O crescimento do século. De Pina Moura a Mário Centeno

No início do século ouvíamos o “Can’t get you out of my head” de Kylie Minogue, a economia crescia, e a reforma de Pina Moura ficava na gaveta. Hoje vamos pelo mesmo caminho, ao som do Despacito.

O crescimento da economia “iguala o maior valor do século”, diz Mário Centeno. Os números do INE apontam para “o segundo trimestre consecutivo com as maiores taxas de crescimento do século”, afiança João Galamba. “Estes dois trimestres consecutivos a crescer 2,8% significam que seguramente este ano vai ser o ano de maior crescimento da economia portuguesa desde o princípio do século”, confirma António Costa.

Não fossem os socialistas tão humildes, até poderiam dizer que a economia se prepara para o melhor ano do milénio. Ainda faltam 983 anos para terminar o milénio, mas vamos bem lançados.

A economia está a crescer 2,8% ao trimestre, algo que só vimos acontecer fugazmente em 2007, com José Sócrates, e no início do século com António Guterres. É o pleno socialista.

O que mudou desde 2001 até agora no país? Na altura, o “Can’t get you out of my head” de Kylie Minogue estava no top em Portugal. Hoje é o Despacito. O Porto tinha sido capital europeia da cultura e hoje concorre para ficar com a Agência Europeia de Medicamentos. Na viragem do século, estávamos todos assustados com o bug do milénio e hoje é o WannaCry que faz as delícias dos piratas da net. Vínhamos da Expo’98 e preparávamos a construção de dez estádios para receber o Euro 2004. Hoje vemos alguns dos estádios às moscas e o país vai engalanar-se para receber o Festival da Eurovisão. Ao fim de 18 anos de jejum, o Sporting conquistava finalmente o título de campeão nacional. Hoje, luta com o Benfica e o Porto para quebrar um jejum que já vai em 15 anos.

Mas e a economia?

Na viragem do século Portugal crescia a um ritmo superior a 3%. O barril do petróleo valia 20 dólares e nos EUA terminava a era dourada de Bill Clinton. As dotcom insuflavam a economia e o fenómeno do capitalismo popular, iniciado por Cavaco e prolongado por Guterres, culminava na segunda e terceira fases de privatização da EDP. No dia 1 de janeiro de 2002, as caixas de Multibanco começaram a dar euros e houve muitos portugueses que pensaram que já podiam gastar como os alemães.

Portugal terminou 2000 com um crescimento de 3,8% e 2001 com 1,9%. O crescimento foi alimentando o “monstro”, — como lhe chamou Cavaco Silva para desancar Guterres, — em nome do Estado Social. No meio de tamanha fartura houve quem se lembrasse da história da cigarra e da formiga. Em junho de 2001, o então ministro das Finanças Pina Moura apresentava um pacote de 50 medidas do programa de reforma da despesa pública.

Uma das ideias, na altura, era criar um ‘financial controller‘ para cada um dos ministérios. Esta e as outras 49 medidas de Pina Moura nunca saíram do papel. Algumas sairiam da gaveta dez anos depois com o programa de resgate do troika.

Chegou o 11 de setembro e caíram as Torres Gémeas. Desde 2001 até 2016, a nossa economia tem registado um crescimento médio de 0,29% ao ano. Então porque é que a economia desatou a crescer este ano 2,8%?

Portugal é uma economia periférica e muito aberta ao exterior. É mais penalizada quando as coisas correm mal na Europa e uma das que mais recupera quando a economia dá a volta, porque parte naturalmente de uma base mais baixa. A política de reposição de rendimentos propalada pelos socialistas ajudou naturalmente a espevitar a procura, o petróleo está nos 50 dólares, — longe dos 146 dólares de 2008, — e os juros estão em mínimos históricos, permitindo ao Estado poupar no seu financiamento e às famílias na prestação da casa. O turismo está a crescer desalmadamente, Espanha cresce mais de 3%, a Europa puxa por nós e os fundos comunitários estão em velocidade cruzeiro e ajudam a disfarçar a pobreza do investimento.

Aqui chegados, e sem querer ser desmancha-prazeres, seria novamente altura de lembrar a história da cigarra e da formiga. As grandes reformas não se fazem quando o país está em recessão (como tentaram Paulo Portas e Passos Coelho com o Guião da Reforma do Estado) porque custam dinheiro e podem ser pró-cíclicas , mas quando a economia está a crescer como agora.

E o país precisa de reformas nestas três áreas:

  1. Contas públicas. Olhando para as 50 medidas de Pina Moura, muito ainda falta fazer daquela lista. A redução do défice não pode ficar assente exclusivamente no crescimento económico e nos estabilizadores automáticos. Muito menos em cativações, perdões fiscais, reavaliação de ativos e cortes agressivos no investimento público. Tem de ser sustentável e persistente para não alimentar o “monstro” que é a dívida pública que vai no número obsceno de 250 mil milhões de euros.
  2. Investimento. O investimento público não é o único a minguar. Desde 1997, perdemos capacidade de atrair novas Autoeuropas para o país. No espaço de duas décadas, o nível de investimento em Portugal caiu de 30% para 14,8% em 2016. Na Irlanda é de 28,8%, na Bélgica de 22,4%, em de França 22% e na de Alemanha 19%. A culpa não é de António Costa, que o problema já vem de trás. Mas rasgar o acordo entre o PS, CDS e PSD sobre o IRC foi um preço demasiado alto a pagar para agradar à geringonça. Reverter esta reversão seria um bom serviço prestado ao país. E a AICEP deveria começar a trabalhar à irlandesa em vez de servir apenas para colocar boys e amigos.
  3. Educação. É talvez o maior dos problemas do país. Portugal é o país da União Europeia com maior proporção da população ativa com no máximo o 3ª ciclo do ensino básico (50%). Mais do dobro da média na Europa (19,8%). É o quinto país na União Europeia com a mais baixa proporção da população ativa entre os 15 e os 74 anos com ensino superior (24,3%), quando a média europeia é de 32%. Resultado: trabalhamos mais horas, mas a nossa produtividade é das mais baixas da Europa. Em consequência, o nosso salário médio (17.297€ por ano) é metade daquilo que se paga na União Europeia (33.774€).

Podemos tentar fazer nós estas reformas enquanto o ciclo económico de crescimento é propício. Ou podemos ficar a admirar o maior crescimento do século de 2,8% e esperar que daqui a dez anos alguém as venha fazer por nós.

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