Bolt é contra discriminação dos motoristas pela língua

Para o responsável pelo serviço de ride hailing da Bolt, Mário de Morais, a introdução de uma funcionalidade como um filtro por língua pode ser um caminho perigoso e discriminatório.

Mário de Morais não se mostra de todo entusiasmado com a ideia de introduzir um filtro por língua na Bolt em Portugal. A proposta foi avançada aquando da discussão da nova Lei da TVDE, entretanto adiada com a queda do Governo, e nada que a aplicação não tenha implementado em outros mercados internacionais. Mas para o responsável pelo serviço de ride hailing da Bolt esse pode ser um caminho perigoso.

“Preferimos, mais uma vez, discriminar positivamente pela qualidade e premiar bons motoristas no geral. Tudo o que seja discriminação por a língua que o motorista fala ou pelo género que o motorista tem é algo que não traz nada de bom ao setor e não traz qualidade”, argumenta.

Dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), relativos a março, dão conta que 76,4% dos motoristas tinha como língua materna o português. Mais de metade (52,8%) são de nacionalidade portuguesa, seguida da brasileira (20,6%), indiana (10,4%) e paquistanesa (4,7%), com 4,3% dos motoristas nascidos no Bangladesh.

Lançaram, com o IMT e a Uber uma plataforma onde vão despistar “eventuais não-conformidades”. O que procuram? E, na prática, no que resulta?

Quando verificamos uma empresa, verificamos se a mesma existe e se a licença de TVDE está válida. Por defeito, como as licenças têm dez anos, o IMT só vai verificar se a licença existe, porque tem que estar válida, pois o setor não tem dez anos. O mesmo já não é verdade para os motoristas, onde a licença tem cinco anos.

No caso dos motoristas, verificamos a carta de condução, obviamente, se têm todos os averbamentos necessários, licença de TVDE válida. Imaginemos um caso excecional em que um condutor, na sua vida privada, perde pontos e fica sem carta. Como plataforma, a não ser que lhe esteja a pedir constantemente para me atualizar, não saberia, em teoria, se teria a carta válida ou não. Agora sei. E sei a todo momento. É o tipo de não-conformidade que estamos a falar.

Mário de Morais, responsável da operação de Ride-hailing da Bolt em Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Esta plataforma poderá ajudar a contrariar a perceção de que nem sempre o setor é seguro para viajar?

Foi com essa intenção que começámos. Voltando um pouco atrás, se não estiver conforme, obviamente, não deixamos operar. É o acordo que temos com o IMT, porque estamos a fazer algo que vai além da lei, com a intenção que acabou de referir, de credibilizar o setor.

Têm tido casos desse género? Não-conformidades que resultem no afastamento do parceiro, do motorista?

Nós tivemos, se não me engano, 0,03% de não-conformidades. Portanto, foi uma parte, muito, muito pequena. A verdade é que as plataformas, e falo da Bolt em particular, já faziam uma verificação de documentos constante e tentamos pôr no nosso sistema as datas em que expiram para pedir novos documentos. Para nós é normal que não tenha havido uma revolução no setor de um dia para o outro. Mas, efetivamente, ajuda-nos a passar a mensagem a toda a gente que tinha uma perceção que as coisas estavam um bocado uma balbúrdia, que não estão, estavam muito controladas. E passámos o ónus — felizmente temos um regulador que quer esse ónus — para quem o tem.

Não acho que seja um setor inseguro, de todo. Acho que há, muitas vezes, histórias que não correspondem à verdade e, nos casos excecionais, toda a gente atua muito rápido. Hoje em dia, uma plataforma tem toda a informação para atuar em tempo real, em qualquer caso de desconforto, e fazemo-lo, temos todos os processos para isso.

Volto a insistir. Este tipo de medidas ajuda, efetivamente, a criar uma maior perceção de segurança e transparência do setor?

Acho que passa segurança e transmite a mensagem correta a todos os operadores do setor: a plataforma está interessada em ter mais compliance, mais credibilidade e estamos a ver isso. Também passa para o cliente uma perceção de que, afinal, há aqui uma preocupação genuína e há uma validação real.

E destroem-se, se calhar, alguns mitos de perceção de ser um setor inseguro. Não acho que seja um setor inseguro, de todo. Acho que há, muitas vezes, histórias que não correspondem à verdade e, nos casos excecionais, toda a gente atua muito rápido. Hoje em dia, uma plataforma tem toda a informação para atuar em tempo real, em qualquer caso de desconforto, e fazemo-lo, temos todos os processos para isso.

Agora, o público em geral ainda não tinha percebido. E este é o primeiro passo. E volto a frisar, porque acho que isto é um tema muito importante: não existem muitos sítios, mesmo da Europa e em países que às vezes temos como mais regulados, este tipo de integração com o regulador.

Há cerca de um ano tinham lançado a funcionalidade unmatching, impedindo que o cliente viaje mais com aquele motorista. Já têm números? Houve muitos casos?

Não tenho aqui os números claros para lhe dar, mas não é algo que me apareça como das funcionalidades mais usadas. E é uma funcionalidade que o cliente não precisa de conhecer para utilizar: o unmatch é feito quando o cliente dá uma estrela. É automático. É uma questão além da segurança. Se eu dei uma estrela é porque não gostei mesmo da experiência que tive.

Fazem um follow dessa avaliação?

Abaixo de quatro [estrelas na avaliação] perguntamos sempre. O três é uma experiência razoável, mas sem grande gosto. E uma pessoa que der constantemente três, provavelmente vai começar a equacionar outras opções. Agora, mais uma vez, falando de números relativos, o número de uns não cabe nas duas casas decimais da percentagem. São casos muito pontuais.

Estamos apostados em desenvolver funcionalidades que permitam uma comunicação mais fácil, como tradução automática, porque queremos oferecer às pessoas o melhor serviço, uma melhor qualidade, a conduzir e a fazer as viagens. Não distingo uma pessoa que tem cinco estrelas por ela falar uma, duas ou três línguas.

As pessoas queixam-se muito de haver dificuldade na comunicação com os motoristas. Lá fora a Bolt permite filtrar os motoristas pela língua, porque não cá?

Vou dividir aqui em duas partes. O IMT também tem esses dados, porque consolida as plataformas, e neste momento mais de 75% do mercado são falantes de português. Dos outros 25%, há uns que falam, outros que não falam, não é só a nacionalidade que determina se falo a língua.

Estamos apostados em desenvolver funcionalidades que permitam uma comunicação mais fácil, como tradução automática, porque queremos oferecer às pessoas o melhor serviço, uma melhor qualidade, a conduzir e a fazer as viagens.

Não distingo uma pessoa que tem cinco estrelas por ela falar uma, duas ou três línguas. E, efetivamente, há países onde, por imposição legislativa ou porque vimos que havia um mercado que tinha interesse, separámos estas categorias.

Mário de Morais, responsável da operação de Ride-hailing da Bolt em Portugal, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Mas temos muitos turistas, porque não há esse filtro? Não teria de ser só para português.

O maior público é português, nem é estrangeiro no serviço TVDE. Mas voltamos ao mesmo: a facilidade que a aplicação dá, não preciso efetivamente de comunicar a não ser que queira falar com o motorista. Acho que o cliente TVDE ao dia de hoje, turista ou não, quer é esta facilidade de pedir a viagem e depois vai fazer a sua vida no banco do carro.

Acha que uma funcionalidade desse tipo pode ser vista como uma forma de discriminação?

Acho que pode fugir para esse tema e depois levantar questões nesse âmbito. Preferimos, mais uma vez, discriminar positivamente pela qualidade e premiar bons motoristas no geral.

Tudo o que seja discriminação por a língua que o motorista fala ou pelo género que o motorista tem é algo que não traz nada de bom ao setor e não traz qualidade.

Depois, estamos a falar de 800 pessoas que tentaram tirar a licença TVDE, portanto ainda não eram motoristas, seriam futuros motoristas, 30% reprovaram. (…) Ninguém diz que reprovaram porque não sabem o português, porque isto é um exame de TVDE, um exame que tem a ver com condução.

Recentemente, foram feitos 829 exames para licença de TVDE no IMT e 28% dos motoristas chumbaram. A taxa de reprovação foi maior nos alunos que não têm português como língua materna, noticiou a Renascença.

Sempre houve exames e sempre foram em português. O que aconteceu e que a Bolt apoiou, é que a tutela dos exames não estava sobre a tutela do IMT, estava nas escolas de condução. Mas o exame sempre foi em português, e não é um exame de língua portuguesa. É o exame de TVDE, em português.

Mas 30% de chumbos… Sempre foi assim?

É uma excelente questão, quem expõe um dado destes tem que ter uma comparação relativa, não é? Não tenho a comparação relativa, não sei se 30% hoje é pior ou melhor do que era há um ano, quando o IMT não tutelava.

Depois, estamos a falar de 800 pessoas que tentaram tirar a licença TVDE, portanto ainda não eram motoristas, seriam futuros motoristas, 30% reprovaram. Não tendo a comparação relativa, claro que nos preocupa e temos que, se calhar, ajudar a quem quer ser motorista a ter mais ferramentas para o ser, se a questão for a língua, ajudar a fazer parcerias com escolas [de línguas], mas se for o código… Ninguém diz que reprovaram porque não sabem o português, porque isto é um exame de TVDE, um exame que tem a ver com condução.

Mas o que leio, é que 500 novos motoristas estão certificados para entrar. Parece-me extremamente positivo que quem não está preparado, quem não passa num exame da profissão, não a exerça. Quem não passar num exame da Ordem dos Advogados, também não a quero num tribunal a defender um caso.

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