Virgílio Garcia, gestor do fundo de ações nacionais mais rentável em 2024, refere que o PSI está a negociar a desconto face aos pares europeus e a aponta a Nos, a Galp e Sonae como apostas para 2025.
Num ano marcado pelo vigor dos mercados acionistas globais, o Sixty Degrees Ações Portugal destacou-se em 2024 como o fundo de ações portuguesas mais rentável, alcançando uma valorização entre 8% e 9,1% — consoante a classe do fundo considerada. Trata-se de mais do dobro dos 3,9% oferecidos pelo principal índice acionista da Euronext Lisboa (PSI), considerando os dividendos distribuídos. Mas não foi só por aqui que o fundo liderado por Virgílio Garcia brilhou mais que os seus pares. Foi também o fundo de ações portuguesas com a melhor rendibilidade por unidade de risco (rácio de Sharpe) e um dos poucos fundos nacionais que bateu o seu índice de mercado.
“O underweight ao grupo EDP, particularmente à EDP Renováveis, foi a principal alavanca da nossa overperformance” em 2024, revela o gestor que durante anos geriu com sucesso o popular fundo de ações mundiais BPI Reestruturações. Mas a estratégia do Sixty Degrees Ações Portugal não se limitou a tomadas de posições defensivas.
No flanco ofensivo, o BCP manteve-se como principal posição do fundo em 2024, aliando a posições na Nos e na Sonae significativamente sobreponderadas face ao índice. Para este ano, Virgílio Garcia garante a aposta nestes títulos, sublinhando, contudo, que “o índice português transaciona com desconto de alguma forma substancial face aos comparáveis europeus”.
Apesar dos resultados alcançados em 2024, o fundo revela um desempenho abaixo do seu benchmark desde o arranque, a 10 de setembro de 2021, e todas as categorias do fundo cobram uma comissão de subscrição até 5%. “É uma razão puramente comercial”, admite o gestor, argumentando que “o overperformance de 2024 cobriu integralmente este custo para quem investiu no final do ano anterior”.
Sendo o PSI um índice sui generis, em que o BCP pesa quase 20%, a Galp pesa cerca de 13%, é difícil de replicar para um fundo de lei europeia como o nosso, em que, no máximo, só podemos ter 10% de exposição a uma determinada empresa ou a um determinado grupo.
O Sixty Degrees Ações Portugal terminou 2024 com uma rendibilidade entre 8% e 9,1%, dependendo da categoria considerada, que o tornaram no fundo de ações de empresas nacionais mais rentável de 2024. Qual foi a chave para este desempenho?
O que posso destacar em primeiro lugar é um underweight que tivemos ao grupo EDP. Achávamos que havia uma série de condicionantes, nomeadamente na EDP Renováveis, que deixava a empresa um pouco sobrevalorizada face aquilo que achávamos que ela devia valer e, nesse sentido, atuámos em conformidade e tivemos menos expostos ao grupo EDP, em especial à EDP Renováveis.
A EDP e a EDP Renováveis foram justamente as empresas com pior desempenho no PSI em 2024, fechando o ano com perdas de 28% e 45%, respetivamente. Mas não foi só pela menor exposição do grupo EDP face ao índice que superaram os vossos pares.
Essa foi a principal razão para a overperformance no ano face ao PSI20, mas depois fizemos outras pequenas coisas, como termos estado underweight também em Jerónimo Martins. As coisas não estavam a correr de forma de feição na Polónia e como a Jerónimo Martins pesa cerca de 11% no índice, mantivemos uma posição abaixo de 5% e isso também ajudou a fazer melhor do que o PSI20. É evidente que, sendo o PSI um índice sui generis, em que o BCP pesa quase 20%, a Galp pesa cerca de 13%, é difícil de replicar para um fundo de lei europeia como o nosso, em que, no máximo, só podemos ter 10% de exposição a uma determinada empresa ou a um determinado grupo. No caso da EDP e da EDP Renováveis, as duas empresas pesam cerca de 18% no PSI e nós não podemos ter mais que 10%. Por isso é que o nosso underweight no grupo EDP em 2024 fez de facto a diferença.
Essa aposta a uma menor exposição ao grupo EDP foi logo tomada no início do ano?
Sim. No final de 2023 já estávamos a reduzir e começámos 2024 da mesma forma, particularmente em relação à EDP Renováveis. Entretanto aconteceram uma série de contratempos à EDP Renováveis, nomeadamente na Colômbia, o facto de as taxas de juro terem começado a subir também não ajudou muito a uma empresa alavancada e, depois os efeitos da eleição do presidente Trump com tudo o que parece vir daí relativamente a projetos renováveis.
A carteira de dezembro do fundo revela esta mesma subponderação aos títulos da EDP.
Sim, o preço das ações até se tem aproximado do nosso preço de compra — não quer dizer que seja ainda o ideal –, mas à medida que o preço desce, as coisas começam a ter um preço de entrada.
Significa que tem a expectativa de aumentar a posição do fundo no grupo EDP este ano?
Tanto há uma expectativa disso que aumentámos ligeiramente a posição dentro da carteira do fundo no último mês, mês e meio.
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No canto oposto, como principal catalisador de ganhos para o fundo em 2024, esteve o BCP que fechou o ano com ganhos de 78% (incluindo dividendos), e que hoje permanece como a principal posição do fundo. O que torna este título interessante para vocês?
É verdade, mas, mesmo assim, contribuiu de forma negativa para a performance do fundo quando comparada com o índice justamente porque não podemos ir além de uma exposição de 10%, quando o BCP pesa cerca de 20% no PSI, e todas as posições com mais de 5% não podem pesar mais de 40% da carteira do fundo. O que significa que estas limitações nos custaram dinheiro no BCP.
Apesar disso, o BCP permanece como a principal posição do fundo.
A subida das taxas de juro nos últimos anos ajudou a que as margens da banca melhorassem substancialmente. Isso e o trabalho feito pelo management de reestruturar o banco tornando-o mais eficiente e rentável fizeram com que considerássemos que o momento era certo para manter uma posição máxima em BCP.
Mas atualmente estamos num movimento contrário, marcado por uma descida das taxas de juro. Continua a ser um bom momento para se investir em BCP?
Sim, mas acho que ainda podemos navegar um pouco mais essa onda. Não quer dizer que essa posição não possa mudar de um dia para o outro. Depende da nossa avaliação e daquilo que em cada momento acharmos que já foi atingido, aquilo que achamos que o banco vale ou se acharmos que haverão razões para continuar a manter essa posição.
E atualmente está longe de atingir esse potencial?
Não, não está muito longe.
Mas será expectável continuar a observar-se na carteira do fundo o BCP como principal posição do fundo?
Sim, por enquanto sim.
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Entre as apostas mais relevantes do fundo em 2024 esteve a Sonae e particularmente a Nos, com ambas as empresas a terem uma sobreponderação significativa no fundo face ao peso que têm no PSI. Porquê?
A Nos não tem muito que enganar. É uma empresa bem gerida, com uma posição muito grande no mercado nacional, que gera cash-flow suficiente para pagar dividendos na casa dos 10% e, portanto, não é só uma aposta na apreciação da própria ação, mas também no valor do dividendo que eles pagam.
É sobretudo uma aposta no dividendo?
É também uma aposta no dividendo, mas a empresa continua a fazer coisas certas. Fez agora uma operação da Claranet Portugal, que me parece fazer algum sentido, apesar de se poder dizer que possa ter sido um pouco cara para aquilo que o mercado está a ver, mas acredito que eles tenham visto um pouco mais do que nós que não temos acesso à informação toda. Acho que isso vai tornar-se positivo para a evolução do cash-flow futuro da empresa.
Significa que vamos ver a posição da Nos a crescer no fundo ou a manter-se apenas como está hoje?
Poderá acontecer por via de reforço da posição.
Erros cometem-se a toda a hora, é normal, se bem que tentamos evitá-los. Outra coisa que fizemos menos bem, mas faz parte da estratégia, é que utilizamos um bocado de dinheiro, ou seja, o fundo não está sempre 100% investido.
Olhando para o histórico do fundo, verifica-se que apesar de em 2024 ter batido os seus pares e o PSI, tem mostrado alguma dificuldade em superar o seu benchmark. Considerando a categoria do fundo mais antiga, a “I”, que começou a negociar a 10 de setembro de 2021, o fundo apresenta uma rendibilidade anualizada de 8,3% até ao final de 2024 face aos 9,6% registados pelo PSI (considerando a distribuição dos dividendos). Este diferencial é explicado apenas pelas limitações legais de investimento do fundo falado há pouco ou porque houve percalços?
Essas limitações têm implicações, mas houve alguns percalços.
Como por exemplo?
Há três anos, por exemplo, o fato de termos uma posição menor de EDP Renováveis e até de BCP face ao que temos hoje, podem ter sido razões para essa underperformance face ao índice.
Mas houve algum erro que fizeram e que gostaria de ter evitado?
Estes foram talvez os maiores erros. Erros cometem-se a toda a hora, é normal, se bem que tentamos evitá-los. Outra coisa que fizemos menos bem, mas faz parte da estratégia, é que utilizamos um bocado de dinheiro, ou seja, o fundo não está sempre 100% investido, e isso permite fazer outra coisa, que é reduzir a volatilidade do próprio fundo, o que nos permite, nos últimos três anos, ter o fundo com a melhor rentabilidade por unidade de risco (rácio de Sharpe).
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O Sixty Degrees Ações Portugal negocia através de três categorias, variando apenas no quadro das comissões cobradas. Uma dessas comissões cobradas é a comissão de subscrição, cobrada em todas as categorias, sendo que no caso da categoria “T” atinge os 5%. Qual é o propósito de cobrarem uma comissão de subscrição aos pequenos investidores num fundo de investimento de ações?
É uma razão puramente comercial.
Mas têm intenção de reduzir essa comissão?
Se nós quisermos reduzi-la de um dia para o outro podemos fazê-lo porque as reduções de comissões são sempre bem-vindas para os clientes.
É que estas taxas penalizam fortemente os investidores.
Sim. Mas neste último ano, que é basicamente o primeiro ano inteiro desta categoria [categoria “T”] com o overperformance face ao PSI, ela foi paga. Ou seja, um cliente que tivesse investido no final de 2023 e tivesse pago os 5%, teria chegado ao final de 2024 com uma rentabilidade igual à do PSI, mesmo pagando a comissão.
Gosto de encontrar empresas que têm um retorno sobre o capital investido superior ao seu custo de capital. Acho que toda a gente gosta. Mas gosto que isso não esteja refletido através de outros indicadores.
Em 2019, numa entrevista à Funds People, por ocasião do lançamento da empresa, referiu que a Sixty Degrees queria centrar-se “numa ideia diferente de gestão e serviço”. Como é que isso se compagina com este nível de comissionamento?
Se em termos de gestão e serviço eu fizer melhor que o benchmark para que o cliente sinta que pagou a comissão e isso não lhe fez diferença, já estou a cumprir. Pode é dizer-me que não vou conseguir fazer isso todos os anos.
Em termos históricos ainda não conseguiu isso.
Sim, mas nesta categoria com comissões de subscrição de 5% em específico (categoria T), que nasceu há um ano, posso dizer que cumpri.
Mas o vosso objetivo é bater o índice, certo?
Sim, esse é o objetivo de qualquer gestor de fundos de investimento ou de carteiras de investimento. Mas quando não o faz, é fazer melhor do que zero.
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Durante muitos anos foi o gestor do BPI Reestruturações, um fundo de ações mundiais com um desempenho histórico acima da média do mercado. É mais fácil gerir um fundo de ações globais ou um fundo de ações nacionais na perspetiva de bater o mercado?
Não é bem mais difícil, mas é mais difícil construir uma carteira de ações portuguesas devido às restrições do próprio índice. Posso fazer as coisas muito bem, escolher muito bem, mas se fizer mais ou o mesmo que o índice e o BCP [que é o título que mais pesa no PSI, com um peso de 22%] tiver um ano ótimo e não mexer no resto da carteira –até pode acertar –, vai ficar abaixo do benchmark. Ao construir uma carteira global tenho mais opções. É mais difícil no sentido de que tenho de escolher se quero estar no país A ou no país B, no setor A, no setor C, se quero ter empresas que pagam mais dividendos, que não pagam dividendos. Há uma série de outras oportunidades que é preciso ter em conta.
Qual é a grande dificuldade que encontra na bolsa portuguesa enquanto gestor de um fundo de 12 milhões de euros?
Não é muito difícil investir no mercado português. Facilmente entro e saio das posições que tenho dentro da liquidez que existe. Mas se tiver um fundo de 150 milhões, as coisas começam a ficar mais difíceis em termos da forma como tenho de construir a carteira e como terei de posicionar as minhas entradas e saídas de determinados títulos. Isso é normal. Torna as coisas um pouco mais lentas. No entanto, eu nunca fui um gestor de fazer trading, de tomar posições hoje e vender amanhã. Normalmente, as posições estão muito tempo na carteira ou mudam muito devagar, e nós, de alguma forma, tentamos que isso se verifique, mesmo com um fundo pequeno.
Há uns anos, alguns fundos de ações nacionais transformaram-se em fundos de ações ibéricas por conta da pequena dimensão do mercado nacional. Será esse também o caminho do Sixty Degrees Portugal Ações?
Não. A nossa intenção é que este fundo seja um fundo de ações portuguesas. Não queremos mudar isso, não vemos necessidade de o fazer, e até sentimos alguma responsabilidade em dinamizar o mercado de capitais português. Acho que seria ótimo que isso acontecesse.
A Galp está um pouco dependente do que vem da Namíbia, mas se fizer as contas está nitidamente a desconto face aquilo que eu acho que é o potencial de longo prazo que ela tem.
Enquanto gestor do BPI Reestruturações, o fundo era reconhecido pela sua exposição a ouro e também a alguma liquidez. O Sixty Degrees Ações Portugal não tem ouro, porque não há empresas auríferas na bolsa de Lisboa, e em termos de liquidez é bastante inferior ao que usualmente tinha no BPI Reestruturações. Salvaguardando as naturais diferenças dos dois fundos, o que é que transpôs da gestão do BPI Reestruturações, que deu frutos, para o Sixty Degrees Ações Portugal?
O que pode encontrar é uma metodologia, não só da forma como se avaliam as empresas, mas também como se constrói a carteira, com as devidas adaptações que já falámos. São essas duas coisas que eu aprendi ao longo dos anos para agora colocar em prática.
Dê-me um exemplo de uma característica que gosta de encontrar nas empresas em que investe.
Gosto de encontrar empresas que têm um retorno sobre o capital investido superior ao seu custo de capital. Acho que toda a gente gosta. Mas gosto que isso não esteja refletido através de outros indicadores, não esteja refletido no seu preço em bolsa. Portanto, isso exige uma série de cálculo, mas que também não é difícil de fazer.
Encontra muitas empresas na bolsa portuguesa com essas características que gosta?
Sim. Falámos da Nos, por exemplo, que está a transacionar a cerca de quatro vezes o resultado operacional. Parece-me interessante para quem tem uma capacidade enorme de pagar dividendos. Mesmo assim ainda está a tentar crescer dentro do seu próprio negócio ou alargar a negócios, neste caso de âmbito de B2B (business to business) para pequenas e médias empresas com a aquisição da Claranet, parece-me interessantíssimo. A própria Galp. É evidente que agora está um pouco dependente do que vem da Namíbia, mas se fizer as contas está nitidamente a desconto face aquilo que eu acho que é o potencial de longo prazo que ela tem.
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Há boas oportunidades de negócio na praça portuguesa?
Sim. Como é sabido, o índice português transaciona com desconto de alguma forma substancial face aos comparáveis europeus.
Não trocava Lisboa por nenhuma bolsa europeia?
Neste momento não trocava a bolsa portuguesa por nenhuma bolsa europeia. Aliás, nós temos o fundo de asset allocation e o PPR, que é a mesma coisa, e temos um investimento em Portugal nesse fundo que é o único investimento que temos na Europa. O único investimento em ações que temos na Europa é no mercado português. O resto da nossa exposição a ações é mercado americano.
Face a essa boa impressão do mercado nacional, o que podem esperar os subscritores do Sixty Degrees Ações Portugal em 2025?
Em termos de estratégia não me parece que ela vá mudar muito. As apostas que nós temos em termos de investimento estão definidas. Falámos de há pouco de BCP, que se continuar a subir da forma como tem feito nos últimos tempos, mais tarde ou mais cedo exigirá uma pequena redução ou alguma redução na posição dentro do fundo por troca por outras oportunidades que na altura nos possam parecer melhor. Ou então, se o mercado não estiver naquele momento positivo para uma entrada de qualquer uma das outras empresas, entrará em cash e esperará por uma nova onda.
O fundo fechou 2024 com cerca de 12 milhões de euros de ativos sob gestão, qual é a vossa meta para 2025?
O nosso objetivo é fazê-lo crescer o mais possível. No caso dos fundos que temos, esse crescimento tem sido feito feito devagar, apesar de no último ano as coisas terem corrido de forma mais positiva. Mesmo assim, não quero estar a avançar com objetivos de “grande monta” quando, na realidade, temos vindo a fazer o nosso trabalho devagar. As coisas têm corrido bem em termos de números, mas agora é preciso que isso passe para os investidores e que eles queiram estar investidos connosco.
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