No primeiro debate entre candidatos às eleições de 5 de novembro, o foco estará no desempenho de Biden para avaliar se está apto e tem capacidade para tirar partido da evolução positiva da economia.
Economia, inflação, emprego, taxas de juro, mercados, imigração, controlo de fronteiras, criminalidade, guerras na Ucrânia e Palestina, tarifas à China, alterações climáticas, saúde. Estes são 12 temas que estarão em foco no debate televisivo que acontecerá esta noite entre Joe Biden e Donald Trump e marca o arranque da campanha para as presidenciais de 5 de novembro nos Estados Unidos.
Contudo, o “duelo” que acontecerá nos estúdios da CNN em Atlanta a partir das 2:00 (hora de Lisboa) deverá ser também marcado por outros fatores. As atenções estarão centradas sobretudo na prestação de Joe Biden, uma vez que estão a ganhar intensidade as dúvidas sobre a capacidade física, mental e de saúde para o atual Presidente dos Estados Unidos cumprir mais um mandato de quatro anos na Casa Branca.
Os episódios mais recentes com Joe Biden – no G7 em Itália, comemorações do Dia D em França, ou mesmo em momentos mais descontraídos com presenças em concertos – adensaram as preocupações sobre a capacidade do Democrata, até mesmo no partido. Apesar da maioria dos especialistas desvalorizar a importância destes debates para a decisão final dos eleitores, desta vez pode ser diferente e a fasquia está mais elevada para o incumbente.
William Galston, especialista do Brookings Institution que foi assessor de Clinton na Casa Branca, destaca que se Biden conseguir uma prestação efetiva que alivie as preocupações sobre as suas aptidões, “pode alterar a perceção pública sobre que tipo de pessoa é atualmente”. Se o desempenho for mau, aumentará a ansiedade dos Democratas, que tinha aliviado após um discurso no Estado da União sem problemas. “Os riscos para Trump são elevados”, mas para Biden “são muito maiores”, disse Galston à CNN.
No caso de Trump, estará em avaliação sobretudo a aptidão ética, tendo em conta que é o primeiro presidente da história dos Estados Unidos a ser condenado por um crime. O Republicano vai conhecer a sentença em julho, enfrentando uma pena de prisão, depois de ter sido considerado culpado em 34 acusações decorrentes do pagamento a uma atriz de filmes para adultos em troca do seu silêncio sobre um alegado encontro sexual. Trump é assolado ainda devido a outros casos judiciais, com destaque para o alegado envolvimento no ataque ao Capitólio.
“Tendo em conta que a atenção está concentrada na adequação dos candidatos ao cargo (e não nas suas posições políticas), este debate pode realmente ser importante”, comenta Paul Donovan, economista chefe do UBS Global Wealth Management.
Biden está há uma semana resguardado em Camp David, a preparar de forma intensa o debate numa altura que os dois candidatos surgem muito próximos nas sondagens e existem ainda muitos indecisos (20%). 41% dos inquiridos numa sondagem da Reuters/Ipsos tencionam votar em Trump, contra 39% em Biden, sendo que a margem do Republicano encolheu depois do antigo Presidente ter sido recentemente condenado.
A campanha de Biden está a desvalorizar a importância deste debate, afirmando que “não é o princípio e o fim de tudo”, pois “temos momentos muito importantes pela frente”. Do lado de Trump o foco está nas capacidades do oponente para continuar na Casa Banca. “Os media estão a tentar baixar tanto a fasquia para o desempenho de Biden no debate, que receberá um troféu de participação se conseguir ficar em pé durante 90 minutos”, afirmou Steven Cheung, porta voz da campanha de Trump, revelando que o Republicano vai pressionar Biden sobre inflação, controlo de fronteiras e imigração.
Segundo a campanha de Biden, o Democrata vai colocar as fichas na demonstração de que está preparado para mais quatro anos de rigor na Casa Branca, atacando a falta de caráter e os problemas de Trump com a justiça. Se um tropeço de Biden pode ser politicamente desastroso, um bom desempenho no debate poderá derrubar a principal linha de ataque do candidato Republicano.
Tendo em conta que a atenção está concentrada na adequação dos candidatos ao cargo (e não nas suas posições políticas), este debate pode realmente ser importante.
Um debate inédito numas eleições especiais
As acusações entre os dois candidatos têm subido de tom nos últimos tempos e devem agravar-se até 5 de novembro. Trump tem repetido que Biden é corrupto, senil e está inapto física e mentalmente para liderar a administração do país. O atual presidente acusa o seu antecessor de ser desequilibrado e um perigo para a democracia.
O ambiente crispado deverá prosseguir do debate, que tem várias características inéditas que podem favorecer qualquer um dos candidatos. Nos mais de 70 anos de história de debates televisivos entre candidatos, nenhum aconteceu com tanto tempo de antecedência face ao dia das eleições. Ao contrário do que também é habitual, o debate moderado pelos jornalistas Jake Tapper e Dana Bash não terá público no estúdio e os microfones do candidato estarão desligados quando estiver o outro a falar nos dois minutos que terá para responder a cada questão.
Estas duas características são potencialmente penalizadoras para Trump, que gosta de debates mais disputados e com interrupções e é empolgado pelas reações da audiência, levando os responsáveis da sua campanha a salientar que será um embate de três (Biden e dois jornalistas) contra um. Os candidatos não podem levar apontamentos, o que pode penalizar Biden, e o sorteio ditou que será Trump o último a ter a palavra no debate de 90 minutos.
Se o debate terá características inéditas, as eleições de 5 de novembro também tem atributos especiais. Desde logo as idades dos dois candidatos, que serão os mais velhos de sempre a disputar eleições (Biden 81 e Trump 78). Além disso, será a primeira vez em 70 anos que acontece uma reedição, depois de Biden ter derrotado Trump por uma escassa margem em 2020.
Ventos favoráveis da economia
Aptidões de candidatos à parte, são variados os temas que devem marcar o debate. O Goldman Sachs aposta na “economia, imigração, crime e política externa”, sendo que as tarifas à China e a política orçamental também devem ser debatidas, embora com menos detalhe. O banco assinala que os mercados atribuem a vantagem a Trump (52%), o Republicano continua à frente por uma margem diminuta nas sondagens a nível nacional, mas está atrás no estado (Pensilvânia) que pode ser decisivo para uma vitória no Colégio Eleitoral.
Uma sondagem da CNN dá conta que a evolução da economia é a principal prioridade dos norte-americanos (73%), seguindo-se o combate ao terrorismo (63%). Na primeira frente Biden beneficia de ventos favoráveis, tendo em conta o desempenho surpreendentemente positivo da economia norte-americana, do mercado de trabalho e até da evolução mais recente da inflação.
O PIB dos Estados Unidos cresceu a um ritmo anual de 1,3% no primeiro trimestre, depois de na segunda metade de 2023 a expansão ter sido superior a 3%. Um desempenho notável uma vez que no início do ano passado era dado como certo que a maior economia do mundo iria passar por uma recessão devido ao elevado nível das taxas de juro.
A evolução do mercado de trabalho tem sido ainda mais surpreendente, com a criação de 2,7 milhões de empregos em 2023 e a taxa de desemprego a permanecer abaixo dos 4% durante 27 meses, o que já não acontecia desde os anos 60. A inflação ainda se situa acima da meta do 2% (3,4% em maio), mas já se afastou consideravelmente do máximo do século atingido em junho de 2022 perto dos dois dígitos.
Este atenuar das pressões inflacionistas deverá permitir à Fed iniciar em breve o ciclo de alívio da política monetária, sendo ainda incerto se chegará antes do dia das eleições. Apesar da decisão ser adotada pela Fed (o banco central é independente), um corte de juros na reunião de 18 de setembro será mais um trunfo para Biden convencer os eleitores com a manutenção da política económica.
Sendo sabido que os norte-americanos votam muitas vezes em função da carteira e têm o hábito de investir nos mercados, o desempenho das bolsas é outro fator que pode jogar a favor de Biden. Os índices acionistas norte-americanos subiram fortemente em 2023, marcam valorizações de dois dígitos em 2024 (melhor arranque de sempre em ano de eleições) e atingiram máximos históricos a um ritmo de uma em cada quatro sessões deste ano.
Próximos nas contas públicas e afastados no ambiente
Biden tem menos créditos para mostrar na evolução das contas públicas. As projeções mais recentes do Congressional Budget Office (CBO), órgão independente do Congresso dos Estados Unidos, apontam para um défice federal de 1,9 biliões de dólares no ano fiscal que termina em setembro, o que equivale a 6,7% do PIB e representa um agravamento face aos últimos anos. Em resultado, a dívida pública está prestes a atingir um novo recorde acima de 100% do PIB, mais do que duplicando no espaço de apenas 15 anos.
O Deutsche Bank assinala que, independentemente de quem vencer as eleições, é pouco provável que surjam medidas para reverter a tendência de deterioração das contas públicas. O banco alemão estima défices orçamentais em redor de 6,7% do PIB nos próximos anos, destacando que a natureza deste desequilíbrio deve divergir em função de quem estiver na Casa Branca em 2025.
“Os Republicanos devem implementar cortes de impostos, enquanto os Democratas devem preferir aumento da despesa, possivelmente combinada com o fim de benefícios fiscais sobre as famílias com rendimentos mais elevados e um agravamento de impostos sobre as empresas”, refere o Deutsche Bank, assinalando que estes cenários vão depender não só de quem ganha as Presidenciais, mas também de qual vai ser o partido a controlar as duas câmaras do Congresso.
Os dois candidatos já efetuaram diversas promessas nestas áreas. Trump deverá baixar a taxa sobre os lucros das empresas para 20% e pretende tornar permanentes as reduções de impostos que implementou em 2017. Biden, como antecipa o Deutsche Bank, deverá privilegiar o agravamento de impostos aos mais ricos e empresas.
Nas relações com a China, Trump defende a imposição de tarifas adicionais de 10% sobre todos os produtos importados do país asiático, enquanto Biden privilegia tarifas sobre produtos específicos que representem uma maior ameaça à economia norte-americana e à segurança do país. No tema da imigração, Trump defende a deportação de todos os estrangeiros sem documentação, enquanto Biden tem adotado um controlo mais apertado da fronteira com o México.
O combate às alterações climáticas é provavelmente um dos temas que mais divide os dois candidatos, mas o eventual regresso de Trump à Casa Branca pode não significar um revés tão grande como se possa pensar nas políticas verdes. “Apesar de toda a retórica e ameaças de Trump de atacar os subsídios e créditos fiscais do Inflation Reduction Act (IRA)”, o Republicano “tem todos os incentivos para ser pesado nas palavras, mas mais leve nas ações”, diz David Oxley, economista da Capital Economics.
A consultora destaca que a vitória de Trump representará um “tiro certeiro nos esforços globais para reduzir as emissões poluentes, sobretudo porque seria quase certa a saída dos EUA do Acordo de Paris”. Acrescenta que Trump pode desferir “outro golpe na já difícil implantação dos veículos elétricos nos EUA”, embora a “mudança possa não ser tão grande como a sua retórica poderia sugerir”.
Trump e Biden já se enfrentaram em dois debates antes das eleições de 2020. O terceiro acontece esta noite e o quarto já está marcado para 10 de setembro. Nessa altura já deverá ser possível ter uma perspetiva mais clara sobre as aptidões dos dois candidatos, o estado da economia e outros fatores que podem ser decisivos para os norte-americanos escolherem quem será o próximo presidente do país.
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Biden vs. Trump: Um debate para avaliar aptidões e contar trunfos na economia
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