Costa segura o doutor Centeno

Se o Plano de Estabilidade mantiver a meta orçamental para 2023 que tinha o PE de 2018, mas com menos crescimento e sem medidas adicionais, ficamos a saber que a sua credibilidade vale zero.

No sábado, o Expresso anunciava na capa “Costa segura Centeno nas Finanças”. A notícia dizia que, caso o Partido Socialista vencesse as eleições em outubro, o ministro das Finanças não quereria continuar no lugar. Fala-se muito que o doutor Centeno quer ser Comissário Europeu ou governador do Banco de Portugal. Mas que o primeiro-ministro teria segurado o seu ministro das Finanças para novo mandato.

Eu acho que o doutor Centeno vai ter a vida facilitada a partir de 6 de outubro. Como acredito que o centro-direita ganhará as eleições, formando governo, não estou a ver o dr. Rui Rio a convidar o doutor Centeno para ministro das Finanças. Pode o doutor Centeno ficar descansado.
Mas vamos admitir, por um momento, que o atual primeiro-ministro consegue voltar a formar uma “geringonça” com o PCP e o Bloco de Esquerda. Uma “geringonça 2”

Qualquer “geringonça 2” será muito mais difícil de concretizar e será muito mais prejudicial ao país.

Será muito mais difícil de concretizar porque aquilo que era a conjuntura do final de 2015 já não se verifica hoje. Por um lado, o PCP já não tem a necessidade de impedir a concessão aos privados dos transportes urbanos. Essa concessão, decidida pelo anterior governo, foi a primeira reversão deste governo. Foi o “preço” que o PCP impôs ao primeiro-ministro para garantir o apoio à “geringonça”. Isto porque havia que salvar os sindicatos afetos ao PCP e manter o controlo de um setor que fazendo greves atrás de greves, prejudica a vida de milhões de portugueses.

Pouco importou ao PCP que a qualidade dos transportes públicos tenha caído significativamente nos últimos 4 anos. Se o PCP se preocupasse mesmo com os trabalhadores portugueses estaria satisfeito com a solução encontrada há 5 anos para os estaleiros navais de Viana do Castelo. Mas o PCP não perdoa (bem como o Bloco) que a recuperação dos estaleiros navais venha mais uma vez provar que o Estado não deve deter nem gerir empresas que produzem bens privados.

O PCP, como bom partido Leninista, sabe que o seu poder não reside nos votos, mas sim na capacidade de manipular a rua e a contestação sindical. O PCP não é um partido de votos, mas sim de massas.

Do lado do Bloco há muita vontade de repetir a “geringonça”, mas agora com o Bloco no Governo. E não é difícil ver qual vai ser o “preço” pedido pelo Bloco: a pasta da educação, do ensino superior, da saúde e da cultura. Onde está a capacidade de manipular a vida das pessoas, afastando os privados dessas áreas, tornando quase todos dependentes única e exclusivamente do Estado. Depois não digam que não avisei….

Ora, uma “geringonça 2” terá custos ainda maiores para Portugal. Será ainda mais radical contra as empresas e a iniciativa privada (até porque a minha geração, agora com 40 anos, que está no Partido Socialista, capitaneada pelo meu ex-colega do ISEG, o ministro Pedro Nuno Santos, é ideologicamente de extrema – esquerda). Teremos o PS a seguir os passos do “Labour” do Sr. Corbyn, renegando a herança moderada do Dr. Soares e do Dr. Zenha?

Mas também para a “geringonça 2” o dr. Costa precisa muito do doutor Centeno. Diria até que quanto mais o dr. Costa precisar da extrema-esquerda, mais precisa do doutor Centeno para, em Bruxelas, contrabalançar o peso do PCP e do Bloco.

O Bloco bem disfarça agora em período eleitoral, criticando o PS. Mas durante quatro anos foram coniventes com todas as medidas que degradaram a qualidade dos serviços públicos. Foram também coniventes com uma política fiscal que para reduzir impostos diretos (IRS), que é popular, agravou em igual medida os impostos indiretos. Ou seja, foram coniventes com uma política fiscal que agravou a regressividade dos impostos.

Mas voltando à notícia do Expresso, não é difícil perceber a razão que leva o doutor Centeno a não querer continuar ministro das Finanças depois de setembro. Admito naturalmente que haja cansaço de quatro anos de funções governativas. Mas a principal razão que leva o doutor Centeno a não querer continuar é que ele sabe bem a herança que deixa ao seu sucessor. Só em promessas feitas nos últimos meses, agrava o défice entre 2020 e 2022 em 1% PIB.

O ministro das Finanças sabe que a consolidação orçamental que apregoa é conjuntural e muito frágil. Não deixa de ser extraordinário o que disse a semana passada ao Financial Times. Por um momento, foi verdadeiro nas palavras. Não na parte de que em 2015 a economia estava estagnada. Como foi referido, em 2014 a economia cresceu abaixo de 1%, tendo crescido 1.8% em 2015. Pelo contrário, foi no 1º semestre de 2016 que a economia desacelerou, o que impediu que em 2016 e 2017 a economia passasse a barreira do crescimento real de 3%.

Os gráficos abaixo mostram bem como no 1º semestre de 2016 a economia Portuguesa abrandou, em termos de crescimento real, de exportações e de investimento:

 

 

Mas foi verdadeiro quando disse que não tinha havido “mudança significativa” na austeridade que vinha do passado. Ele sabe que o que reduziu em IRS compensou nos impostos indiretos. Sabe que para repor salários teve de cortar a fundo no investimento público e aumentar o nível de cativações, prejudicando os serviços públicos.

Sabe também que metade da redução do défice deve-se à redução dos juros e aos dividendos e IRC do Banco de Portugal, fruto da política monetária do BCE.

E sabe que o efeito do crescimento económico, sobretudo por via do turismo e imobiliário, trouxe um aumento de receita fiscal que explica o resto da consolidação orçamental.

Mas sabe também que nada foi feito de relevante para aumentar a competitividade da economia portuguesa, para reformar as Finanças Públicas ou para melhorar a eficiência dos serviços públicos.

Não deixará de ser interessante ver o que hoje, segunda-feira, o Programa de Estabilidade (PE) trará. Face ao PE do ano passado, as previsões de crescimento da economia para 2019 e anos seguintes serão inferiores. Ou seja, teremos uma previsão de menor crescimento do que aquilo que estava no PE apresentado há um ano.

As notícias desde sexta apontam para que o PE não traga medidas para o período 2019-2023. Isso é grave. Quer dizer que por causa das eleições Europeias, o Governo opta por não indicar o que vai fazer nos próximos quatro anos, caso se mantenha em funções (o que neste caso não é necessariamente ser reeleito). Recorde-se que em 2015, o Governo PSD-CDS apresentou no PE aquilo que seriam as suas medidas para a legislatura seguinte. Sem medo ou receios eleitorais.
Isso significa que com menos crescimento, o governo será menos ambicioso na meta do défice.

No PE de 2018 previa-se um excedente nominal de 1.3% do PIB. É verdade que há alguma margem de manobra do efeito “carry-over” de 2018, dado que ao invés de um défice de 0.7% tivemos um défice de 0.5% (o que excluindo “one-offs” significa que ao invés de 0.2% tivemos 0%). Mas com menos crescimento, só será possível atingir a mesma meta do défice com medidas adicionais.

Portanto, se o Plano de Estabilidade (PE) que vai ser apresentado esta segunda-feira tiver a mesma meta orçamental para 2023 que tinha o PE de 2018, mas com menos crescimento e sem medidas adicionais, ficamos a saber o que vale e qual a credibilidade desse documento: zero.

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