite, vinho e queijos “embalam” no Brasil

Com as exportações de azeite a superarem os 1.000 milhões de euros no ano passado, Portugal é o sexto maior produtor mundial e o quarto na Europa. A seguir a Espanha (54%), o Brasil é o segundo destino favorito, com uma quota de 26%.

Com a inclusão deste produto na lista dos que verão eliminadas as tarifas – atualmente suportam uma taxa de 10% –, “este acordo trará uma enorme vantagem económica e de abertura a novos produtores”, frisa a diretora Executiva da Olivum – Associação de Olivicultores e Lagares de Portugal.

“O acordo com o Mercosul será favorável ao azeite português, principalmente para aqueles que já exportam para aqueles países. É uma enorme oportunidade comercial, uma vez que, ao eliminar tarifas elevadas e ultrapassar barreiras comerciais, como regras ou regulamentos pouco claros e procedimentos complicados, torna mais fácil aos produtores e embaladores exportarem para os países incluídos no acordo. É uma abertura de novos mercados e novas oportunidades, e até poderá ajudar pequenas e médias empresas a exportar mais, facilitando toda a parte a burocrática”, resume Susana Sassetti.

Ao eliminar tarifas elevadas e ultrapassar barreiras comerciais, como regras ou regulamentos pouco claros e procedimentos complicados, torna mais fácil aos produtores e embaladores exportarem.

Susana Sassetti

Diretora Executiva da OLIVUM - Associação de Olivicultores e Lagares de Portugal

A atravessar um período de turbulência, também o setor do vinho “sai claramente beneficiado” com este acordo comercial. É que, excetuando o Chile, nos restantes países deste bloco sul-americano as tarifas de importação ascendem atualmente a 36%. “Isto vai tornar os vinhos portugueses mais competitivos no Brasil, onde já temos uma quota de mercado próxima dos 16%”, sublinha Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal.

Nos primeiros nove meses deste ano, os brasileiros compraram 66 milhões de euros e ultrapassaram mesmo os britânicos no último lugar do pódio das exportações setoriais, em valor, a seguir aos Estados Unidos da América (77 milhões de euros) e França (76 milhões de euros). E tirando das contas o vinho do Porto, é mesmo o principal destino.

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal

no caso do leite e dos produtos lácteos, as vendas portuguesas para Mercosul ficaram-se pelos 322 mil euros no ano passado, num volume total aproximado de 50 toneladas de queijo, leite em pó, soro em pó e manteiga. Ainda assim, “o povo brasileiro gosta dos queijos portugueses e está aqui uma oportunidade”, avalia a diretora-geral da Associação Nacional dos Industriais dos Laticínios (ANIL).

“Para a indústria dos laticínios, este acordo pode vir a ser uma oportunidade de exportação porque está previsto que as tarifas vão diminuindo gradualmente até zero. Para o queijo, que tem atualmente uma taxa alfandegária de 26%, são necessários dez anos para chegarmos à taxa zero. Aceder a um mercado sem tarifas é uma oportunidade, já para não falar que é possível aceder a mercados muito grandes”, antecipa Maria Cândida Marramaque.

Maria Cândida Marramaque, diretora-geral da Associação Nacional dos Industriais de Laticínios (ANIL)

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