Em 2020, a desaceleração imobiliária ou coisa mais feia?
O sistema de preços constitui o elemento essencial de qualquer mercado e o mercado imobiliário não é diferente. Será que esta conjuntura imobiliária está para ficar?
Os preços não costumam enganar e, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os preços das casas em Portugal (leia-se, imóveis residenciais) aumentaram 10,3% no terceiro trimestre deste ano. Recuando no tempo até Junho de 2013, altura em que o índice de preços da habitação do INE atingiu o seu valor mínimo, a valorização acumulada no referido índice é agora de 55%, o equivalente a uma taxa composta superior a 7% ao ano desde então. O chamado “wealth effect” chegou finalmente a Portugal e, sinal destes novos tempos, todos os dias vamos ouvindo relatos de negócios imobiliários que, noutros tempos, seriam considerados mirabolantes. Mas será que esta conjuntura imobiliária está para ficar?
O sistema de preços constitui o elemento essencial de qualquer mercado e o mercado imobiliário não é diferente. O preço é o melhor regulador da relação entre a procura e a oferta. É ao preço que reagem os produtores e os consumidores e, numa altura em que a evolução do nível geral de preços em Portugal é mínima, o incentivo proporcionado pela evolução dos preços dos imóveis vai no sentido do aumento da oferta imobiliária. Nos últimos anos foi isso que aconteceu.
Em 2016, 2017 e 2018, o número de licenças para a construção de habitações novas aumentou 21,5%, 20,3% e 27,0%, respectivamente. Em 2019, a atribuição de licenças para habitações novas voltará a crescer, mas esse crescimento será de menor dimensão.
Nos últimos anos, o imobiliário tem sido uma mina de ouro da economia portuguesa. Para além do efeito de riqueza (“wealth effect”) gerado junto dos proprietários, o negócio imobiliário tem criado muito emprego, propiciando muito investimento privado e muita receita fiscal ao Estado, e estimulando o sector da construção depois de anos muitos difíceis. Zonas que antes estavam decrépitas, estão hoje renovadas. Estão vivas, em benefício do comércio local e também do turismo.
Mas, para quem hoje procura habitação, a escalada dos preços começa a representar um problema relevante, na medida em que os preços se afiguram evidentemente altos para a maioria dos portugueses. E isso começa a notar-se no número de habitações transacionadas em Portugal que, pelo segundo trimestre consecutivo, diminuiu em termos homólogos.
A desaceleração quer do número de transações quer do número de licenças para construção de habitações novas indicia que em breve também o preço final do imobiliário desacelerará. E a razão para isso é que o preço das casas tem aumentado a um ritmo muito superior ao crescimento dos rendimentos familiares, conduzindo o rácio entre os preços dos imóveis e os rendimentos anuais das famílias a um múltiplo que sinaliza território especulativo.
Neste contexto, a oferta que está agora a chegar ao mercado levará mais tempo até ser absorvida pela procura e, não sendo absorvida, acabará por levar à redução dos preços que hoje são relativamente altos. É assim, através dos preços e dos incentivos que estes proporcionam, que se ajustam os desequilíbrios. Sem dramas e tudo a seu tempo.
No terceiro trimestre de 2019 o valor médio das transações imobiliárias no segmento residencial em Portugal foi de 141 mil euros. Mas, ao mesmo tempo, os rendimentos anuais dos agregados familiares portugueses, segundo os últimos dados disponibilizados pela Autoridade Tributária, rondam apenas os 18 mil euros por ano. Ou seja, estamos na presença de um múltiplo médio de aproximadamente 8 vezes, medido através do rácio entre preços e rendimentos no conjunto do território nacional, que numa definição de manual sinaliza bolha especulativa, e que na realidade esconde múltiplos ainda maiores na Área Metropolitana de Lisboa, na região Norte (leia-se no Grande Porto) e no Algarve.
Há vários factores que explicam a escalada dos preços imobiliários e que em geral são também apontados pelos operadores do sector como sendo os mesmos factores que garantirão a sua manutenção no futuro próximo. Para além dos juros baixos do Banco Central Europeu, que têm levado à migração de investimento para o imobiliário, aquele que é mais destacado prende-se com o papel dos investidores estrangeiros. É uma explicação plausível porque os imóveis adquiridos por não residentes têm sido, de facto, adquiridos a prémio.
Segundo o INE, os imóveis urbanos adquiridos por não residentes em 2018 foram transacionados em média por 202 mil euros – quase 50% acima do valor médio nacional de 136 mil euros. Mas os compradores estrangeiros em Portugal – liderados pelos franceses, britânicos e brasileiros – representaram apenas 8% do número total de transações imobiliárias e 13% do valor transacionado em 2018.
Nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto a percentagem de valor transacionado pelos estrangeiros foi até surpreendentemente inferior à média nacional (que está muito influenciada pelo que se passa no Algarve). É, assim, pouco plausível que estes mesmos investidores tenham o efeito de “âncora”, relativamente aos preços, que muitos operadores lhes apontam. Sobretudo numa altura em que o Governo, através do Orçamento do Estado para 2020 – que prevê medidas que penalizarão o regime do alojamento local e, eventualmente, também os beneficiários de vistos “gold” bem como os não residentes habituais –, parece apostado em afugentá-los. Acabar com a riqueza continua a ser a nossa triste sina.
Ao invés de medidas restritivas, a melhor forma de lidar com a valorização imobiliária seria através da criação de condições que propiciassem o aumento da oferta, esperando, ao mesmo tempo, que a prazo os rendimentos das famílias crescessem, para reduzir o múltiplo tanto pelo lado do numerador como pelo lado do denominador.
Na verdade, uma oferta acrescida e uma procura reforçada, permitindo a redução do múltiplo, seria o desfecho desejável porque evitaria quebras de dinâmica no sector, por um lado, e perdas abruptas de valor, por outro. Pelo contrário, a retração da oferta e o enfraquecimento da procura nada trarão de positivo. O nosso historial de rendas controladas e mercados restringidos já nos deveria ter ensinado isso. Mas infelizmente parece que é para esse cenário que caminhamos de novo.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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