Kit de sobrevivência para navegar no tsunami das bolsas

- Luís Leitão
- 9 Abril 2025
Os mercados estão nervosos e em crise. Compreenda o caos das bolsas (e não só) com 10 perguntas e respostas para atravessar esta tempestade e proteger a sua carteira.
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O que está a acontecer nos mercados e quão grave é a situação?
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Por que razão as tarifas impostas por Trump causaram tanta turbulência nos mercados?
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Esta queda nos mercados é diferente das anteriores?
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Devo vender as minhas ações agora e esperar por dias melhores?
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Por que é que o dólar não está a funcionar como refúgio habitual nesta crise?
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O ouro tem sido um bom ativo de refúgio?
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Qual é a estratégia de Donald Trump com estas tarifas e o que está por trás da sua política comercial?
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Como é que a Fed poderá reagir a este cenário de tarifas e queda nos mercados?
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A que sinais devo de estar atento para saber se o pior já passou?
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O que se pode esperar nos próximos dias e semanas?
Kit de sobrevivência para navegar no tsunami das bolsas

- Luís Leitão
- 9 Abril 2025
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O que está a acontecer nos mercados e quão grave é a situação?
A situação é extremamente volátil. Em apenas dois dias após o anúncio das tarifas por Trump, o S&P 500 caiu cerca de 10,5%, o equivalente a quase dois terços das perdas que o índice norte-americano acumulou desde a tomada de posse de Donald Trump a 20 de janeiro. Com igual estrondo reagiu o tecnológico Nasdaq, ao perder 11,4% nas mesmas duas sessões de bolsa, entrando oficialmente em território de “bear market” (queda superior a 20% face ao pico recente), assim como o índice de pequenas e médias empresas norte-americanas (o Russell 2000). E esta terça-feira, tanto o S&P 500 como o Nasdaq, subiram mais de 2,5%.
Para compreender a magnitude do momento, basta olhar para o comportamento do índice VIX, conhecido como o “índice do medo”, que disparou para os 47 pontos na sexta-feira, renovando assim máximos alcançados pela última vez na altura da pandemia, e esta terça-feira chegou a cair 22,4% até aos 36,5 pontos, acabando por fechar com uma valorização de 11,4% face ao fecho de segunda-feira acima dos 52 pontos.
O mais alarmante é que esta turbulência tem sido comparada com episódios históricos como o crash de 1987, a crise financeira de 2008 e o colapso dos mercados durante a pandemia de 2020. Estamos, sem dúvida, a enfrentar um dos períodos mais desafiantes nos mercados financeiros recentes.
Proxima Pergunta: Por que razão as tarifas impostas por Trump causaram tanta turbulência nos mercados?
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Por que razão as tarifas impostas por Trump causaram tanta turbulência nos mercados?
A magnitude da reação dos mercados às tarifas de Trump pode parecer desproporcional à primeira vista, desde logo porque, durante toda a sua campanha eleitoral, Trump evocou esta ideia, mas há razões sólidas para este pânico. Desde logo a subida generalizada e cega das tarifas sobre a importação de todos os bens importados (algo que poucos acreditavam que seria possível), com alguns países a serem severamente penalizados, com tarifas acumuladas acima dos 100%, como sucede com a China.
Em função deste choque e da extensão das implicações que esta política poderá gerar, o Goldman Sachs aumentou a probabilidade de os EUA entrarem em recessão para 45%, face a uma probabilidade de 35% na semana passada. E mesmo essa previsão pressupõe que muitas das tarifas sejam negociadas ou reduzidas. Caso contrário, “esperamos alterar a nossa previsão para uma recessão”, afirmou Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs numa nota enviada aos clientes do banco.
Por trás do pânico está também o receio de uma guerra comercial global prolongada, com retaliações crescentes. A China já anunciou uma taxa de reciprocidade de 34% sobre produtos americanos, e cada nova retaliação amplia o risco de um círculo vicioso que pode prejudicar gravemente o crescimento económico global. Como resumiu um analista da Nuvama, as tarifas de Trump parecem estar a “destruir a Pax Americana [hegemonia dos EUA] em vez de a reorganizar”.
Proxima Pergunta: Esta queda nos mercados é diferente das anteriores?
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Esta queda nos mercados é diferente das anteriores?
Esta correção das bolsas possui características verdadeiramente únicas quando comparada com episódios anteriores de stress nos mercados.
- Primeiro, as previsões de lucros das empresas praticamente não mudaram, apesar da queda acentuada nos preços das ações. Os analistas reduziram as suas estimativas de lucros para empresas do S&P 500 em apenas 1,7% desde o início de 2025, enquanto o índice caiu mais de 15%. Isto sugere que esta queda é principalmente impulsionada pelo medo, não por uma deterioração dos fundamentos das empresas.
- Segundo, o dólar enfraqueceu à boleia das quedas do índice S&P 500, o que é bastante incomum. Desde a crise financeira de 2008, quando as ações norte-americanas caíam, o dólar tipicamente fortalecia-se como um refúgio seguro. Desta vez isso não está a acontecer, o que é mais semelhante ao padrão observado após o estouro da bolha das dot-com em 2000.
- Terceiro, esta correção dos mercados é impulsionada por fatores técnicos e não por fundamentos económicos ou empresariais, segundo uma análise recente do UBS. É uma crise desencadeada por políticas, o que a torna mais suscetível a uma recuperação rápida do que, por exemplo, uma crise motivada puramente por fatores económicos.
Proxima Pergunta: Devo vender as minhas ações agora e esperar por dias melhores?
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Devo vender as minhas ações agora e esperar por dias melhores?
A resposta curta é: provavelmente não. Embora o mercado possa cair ainda mais no curto prazo, historicamente, os períodos de stress no mercado ofereceram consistentemente recompensas de longo prazo para investidores diversificados que conseguem olhar além da volatilidade momentânea e manter o rumo.
Segundo o UBS, desde 1945, nas 12 ocasiões em que o S&P 500 caiu 20% ou mais desde o seu pico, o índice gerou ganhos positivos em 67% das vezes no ano seguinte (retorno médio de 12,9%), subindo para 91% ao longo de três anos (retorno médio de 29,2%) e 100% ao longo de cinco anos (retorno médio de 52,7%).
Além disso, mantendo-se exposto ao mercado também reduz o risco de perder os “melhores dias”, que frequentemente ocorrem durante períodos de elevada volatilidade.
Proxima Pergunta: Por que é que o dólar não está a funcionar como refúgio habitual nesta crise?
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Por que é que o dólar não está a funcionar como refúgio habitual nesta crise?
O comportamento do dólar nesta crise tem sido particularmente interessante e atípico. O Índice do Dólar (DXY) — que estabelece o valor do dólar face a um cabaz de seis moedas — está a negociar em níveis abaixo do que antes do anunciou das tarifas recíprocas, apesar da volatilidade nos mercados. Isso contrasta fortemente com crises anteriores como a de 2008, a pandemia de Covid-19 e o período de correção dos mercados em março de 2022, quando o dólar funcionou como um refúgio seguro. Este comportamento incomum pode ser explicado por vários fatores:
- Se tarifas mais altas enfraquecerem a economia dos EUA, a Reserva Federal (Fed) tem muito mais espaço para flexibilizar a política monetária do que os seus homólogos, o que potencialmente enfraqueceria o dólar.
- Como esta crise é impulsionada por políticas comerciais e não por uma falha sistémica no sistema financeiro, não há uma corrida desesperada por liquidez em dólares como se assistiu em 2008.
- Há evidências de que alguns participantes do mercado podem estar a diversificar as suas exposições de longo prazo em ativos denominados em dólares devido à incerteza atual.
O UBS espera que o dólar possa enfraquecer ainda mais se a Fed cortar as taxas de juros mais rapidamente do que o esperado em resposta a um crescimento mais moroso da economia dos EUA.
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O ouro tem sido um bom ativo de refúgio?
O ouro, tradicionalmente considerado um porto seguro em tempos de crise, tem apresentado um comportamento volátil que pode confundir muitos investidores. Apesar da turbulência nos mercados, a cotação do metal dourado caiu cerca de 4% desde o anúncio das tarifas.
Este comportamento, não é completamente inesperado. Durante períodos de stress extremo no mercado, os investidores, por vezes, são forçados a vender ativos como o ouro para satisfazer as “margin calls” (numa tradução livre: chamadas de margem). Essencialmente, significa que os investidores são “obrigados” a vender o que podem, não necessariamente o que querem. Este fenómeno foi observado em crises anteriores, em que investidores com posições alavancadas precisaram de liquidar rapidamente ativos para cobrir perdas noutras áreas da sua carteira.
Apesar desta volatilidade de curto prazo, o UBS e outras casas de investimento mantêm uma visão otimista para o metal dourado. Numa nota enviada esta terça-feira aos seus clientes, o banco suíço refere que a esta recente queda “oferece uma boa oportunidade para investidores que procuram aumentar a exposição a um ativo que continuará a oferecer benefícios de diversificação de carteira, particularmente contra cenários negativos relacionados com tarifas, geopolítica ou economia”, apontando ainda a cotação do ouro até aos 3.200 dólares a onça.
Proxima Pergunta: Qual é a estratégia de Donald Trump com estas tarifas e o que está por trás da sua política comercial?
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Qual é a estratégia de Donald Trump com estas tarifas e o que está por trás da sua política comercial?
A estratégia comercial do presidente dos EUA tem sido objeto de muitos debates e especulações Embora alguns analistas sugiram que Trump está deliberadamente a provocar turbulência nos mercados como parte de uma estratégia mais ampla, representantes da sua Administração como Kevin Hassett, diretor do Conselho Económico Nacional da Casa Branca, negam veementemente esta interpretação.
“Ele não está a tentar afundar os mercados. Ele está a tentar entregar resultados para os trabalhadores americanos”, afirmou Hassett na segunda-feira no programa “This Week” da ABC, enfatizando que “não é uma estratégia para os mercados desabarem”. Esta declaração veio após Trump partilhar um vídeo nas redes sociais que sugeria que ele estava intencionalmente a derrubar o mercado como parte da sua estratégia económica.
Apesar de algumas dúvidas, é certo que Trump está comprometido com esta visão protecionista há muitos anos, como mostram vários dos seus discursos. “O conceito de tarifas e política comercial está tão profundamente enraizado na mentalidade de Donald Trump que não prevejo que seja abandonado”, referiu Michael Rosen, diretor de investimentos da Angeles Investments, à Reuters. Em outras palavras, esta não é uma tática temporária, mas sim uma convicção profundamente enraizada no presidente dos EUA.
O objetivo declarado de Trump é reduzir o défice comercial dos EUA e trazer empregos de volta para o país. No seu cálculo político, o presidente dos EUA parece acreditar que os benefícios para os trabalhadores americanos em setores específicos compensam os custos mais amplos para a economia e os mercados.
Proxima Pergunta: Como é que a Fed poderá reagir a este cenário de tarifas e queda nos mercados?
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Como é que a Fed poderá reagir a este cenário de tarifas e queda nos mercados?
A Reserva Federal dos EUA (Fed) enfrenta um dilema complexo neste momento. Por um lado, as tarifas tendem a ter um efeito inflacionário, aumentando os preços ao consumidor nos EUA. Por outro, a desaceleração económica resultante e o stress nos mercados financeiros poderiam exigir uma política monetária mais contracionista.
Segundo a análise do UBS, a Fed deverá priorizar o crescimento e a estabilidade financeira se o mercado de trabalho enfraquecer ou se as quedas dos mercados forem persistentes.
Embora as tarifas inicialmente elevem a inflação nos EUA, uma procura doméstica muito mais fraca é uma força deflacionária, que poderia mais do que compensar o impacto das tarifas a médio prazo. Além disso, “as expectativas de inflação implícitas no mercado a longo prazo moveram-se para baixo nas últimas duas semanas, o que pode reforçar o provável foco da Fed em apoiar o crescimento em vez de combater a inflação”, referem os analistas do UBS.
A cerca de um mês da próxima reunião da Fed, os traders de taxas de juro atribuem uma probabilidade de 75% de Jerome Powell anunciar um corte de 25 pontos base das Fed Funds na reunião de maio, ao mesmo tempo que apontam para cinco cortes de 25 pontos base até ao final do ano, segundo a ferramenta FedWatch. Esta flexibilização da política monetária poderá potencialmente ajudar a estabilizar os mercados e apoiar a economia, embora o timing e a magnitude dos cortes de taxa dependam da evolução dos dados económicos e da situação dos mercados.
Para contexto histórico, é importante notar que mudanças na postura política da Fed desempenharam um papel importante na determinação de fundos de mercado em 2018, 2020 e 2022, o que sugere que sinais claros de flexibilização monetária poderiam ser um catalisador chave para uma eventual recuperação do mercado.
Proxima Pergunta: A que sinais devo de estar atento para saber se o pior já passou?
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A que sinais devo de estar atento para saber se o pior já passou?
Os investidores devem estar atentos a vários indicadores que podem sinalizar que os mercados possam ter batido no fundo, estando prontos para uma recuperação. Entre esses pontos de inflexão estão:
- Notícias de alerta: Qualquer sinal de moderação das tarifas e da política comercial seria positivo para os mercados. Entre esses sinais estão atrasos, objeções do Congresso, medidas cautelares judiciais ou reversões de política da administração Trump.
- Evidência de que as tarifas estão a ceder: O UBS considera que, caso as taxas aduaneiras efetivas dos EUA caminhem para o intervalo 10-15%, os mercados podem estabilizar, “embora até agora a administração Trump pareça estar a negociar com parceiros comerciais mais pequenos.”
- Política da Fed: Mudanças na postura da política monetária da Reserva Federal dos EUA também podem ajudar a estabelecer uma mudança do ciclo dos mercados, “particularmente se a Fed priorizar preocupações com crescimento e estabilidade financeira”, salientam os analistas do UBS.
Proxima Pergunta: O que se pode esperar nos próximos dias e semanas?
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O que se pode esperar nos próximos dias e semanas?
No curto prazo, os especialistas antecipam que a volatilidade seja uma constante. Mais ainda com base numa série de desenvolvimentos que ganharão novos episódios nos próximos dias:
- Primeiro, as negociações entre os EUA e os seus parceiros comerciais serão cruciais. Mais de 50 nações já iniciaram negociações com os EUA desde o anúncio das tarifas. O secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, sugeriu que as tarifas poderiam permanecer em vigor “por dias e semanas”, indicando que podem ser uma tática de negociação.
- Segundo, se a volatilidade persistir durante muitos dias, é possível assistir-se a intervenções dos bancos centrais e dos governos. No entanto, tanto a Fed como o Banco de Inglaterra já demonstram que os bancos centrais não consideram que, para já, a turbulência dos mercados possa reverter a sua política monetária.
- Terceiro, os dados económicos e principalmente os resultados do primeiro trimestre das empresas, que começarão a ser apresentados em breve, serão observados de perto para sinais de como a economia está a ser afetada pelas tarifas.