“Foi uma desgraça o que fizeram a Rita Marques. Queimaram-na por motivos políticos”

Adrian Bridge recorda o episódio “terrível” da polémica contratação da ex-secretária de Estado do Turismo, que “infetou” também o grupo que detém o World of Wine e prevê faturar 200 milhões em 2026.

No início de 2023, a The Fladgate Partnership envolveu-se numa polémica com impacto nacional ao contratar a ex-secretária de Estado do Turismo para administrar a divisão dos hotéis e do turismo. Após uma semana de pressão política — desde a oposição ao primeiro-ministro, passando pelo Presidente da República –, mediática e das organizações anticorrupção e da sociedade civil, Rita Marques concluiu não ter “condições de aceitar o convite”. Volvidos quase dois anos, Adrian Bridge diz que a antiga governante foi “queimada por motivos políticos” e admite que o caso teve também impacto no grupo, que na área turística tem projetos como o World of Wine (WoW) ou os hotéis The Yeatman e Vintage House.

O CEO do grupo detentor das marcas de vinho do Porto Taylor’s, Croft e Fonseca, que acaba de entrar também no negócio dos vinhos tranquilos, esperando que valha até 16 milhões de euros já no próximo ano, reconhece ainda que o WoW, no qual investiu mais de 100 milhões de euros e aberto em plena pandemia em Gaia, “vai demorar mais tempo” a rentabilizar. “Sempre disponível” para aumentar a área de vinha, que totaliza atualmente 950 hectares, Adrian Bridge traça o objetivo de ultrapassar os 200 milhões de euros de vendas consolidadas em 2026.

A The Fladgate Partnership faturou à volta de 150 milhões no ano passado, incluindo vinhos, hotelaria, turismo e distribuição. Como estão a correr este ano os negócios?

A distribuição está acima do ano passado, os hotéis e turismo estão na mesma e o Vinho do Porto está diferente do ano passado porque aí havia o efeito das vendas antecipadas para o Reino Unido [provocado] pelo aumento dos impostos. Agora já temos o vinho de mesa e prevemos fechar o ano à volta dos 172 milhões de euros. A nossa meta, em que acreditamos, é ultrapassar os 200 milhões de euros de vendas em 2026. Só há dez anos é que ultrapassámos os 100 milhões, é um crescimento rápido.

Por que fizeram este investimento com a entrada nos vinhos de mesa?

Há um grande potencial mundial, o timing é perfeito do ponto de vista do consumo, embora não seja um timing fácil para a empresa. Algumas vezes temos de fazer o que é necessário, com as condições que temos. Se entrássemos no vinho de mesa dentro de cinco anos ainda haveria procura, mas agora temos uma janela de oportunidade fantástica. O investimento total nisto é brutal e para o cobrir temos de aumentar rapidamente as vendas, com o crescimento da internacionalização. É possível porque há uma procura forte pelos vinhos tranquilos portugueses.

Quanto esperam que venha a valer este segmento?

À volta de 15 a 16 milhões de vendas em 2025. Se olharmos para trás, este era um negócio que em 2023 faturava pouco mais de cinco milhões, mas 300% [de crescimento] em dois anos é possível. Não é fácil, mas é possível. Vai implicar muito trabalho. Não digo que os antigos donos não faziam as coisas bem, mas que podemos usar as nossas ligações mundiais para aumentar as vendas. Vamos usar os parceiros mundiais que temos no Vinho do Porto para os vinhos de mesa. Temos trunfos dentro deste jogo que fazem a diferença.

Adrian Bridge, CEO da The Fladgate Partnership, em entrevista ao ECORicardo Castelo/ECO

No total, o grupo tem agora 250 hectares destinados à produção de vinhos tranquilos, além dos 700 hectares de vinhas no Douro para os vinhos do Porto. Precisam de aumentar esta área de vinha?

Estamos sempre disponíveis para comprar parcelas à volta [das atuais propriedades] ou que encaixem no projeto porque têm qualidade. A nossa cabeça está completamente aberta. Precisamos de mais, sim. Mas não sei se é a prioridade.

E pensam produzir vinhos noutras regiões, além do Douro, Verdes, Bairrada e Dão?

São quatro regiões importantes. Neste momento são suficientes.

Estamos sempre disponíveis para comprar parcelas à volta [das atuais propriedades] ou que encaixem no projeto porque têm qualidade. A nossa cabeça está completamente aberta. Precisamos de mais.

Em 2023, um terço das receitas (33%) do grupo foram assegurados no turismo. Como vai evoluir este peso?

Nos hotéis isso não está a acontecer, mas nos nossos centros de visitas do Douro estamos com 18% de crescimento face ao ano passado. Com a Quinta do Portal comprámos o restaurante e o hotel, que têm potencial para dobrar o seu negócio. Temos muitas frentes.

Está confortável com este peso do turismo no negócio do grupo?

Não tenho na minha cabeça uma percentagem aqui e outra ali. Quero libertar a equipa para atingir o seu potencial, que é um pouco diferente. Não lhes vou dizer que não podem ultrapassar uma percentagem. Se o turismo cresce mais rapidamente, bom, vamos continuar a investir. Onde encontrarmos as oportunidades vamos continuar a investir. Este ano fizemos a remodelação do Vintage House (Pinhão) e da Quinta do Panascal (Fonseca) para receber grupos mais pequenos, fizemos novos espaços na Quinta da Roêda. Agora somos donos da Quinta do Portal, que tem 16 quartos e na próxima época vai aumentar para 24 quartos.

Acredito muito no produto turismo no Porto e no Douro. Não há sinais de que vai abrandar. O turista americano pesa 34% no The Yeatman e 40% no Vintage House, por exemplo. E acredito que isto vai continuar. Claro que na cidade há mais a influência do Airbnb do que no Douro [como substituição da hotelaria]. Aqui na cidade há apartamentos de muito boa qualidade, em localizações perfeitas, que são uma concorrência para um hotel de luxo.

O World of Wine é um negócio de volume. Este ano vamos ter 500 a 600 mil visitantes, mas temos capacidade para um milhão. Olhando para trás, não teríamos aberto tudo no verão de 2020. Vai demorar mais tempo [a rentabilizar], mas parece que vai alterar o destino turístico.

O último grande investimento do grupo foi o World of Wine (WoW), em Vila Nova de Gaia, avaliado em mais de 100 milhões de euros e que acabou por ser inaugurado em julho de 2020, em plena pandemia. Está a ter os resultados que queriam?

Não foi inaugurado [nessa altura], abrimos. Nunca houve uma inauguração. Aliás, no próximo ano vamos fazer uma grande festa dos cinco anos porque não teve uma inauguração. Na realidade, o negócio no WoW cresce de semana para semana, mas temos muito mais capacidade do que isto. É um negócio de volume. Este ano vamos ter 500 a 600 mil visitantes, mas temos capacidade para um milhão de pessoas.

Está arrependido? Se fosse hoje teria avançado com o projeto com esta dimensão e com todas as valências associadas?

É uma boa pergunta. Se estivéssemos a fazer o projeto hoje, fazíamos o mesmo projeto. Olhando para trás, não teríamos aberto tudo no verão de 2020. Tínhamos feito o projeto faseado.

Já disse que, quando resolveu lançar o The Yeatman, lhe chamaram “maluco” por acharem que ninguém ia pagar valores tão elevados para dormir no Porto. Falta ambição ou visão às empresas em Portugal?

Não. Falta confiança, que é diferente de ambição. Muitas pessoas são ambiciosas, mas falta a confiança. Temos produtos de classe mundial, sejam vinhos ou a oferta turística, mas precisamos de confiança para vender isto pelo valor que têm. Temos de ter um preço de alta qualidade. É possível, sim, mas não é fácil. Não há negócios fáceis hoje em dia. Olhemos para o caso do WoW. É verdade que é muito ambicioso, que vai demorar mais tempo [a rentabilizar], mas parece que vai alterar o destino [turístico].

Adrian Bridge, CEO da The Fladgate Partnership, fotografado no World of WineRicardo Castelo/ECO

Em janeiro de 2023, o grupo viu-se envolvido numa grande polémica por ter contratado Rita Marques, antiga secretaria de Estado do Turismo, para administradora da divisão de turismo. Não teve a noção do problema que iria criar esse conflito de interesses? Arrependeu-se da escolha?

O Governo português não tratou bem a nossa empresa nem essa senhora, que saiu por motivos políticos [foi demitida pelo então ministro da Economia, António Costa Silva, por divergências sobre a descida do IRC]. Ela teve a obrigação legal de assinar os nossos papéis [a 21 de janeiro de 2022, um despacho a conceder o estatuto de utilidade turística definitiva ao WoW até ao final de 2025 que, na prática, além de isentar a proprietária e exploradora do empreendimento das taxas à Inspeção-Geral das Atividades Culturais, abriu a porta à atribuição de benefícios fiscais em sede de IMI].

Foi queimada para divergir as atenções. Do meu ponto de vista não foi correto nem foi justo. Ela foi queimada pelo Governo da altura, parece que por motivos políticos. Esta senhora fez o que era a sua obrigação – assinar o nosso papel – e não foi por isso que lhe demos um emprego. O Governo tinha a obrigação de assinar aquilo em seis meses e ela assinou em cinco meses. Era uma obrigação legal.

Mas depois aceitou um emprego no mesmo setor que tinha acabado de tutelar.

É uma pessoa muito válida para o nosso país, que prestou um bom serviço e tinha muito respeito no setor do turismo. Este incidente foi negativo para a sua carreira. O Adrian ou a Fladgate é o que é. Mas um país sério não pode fazer isto a pessoas que oferecem a sua capacidade profissional, vontade e energia para ajudar o país. No fim queimam-se estas pessoas por motivos políticos? Foi terrível. Pessoalmente, lamento muito ter oferecido um emprego a esta pessoa porque com esta oferta de emprego foi queimada no espaço público pelos jornalistas e pelos políticos.

Não contratei a Rita Marques porque ela vinha com qualquer influência ou informação interna [da secretaria de Estado do Turismo]. Isto também foi mau para nós porque muita gente não quis ficar associado [ao grupo]. A Câmara [de Gaia] não quis associar-se, muitos técnicos não queriam assinar os nossos projetos porque achavam que estávamos infetados.

Não vê um problema em ter aceitado um emprego ligado à área do turismo pouco mais de um mês depois de ter deixado de ser secretária de Estado do turismo?

Não. Ela saiu do Governo por motivos políticos. Qualquer pessoa de qualidade que ofereça a sua ajuda ao país não tem emprego de seguida, não pode trabalhar no setor? É completamente ridículo. É um desperdício de conhecimento. O seu trabalho na empresa faz diferença para o Estado? Não. Ela ia abrir oportunidades para nós? Não.

Não a contratou para obter vantagens?

Contratei uma pessoa com qualidade e experiência. Se ela oferece essa qualidade e experiência ao Estado, não é justo estar a queimá-la. Não a contratei porque ela vinha com qualquer influência ou informação interna. ‘Ah, Adrian, tens uns hotéis aqui que podes comprar porque sei o prazo e tal’. Não. Ela vinha para gerir o nosso setor internamente. O que a queimou foi o despacho do WoW, mas temos o The Yeatman, o Vintage House, os centros de visitas. Nós não somos uma empresa com motivações políticas. A nossa motivação são pessoas de qualidade. Pessoalmente, acho que foi uma desgraça o que lhe fizeram.

Foi pior para ela, mas isto também foi mau para nós porque muita gente não quis ficar associada [ao grupo]. A Câmara Municipal [de Gaia] não quis associar-se, muitos técnicos não queriam assinar os nossos projetos porque achavam que estávamos infetados. Houve essa reação. E tudo porque oferecemos um emprego a uma pessoa? Desculpem, mas o nosso país tem de ser muito mais adulto e honesto. O que aconteceu, no meu ponto de vista, não foi honesto. Foi complicado, não foi correto. Mas foi mais difícil para a Rita. Se as melhores pessoas entram nos governos de boa-fé para ajudar a resolver os problemas e no fim as queimamos, não haverá muita gente disponível no futuro.

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