Se, em 2008, "os reguladores não estavam preparados para pressentir ou prever a crise", hoje, caem no exagero para evitar uma nova crise. Quem o defende é Maria Cândida Rocha e Silva, do Carregosa.
Onde estava quando o Lehman Brothers faliu? A meio de um “caminho em contraciclo” com o que era percorrido pelo banco norte-americano que acabou por colapsar, Maria Cândida Rocha e Silva vivia dias de “entusiasmo” quando a maior falência da história deu entrada na justiça norte-americana. A fundadora e presidente do conselho de administração do Banco Carregosa acabara de receber, dois meses antes, a licença bancária que autorizou a passagem da antiga casa de câmbios L. J. Carregosa a banco, mas o momento não deixava de ser pesado. “No sistema financeiro, que se julgava até então inabalável, os comportamentos mudaram e toda a gente passou a olhar o mundo com outros olhos”. A lição, considera, poderá ter sido não só aprendida, como assimilada em demasia. Hoje, acredita que há um “excesso de regulação”.
A dez anos de distância, a banqueira resume as aprendizagens de uma década numa lição: “Não há gigantes que não tenham ou não possam ter pés de barro, com impacto na segurança do sistema financeiro, que importa defender”.
Era esse ensinamento que, então, parece ter faltado a todos. “Os reguladores não estavam preparados para pressentir ou prever a crise, deixando escapar a atuação de um banco de investimentos — que não era bem isso — que se tinha dedicado a outras áreas onde não atuava com a maior das lisuras, ou transparência, como agora gostamos de dizer”.
Os reguladores não estavam preparados para pressentir ou prever a crise, deixando escapar a atuação de um banco de investimentos — que não era bem isso — que se tinha dedicado a outras áreas onde não atuava com a maior das lisuras.
O colapso do Lehman evidenciou a “necessidade de rever regras e procedimentos”, mas, chegados aqui, Maria Cândida Rocha e Silva vê regras a mais. “Como muitas vezes acontece, está-se a cair no exagero no sentido inverso, com excesso de regulação, que coloca um peso excessivo sobre os bancos, muito em especial — porventura inadvertidamente — sobre os mais pequenos”.
Mesmo assim, a presidente do Carregosa vê progressos no reforço da solidez financeira a nível mundial. “Não obstante haver um novo quadro competitivo introduzido pela regulação, muito desafiante para o setor, foi feito um grande esforço para reforçar a resiliência do sistema financeiro global, que está hoje mais robusto, e esse aspeto deve ser salientado”.
A 13 de setembro de 2008, no fim de semana em que já se discutia a insolvência do Lehman e a dois dias de o banco declarar falência, nem um vestígio do que se passava nos Estados Unidos nas capas dos principais jornais portugueses. Enquanto equipas de banqueiros se reuniam na Reserva Federal de Nova Iorque a um sábado, para discutir a situação do Lehman Brothers depois de Henry Paulson, então secretário de Estado do Tesouro, ter deixado claro que não seriam disponibilizados dinheiros públicos para resgatar o banco, por cá, o foco era a política nacional.
O Diário de Notícias destacava o aumento de tensão entre o Governo de José Sócrates e Aníbal Cavaco Silva, na altura Presidente da República. “PS recusa ceder a Cavaco e mantém estatuto dos Açores”, escrevia este jornal na capa, sobre o novo Estatuto Político-Administrativo dos Açores, que então estava pronto para entrar em vigor e que merecia críticas do Presidente.
Ainda no campo político, mas noutro setor, o Público fazia manchete com a transferência de competências para as câmaras na área da educação, um assunto que hoje volta a marcar a agenda noticiosa. “Contrato para a educação está a ser rejeitado por várias câmaras”, incluindo a de Lisboa, escrevia o jornal.
Já a edição de fim de semana do Jornal de Negócios dava espaço aos números do emprego, noticiando que “30% dos novos empregos da era Sócrates estão no estrangeiro” e que o número de residentes a trabalhar fora tinha disparado 130%. O mesmo jornal escrevia também sobre a situação de colapso iminente do BPN, que, a dois meses de ser nacionalizado, recorria à banca para reforçar o capital.
Alguns meses antes do colapso do Lehman Brothers, um outro banco esteve em risco de cair. Com a situação financeira do banco de investimento Bear Stearns a degradar-se, os acionistas não tiveram outra hipótese se não aceitar vender o banco ao JPMorgan Chase por 236 milhões de dólares, um desconto significativo face ao que o banco valia alguns meses antes. Segundo avançou a CNN na altura, os dois dólares por ação que o JPMorgan Chase pagou pelo Bear Stearns numa segunda-feira contrastam com os 30 dólares que cada título valia na sexta-feira anterior. E ainda mais com os 159 dólares que cada título custava um ano antes.
Foi há 10 anos que o Lehman Brothers colapsou. O dia 15 de setembro marca simbolicamente o início da maior crise financeira dos últimos 80 anos. ‘Onde estava quando o Lehman faliu?’ é uma rubrica diária, de 1 a 15 de setembro, onde empresários, banqueiros, políticos, economistas e advogados dizem ao ECO como viveram a queda do banco e o que aprendemos com a crise.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Está-se a cair no exagero no sentido inverso”. Há “excesso de regulação sobre os bancos”, diz a presidente do Carregosa
{{ noCommentsLabel }}