Nuno Gaioso Ribeiro, presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco, fala sobre os problemas que vê no financiamento às empresas em Portugal e o papel da indústria de capital de risco.
Nuno Gaioso Ribeiro é o presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI) e o próprio gere a sua sociedade de capital de risco, a Capital Criativo. Em entrevista ao ECO, fala sobre estas duas experiências, introduz esta indústria a partir do seu negócio e fala sobre o papel do Estado e da banca na economia — mas diz que não chega. A indústria de capital de risco pode vir em auxílio mas ainda há barreiras a ultrapassar. “Faltam investidores”, aponta.
Começando por desmistificar o conceito de “sociedade de capital de risco”. O Nuno já se mostrou discordante em relação à designação “capital de risco”: disse que preferia a expressão “capital empreendedor”. Até onde vai o risco? Quais são os limites?
O risco não é algo necessariamente mau, e existe sempre. O problema é a sua avaliação e também a correlação que existe entre o risco e o retorno. O que nós fazemos na nossa atividade principal — investir em empresas (regra geral não cotadas, ilíquidas) e ajudá-las a desenvolver um plano de negócio — é um tipo de aplicação financeira que comporta um risco mais elevado que alguns investimentos mais tradicionais mas, simultaneamente, tem em termos históricos um retorno mais elevado. Por isso é que a tradução que é feita de private equity, se calhar era mais bem feita como ‘capital empreendedor’, um capital que desenvolve. Em vez de capital de risco que isso assusta automaticamente, quer o mercado de investimento quer os investidores.
Então não há um limite para o risco? É definido caso a caso, consoante o retorno?
Depende do modelo que cada sociedade de capital de risco tiver para desenvolver os seus negócios. Quando um investidor decide investir numa startup, tem uma expectativa de retorno muito diferente de quando investe, por exemplo, numa sociedade consolidada, que tem uma quota de mercado grande.
As empresas que gere, como a Capital Criativo e a C2 Ventures têm, contudo, o mesmo perfil de risco. Prefere este tipo de investimento? Há uma razão?
Eu não prefiro, isto é como as cores: o mercado está fatiado em vários perfis. E eu desenvolvi a minha vida profissional neste. Teoricamente este é interessante. Estamos a falar de uma indústria que cresce a um ritmo gigantesco. Porque é que assim sucede? Porque as aplicações ditas tradicionais cada vez têm retornos mais baixos. Hoje em dia quase que se paga para poder ter capital investido num ativo de perfil de risco muito baixo, como as obrigações do Tesouro alemãs. Este setor tem teoricamente mais retorno, portanto sustenta melhor uma carteira. Isso está demonstrado. Num trabalho que a Deloitte fez para a Associação Portuguesa de Capital de Risco vê-se que o retorno médio dos investidores na nossa indústria tem sido de 11% em termos europeus, estando mundialmente sempre acima dos 10%. As sociedades gestoras que operam no quartil com maior rendimento têm retornos superiores a 20%. Obviamente que, para ter este retorno, voltamos ao risco. Retornos de 25% ao ano durante períodos longos, estamos a falar de operações que têm de ter um risco diferente do imobiliário, de obrigações, de investimentos de renda fixa.
"Hoje em dia quase que se paga para poder ter capital investido num ativo de perfil de risco muito baixo, como as obrigações do Tesouro alemãs.”
Que critérios são chave para uma PME conseguir conquistar a confiança da sua sociedade de capital?
Hoje, a generalidade dos nossos investimentos estão concentrados em pequenas e médias empresas portuguesas, preferencialmente que produzam bens ou serviços transacionáveis (isto é, que sejam competitivos fora do mercado) e que possam crescer a uma velocidade superior à média do mercado. Os produtos ou serviços já estão relativamente testados, já estão desenvolvidos e precisam de capital e de algum apoio no sentido de um parceiro que também os pode apoiar na gestão, acesso ao mercado e nas suas competências para cumprir melhor esse plano de negócios.
Como é que isso acontece? Pode acontecer por várias vias: internacionalização, presença em setores tradicionalmente com grande crescimento — talvez aqui em Portugal, o turismo — ou porque estão em indústrias relativamente fragmentadas e onde é possível fazer aquilo que se chama a consolidação. Onde é possível agregar várias empresas para que ganhem dimensão crítica e sejam mais eficientes na sua operação.
Qual a taxa de sucesso dos investimentos da Capital Criativo?
Neste momento, temos uma carteira de perto de 30 investimentos. Em cada dez investimentos que fazemos, é provável que um ou dois corram mal — ou não tão bem como o esperado –, que cinco ou seis corram em linha com o esperado e que um, dois ou três investimentos possam superar as expectativas. Temos uma carteira relativamente recente, tem uma maturidade média inferior a três anos. Hoje estamos completamente em linha com aquilo que tínhamos planeado. Bom, não planeamos perder. Os incidentes que acontecem são naturais. Investimos em todos, convencidos de que são os melhores que existem no mercado. E temos um ou dois com performance abaixo da esperada.
A Capital Criativo dedica-se a investir na expansão de PME. Porquê esta especialização, em detrimento do investimento em startups, numa altura em que Lisboa capta tantas startups e eventos?
“Cada macaco no seu galho”. Está-se a formar em Portugal uma convicção errada de que o capital empreendedor existe para as empresas em dificuldades e para startups. Mas provavelmente, 90% do Produto [Interno Bruto] e do emprego é gerado por aquelas que estão no meio. Nós temos o tecido que temos, e temos muitas empresas boas em Portugal que, devido a uma conjuntura mais complexa, tiveram restrições financeiras grandes. E que têm capacidade de crescer e sabem fazer coisas bem, e podem crescer e acelerar com um risco diferente. Não tenho nada contra as startups, pelo contrário, são essenciais para o rejuvenescimento do tecido. É diferente, não há um segmento melhor do que outro. E dado o mercado doméstico, há um segmento que queremos entrar ainda este ano, o da restruturação, para fechar o ano com 250 milhões de ativos sobre gestão. Como em todas as atividades, também na nossa, o crescimento é importante e esta é uma área do nosso interesse. Também queremos ter um parceiro internacional que permita alargar competências e acesso a novos instrumentos de financiamento e, portanto, maior capacidade de atuação.
Como presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco, como classificaria a atividade do setor em Portugal? Qual a dimensão e relevância?
Globalmente, a atividade está em crescimento. Hoje existem sob gestão em Portugal cerca de 4,1 mil milhões de euros, e estimamos que esse número possa chegar aos 6.000 milhões, se considerarmos fundos geridos por sociedades nacionais mas cujo capital está sediado no estrangeiro, fora da jurisdição portuguesa. Que preocupação encontramos? O mercado ainda é muito dominado pelo segmento de restruturação, tem mais de dois terços do volume de ativos neste segmento. E é um mercado que sofre hoje de um problema de liquidez.
Há muito, muito pouco capital disponível para nosso investimento, numa altura em que estes capitais vão ser precisos para, esperemos, um novo ciclo económico que esteve durante muito tempo com as suas fontes de financiamento tradicionais afuniladas entre Estado e banca. Porquê? Não temos fundos de pensões privados com grande dimensão e relevância, com grande tradição de investimento no setor, nem temos muitos grupos empresariais com excesso de liquidez que queiram diversificar os seus investimentos nesta indústria. Portanto, isso vai ser a parte difícil: levantar capital para explorar novas oportunidades. Muitas vezes olhamos para as startups ou empresas em restruturação mas, se calhar, há PME muito boas que já crescem bastante e que, se tivessem acesso a mais capital e a algum apoio de gestão, podiam crescer muito mais depressa.
Há muito, muito pouco capital disponível para nosso investimento numa altura em que estes capitais vão ser precisos para, esperemos, um novo ciclo económico que esteve durante muito tempo com as suas fontes de financiamento tradicionais afuniladas entre Estado e banca.
Então os targets [de financiamento] não estão bem definidos na sua opinião?
A nossa indústria cobre todo o tipo de empresas e todo o tipo de estágios de maturidade: desde empresas muito pequeninas até cotadas em quem, às vezes, capitais de risco investem para as retirar de bolsa. A indústria colaborou e foi importante para resolver parte do problema dos chamados non-performing loans na banca [malparado], portanto, está muito concentrada neste segmento de restruturação — devem valer mais de dois terços dos ativos sob gestão — e tem também alguma concentração naqueles investimentos chamados early stage. Era importante que a indústria tivesse também capital disponível para investir noutros segmentos onde está parte significativa da nossa economia, e que são muito importantes para o novo crescimento. Estamos a falar de empresas exportadoras, de uma coisa muitíssimo importante onde não há capital hoje, em Portugal, que é fazer operações de consolidação empresarial chamadas buy and build, criar grupos de maior dimensão aglutinando vários operadores em mercados atomizados. Se tivéssemos a imagem de várias gavetas, era importante na indústria que todas as gavetas tivessem capacidade de atuação.
O que falta para destrancar essas outras gavetas?
Faltam investidores. O nosso mercado é muito reduzido, não é um mercado muito procurado por investidores internacionais. O fundo de estabilização da segurança social era importante que investisse. Não há fundos de pensões de grande escala de investimento nem empresas de grande dimensão — estou a falar de seguradoras ou de utilities –, que possam utilizar parte dos meios libertos para diversificar risco. Não tem havido essa apetência. Eu diria que é um duplo trabalho da nossa indústria de convencimento desses investidores, de que vale a pena diversificarem um pouco a sua atividade e terem alguns investimentos no setor de risco — para isso, a indústria também tem de mostrar provas de competência, que é capaz de entregar resultados e de que há boas oportunidades — simultaneamente uma abertura desses investidores para investir.
O financiamento da banca — agora que estão a arrumar a casa, a limpar o crédito mal parado — está mais fácil?
Não, não diria que o financiamento está mais fácil, isso seria mau. O que notamos, e que é bom, é que os bancos estão estabilizados em termos de liquidez. Os bancos estão recetivos hoje em dia a financiar projetos bons. Não quer dizer que o financiamento esteja mais fácil mas que os bancos têm mais liquidez para financiar. Se olharmos estatisticamente, assistimos nos últimos cinco, seis anos àquilo a que se chama o processo de desalavancagem — redução do stock de crédito da atividade empresarial. Tem sido reduzido a uma média de cerca de 4%, quando crescia, até 2007/2008, cerca de 6% por ano. Estamos a falar de uma redução da capacidade de financiamento da atividade empresarial muito expressiva nos últimos cinco anos. Houve um período em que essa redução também teve a ver com reduções de liquidez. Diria que hoje estas questões estão ultrapassadas e há esse fenómeno muito positivo. E isso é bom, porque as fontes de financiamento não são exclusivas, no sentido em que se usa capital próprio ou se usa capital alheio. A questão que há é montar financeiramente uma operação equilibrada entre capital próprio e capital alheio.
A banca é considerada uma concorrência?
Na cabeça de muitos empresários empreendedores pode ser, no sentido em que, quando têm de optar podem dizer ‘vou à banca ou vou ali’ [sociedade de capital de risco]. O que estou a dizer é que essa visão é redutora e é errada porque, para o sistema financeiro, é importante que haja empresas capitalizadas e empresas participadas pelas sociedades de capital de risco. Está provado estatisticamente que as empresas financiadas por capital de risco são mais competitivas, aumentam a produtividade e reduzem a taxa de mortalidade: significa que são empresas com menos risco. Logo, para o sistema financeiro, é importante — para que se possa financiar com um risco mais baixo. Para a indústria de capital de risco também é bom que haja uma indústria financeira robusta, porque a maior parte dos projetos não se financia exclusivamente por capitais de risco, nem capitais próprios. É importante para os dois lados, por isso é que andam mais de mãos dadas do que ao empurrão.
Porque é que as empresas financiadas pelas sociedades de capital de risco têm esses resultados tipicamente melhores?
Tipicamente, a banca analisa o risco de financiar uma determinada atividade, faz esse financiamento e esse financiamento tem uma cadência em termos de prazo de pagamento de capital e tem um juro que reflete esse risco. Portanto, as pessoas pagam um risco mais alto ou mais baixo e têm um plano de amortização com um custo extra agregado. O custo não, mas esse plano é independente do sucesso do projeto. É indiferente se a vida profissional nos corre muito bem ou muito mal. Nós [sociedades de capital de risco] não: quando investimos temos algo muito diferente, nós somos sócios da empresa. Significa que, se o projeto correr muito bem, nós podemos vir a ganhar capital como ninguém. Temos uma atividade que pode ganhar ilimitadamente o capital que investe mas que também pode perder tudo. Isto faz com que, enquanto a banca financia e acompanha, eu diria com alguma distância a evolução das empresas — vai recebendo o report, os resultados — nós estamos dentro das empresas. Significa participar na gestão, aconselhar os nossos parceiros na forma de desenvolver o plano de negócios, criar procedimentos de organização, transparência que as torna mais eficientes. Estamos dentro da empresa a melhorar tudo o que pudermos e a correr menos riscos. Não vimos todos os disparates mas já vimos muitos para tentar não repeti-los.
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“Faltam investidores” para as PME… e para o país dar a volta
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