A propósito da revisão do Estatuto do Ministério Público
O Estatuto do Ministério Público Importa, assim, a todos os cidadãos e não somente ao Ministério Público, aos Juízes, aos Advogados e demais profissionais da área da Justiça.
A revisão do Estatuto do Ministério Público, em fase de início de procedimento legislativo, constitui-se como um momento significativo para todo o sistema de justiça.
Importa, assim, a todos os cidadãos e não somente ao Ministério Público, aos Juízes, aos advogados e demais profissionais da área da Justiça.
Tanto mais que o projeto de diploma apresentado a consulta pelo Ministério da Justiça se revela como uma alteração de âmbito mais profundo e mais vasto, do que aquela que resultaria de uma mera adaptação do EMP à nova organização judiciária decorrente da entrada em vigor da LOSJ.
Efetivamente, impõe-se um repensar da estrutura organizativa e da carreira que permita uma resposta adequada aos desafios de um mundo global e complexo, mas desigual, e cada vez mais digital, com manifestos reflexos nas diversas funções e atribuições do Ministério Público português, desde logo a direção da investigação e o exercício da ação penal.
Importa, contudo, manter a raiz matricial desta magistratura no respeito pelo desenvolvimento das funções diversas e múltiplas que histórica e tradicionalmente lhe estão atribuídas no quadro constitucional consagrado.
A autonomia do Ministério Público constitucionalmente consagrada, enquanto pressuposto essencial da independência dos tribunais, constitui-se como um dos princípios basilares do Estado de Direito democrático. Quer na perspetiva da autonomia externa, face aos demais poderes executivo ou legislativo e ao Juízes, quer no plano interno da autonomia do magistrado no despacho do processo que lhe está distribuído, com possibilidade de uma intervenção hierárquica em termos claramente definidos no Código de Processo Penal e no estatuto.
E, também nessa medida, se pode considerar como condição necessária de um modelo processual penal de natureza acusatória com princípio da investigação.
Recorde-se a jurisprudência mais recente do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e do Tribunal de Justiça da União Europeia quanto à exigência de a autoridade judiciária responsável pelo exercício da ação penal e pela investigação não depender por qualquer forma do poder executivo.
Ora, considerando-se dever o Estatuto do Ministério Público necessariamente compaginar-se no quadro destes princípios afigura-se, assim, como positivo o facto de o presente projeto consagrar, “manter”, uma distinção clara quanto às competências do Procurador-Geral da República, enquanto responsável máximo da hierarquia do Ministério Público e do respetivo funcionamento, e atividade e as competências do Conselho Superior do Ministério Público, relativas à avaliação de mérito, disciplina e colocação de magistrados.
Esta separação e distinção de competências entre a entidade que exerce funções hierárquicas e a que avalia o mérito, classifica, sanciona e procede à colocação traduz-se numa verdadeira garantia da autonomia (interna) do magistrado no exercício da sua função processual, bem como da autonomia externa desta magistratura.
A composição múltipla do CSMP, com representação da Assembleia da República e do Governo a par de membros oriundos do Ministério Público, revelando-se como essencial no acompanhamento da ação desenvolvida pelos magistrados e na sindicabilidade da respetiva atividade, apreciada de forma genérica, não permite a admissibilidade de competências que por qualquer forma possam levar à interferência na condução de processos concretos.
O equilíbrio do exercício das competências próprias do Procurador-Geral e de toda a hierarquia e o do exercício das competências do CSMP – entidade que integra a Procuradoria-Geral da República – enquanto reflexo do encontro de duas fontes de legitimação, podem, assim, considerar-se como condição essencial para a verificação das circunstâncias que permitem o efetivo cumprimento da autonomia.
Tal equilíbrio passa, igualmente, por manter a competência do Procurador-Geral para a iniciativa de proposta ao CSMP dos nomes indicar para os lugares de Procuradores-Gerais Adjuntos nos Supremos Tribunais, nas auditorias, no conselho Consultivo, bem como para o lugar de Diretor do DCIAP, e de Procuradores Gerais Distritais.
Do mesmo modo, quanto aos agora previstos Departamentos Nacionais bem como às Coordenações Nacionais, estruturas da PGR, com meras funções de coordenação, no cumprimento das estratégias e objetivos definidos pelo Procurador-Geral da República.
A criação destes Departamentos Nacionais – Departamento Central de Contencioso do Estado, Departamento de Relações Internacionais e Cooperação Judiciária e Departamento de Tecnologias e Sistema de Informação, bem como as Coordenações Nacionais, representam um significativo avanço na adaptação da estrutura organizativa do Ministério Público às exigências que atualmente se lhe colocam.
Proporcionam e desenvolvem a articulação entre estruturas de jurisdições distintas, por temáticas diversas e permitem uma abordagem integrada da ação do Ministério Público.
Igualmente positiva se nos afigura a definição do exercício substantivo e processual da hierarquia por referência aos órgãos que detêm tais competências, aos seus dirigentes e aos magistrados que aí exercem funções. Ou seja, a consagração da denominada hierarquia funcional. O que determina a necessidade de uma clara definição das competências de cada um dos órgãos, das respetivas estruturas e interdependência hierárquica.
O princípio do provimento dos lugares, nos órgãos e estruturas de natureza especializada – algumas por referência aos juízos existentes, outras por reporte às especificidades das funções próprias do Ministério Público – por procedimento concursal, baseado na classificação de mérito e um mínimo de tempo de serviço, mas também em avaliação curricular, definida de acordo com os lugares a prover, possibilita a consagração da especialização e permite o acesso a estes lugares dos magistrados melhores classificados e mais capacitados.
Tal capacitação decorre da frequência e aprovação em cursos de especialização a organizar pelo CEJ, o que permitirá condições de igualdade para todos os magistrados no preenchimento deste requisito de acesso.
Estruturando-se, agora, a carreira em duas categorias, a de Procurador da República e a de Procurador-Geral Adjunto, o acesso a esta categoria efetua-se por concurso, a apreciar por um júri, de entre magistrados com 25 anos de serviço e nota de mérito. Importa, aqui, clarificar o projeto de diploma, distinguindo claramente o acesso à categoria da colocação posterior nos lugares de Procurador-Geral Adjunto a preencher de acordo com as vagas existentes.
Estes são algumas das notas que consideramos importantes a propósito do projeto de revisão do Estatuto do Ministério Público ora em apreciação, que saudamos nas suas linhas gerais, as quais esperamos não sofrerem alterações estruturais no processo legislativo ora iniciado.
Mas o que decididamente importa é a imperiosa necessidade que esta revisão se constitua como um necessário reforço da organização do Ministério Público para um cabal exercício das atribuições constitucionalmente atribuídas. O que implica uma recusa determinada de qualquer eventual e velada tentação de “subtis” alterações que ponham em causa a autonomia do Ministério Público.
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