São empresárias do setor agrícola. Venceram na última edição do TalentA, programa dinamizado pela CAP e a Corteva Agriscience. Continuidade do programa está em avaliação.
O que uma produtora de café dos Açores, uma criadora de ovelhas Churra Mondegueira e uma produtora de castanha têm em comum? Daniela Lourenço, Telma Lourenço e Filipa Barros venceram o TalentA, programa promovido no país pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e a Corteva Agriscience, para destacar o papel das mulheres empresárias do setor agrícola. Ao todo, 9.000 euros em prémios foram atribuídos nesta 5.ª edição. Quanto à próxima? “Estão ainda por decidir a continuidade do Programa e as suas condições”, adianta Luís Mira, secretário-geral da CAP.
Lançado em Espanha em 2019, o TalentA estendeu-se a nove países, incluindo Portugal, onde em cinco edições já recebeu mais de 250 candidaturas. “É bom que existam iniciativas mobilizadoras, que permitam dar relevância a estas dinamizadoras do mundo rural, servindo de exemplo a todos e, sobretudo, à juventude feminina”, considera Luís Mira.
Os números sobre a participação feminina no setor agrícola são animadores q.b. “Desde 1989, reduziu-se para menos de metade o número de produtores singulares, contudo, verificou-se uma grande subida no que se refere à franja do sexo feminino, uma vez que, em 1989, apenas 15% destes produtores singulares eram mulheres e, em 2019, elas já representam 33% do total”, destaca o secretário-geral da CAP. De acordo com o recenseamento agrícola, em 2019, dos 274.248 agricultores no país, 90.332 são mulheres.
O TalentA não só dá visibilidade aos projetos vencedores como algum capital e acesso a formação. A vencedora recebe um prémio de 5.000 euros “para dar continuidade ao projeto”, e às duas finalistas “é dada a possibilidade de acederem a consultoria e formação adaptadas às suas necessidades específicas”, explica Luís Mira.
Uma bica com café dos Açores…
Daniela Lourenço foi a vencedora na edição deste ano. Tem a ambição de desenvolver a indústria cafeeira na ilha Terceira, nos Açores. “Neste momento temos plantas — Caturra e Yellow Bourbon —, um campo experimental com 60 plantas de seis novas variedades importadas do Brasil para percebermos a sua sustentabilidade no nosso clima ameno”, descreve Daniela Lourenço.
“Continuamos diariamente a preparar terrenos para novas instalações, o nosso objetivo é crescer e ter as melhores condições possíveis”, diz ainda sobre o projeto Café das Duas Ribeiras, iniciado em 2023 na freguesia de São Bartolomeu de Regatos. E está a dar fruto. “Prevemos que neste primeiro ano da maior colheita seja a família a colher os frutos, mas estamos conscientes de que futuramente será imprescindível em todo o processo ir buscar mão-de-obra”, admite Daniela Lourenço. “O nosso maior objetivo, além dos aspetos envolvidos na produção e transformação, era ter escoamento do nosso produto, e essa parte já conseguimos obter”, diz.
Os 5.000 euros atribuídos são “uma grande ajuda para os investimentos pretendidos” na compra de equipamentos, admite. “Espero sinceramente inspirar mais mulheres a dar este passo, a tornarem-se empreendedoras, reforçando o nosso tecido rural, onde o nosso trabalho é fundamental”, afirma.
…e sabonetes com leite de ovelha Churra Mondegueira
“Há pouca gente na agricultura. Em relação às mulheres na agricultura, penso que não lhes é dado o devido valor. Muitas delas fazem trabalhos mais exigentes que os homens, e nem por isso são recompensadas monetariamente”, comenta Telma Lourenço. “Sinto uma injustiça muito grande porque sei de muitos casos onde as mulheres têm uma função exatamente igual à dos homens e o salário ao fim do mês é inferior. Penso que esse é um dos motivos para não haver mais mulheres na agricultura”, diz a finalista com o projeto Quinta Vale do Tourão, onde trabalha com o marido e os pais.
Na Quinta, com 38 hectares em Figueira De Castelo Rodrigo, são criadas duas raças autóctones: a raça ovina Churra Mondegueira e a asinina Burra Mirandesa. “O nosso modo de produção é em modo de produção biológico. Tentamos da melhor forma otimizar os recursos naturais. Temos produção de leite de ovelha e diversas outras culturas: amendoal, olival, aveleiras, vinha, produção de cereais e flores secas”, descreve Telma Lourenço, já a terceira geração de produtores de leite na Quinta.
“Queremos marcar a diferença, produzimos alimento pelo qual temos respeito em todo o seu processo”, diz. O projeto passa ainda pela transformação do leite de ovelha autóctone Churra Mondegueira em sabonetes artesanais.
“Este prémio vem confirmar a certeza e vontade que tenho na minha entrega em querer trabalhar a terra e os seus recursos de forma consciente. É uma validação do meu trabalho”, diz a empresária sobre o prémio de dois mil euros atribuído aos finalistas. “Ajuda também a dar visibilidade ao nosso trabalho na Quinta, pois no interior estamos longe de ‘tudo’”, reforça.
Snacks de castanha para dinamizar fileira
Filipa Barros viu a Bubacaios chegar a finalista. O foco da engenheira biológica é o desenvolvimento da fileira da castanha. “Há anos que pensamos melhorar a produção de castanhas. Apesar de já termos modo de produção biológico, de estarmos a implementar rega gota a gota, e até a criar um apiário para aumentar a produção e melhorar a qualidade dos frutos através da polinização, achamos que faltava algo mais”, conta.
“Já produzimos entre 50 a 70 toneladas, que seguem para exportação, e sabemos que lá fora são transformadas nos mais variados produtos. Começámos esta empresa para criar produtos de castanha de elevado valor acrescentado, estamos neste momento a desenvolver uns snacks pronto-a comer”, explica. Os snacks terão “variações com sabores, por exemplo canela e erva doce”, mas “o mais interessante”, considera, é que “a embalagem será feita a partir dos ouriços”.

Os snacks estão em “fase de desenvolvimento”, diz. “Prevemos que nos próximos dois anos consigamos fechar esta etapa e passar ao scaleup, sendo expectável que, em 2028, a fábrica esteja a funcionar em pleno”, adianta.
“Nesta fase inicial de investigação e desenvolvimento são necessários pelo menos dois colaboradores ao nível do mestrado e, quando a fábrica estiver em funcionamento, talvez uns cinco para o arranque. Depois, quem sabe, tudo depende da aceitação do mercado e mesmo das parcerias que consigamos estabelecer”, adianta. “As ideias para a fileira das castanhas não ficam por aqui, haverá mais projetos, mas ainda estão em fase de ideia”, diz, sem mais detalhes.
Setor agrícola em transformação
As empresárias do TalentA são também sinal de um setor em mudança, no perfil e no nível de formação dos trabalhadores. “O tipo de formação agrícola predominante na população agrícola portuguesa, e também nas mulheres, é a exclusivamente prática, ou seja, conhecimentos adquiridos exclusivamente em atividades desenvolvidas em explorações agrícolas”, descreve Luís Mira.
Em 2019, a maioria das mulheres que trabalhava em produção agrícola familiar tinha a 4.ª classe. “Entre 1989 e 2019, houve um acréscimo significativo de mulheres com formação superior, passando de cerca de 1% para 13%, mas destas apenas 1% possuía instrução superior na área agrícola”, continua o secretário-geral da CAP citando dados compilados em “Mulheres na agricultura: 1989 a 2019” de Isabel Escada Mendes, chefe de Divisão de Estatística, Direção de Serviços de Estatística (DSE), Gabinete de Planeamento e Políticas e Administração Geral (GPP), publicado em junho de 2023 na revista Cultivar.
Entre 1989 e 2019, houve um acréscimo significativo de mulheres com formação superior, passando de cerca de 1% para 13%, mas destas apenas 1% possuía instrução superior na área agrícola.
E o peso das trabalhadoras mulheres no setor agrícola também tem vindo a ganhar expressão. “A nível comunitário, a proporção de produtoras agrícolas singulares portuguesas tem-se mantido acima da média da União Europeia”, destaca Luís Mira. E, se desde 2019, reduziu para menos de metade o número de produtores singulares, “verificou-se uma grande subida no que se refere à franja do sexo feminino”, destaca. De 15% dos produtores singulares em 1989, para mais de um terço (33%) em 2019.
O volume de investimento nos projetos tem vindo a aumentar. Também com o contributo das empresárias. “Entre 2015 e 2022, as mulheres apresentaram projetos de maior investimento, sendo este em média 27% superior ao investimento médio dos projetos aprovados para os homens”, adianta o presidente da CAP. “O setor dos pequenos frutos e bagas é o que, proporcionalmente, apresenta maior procura por parte do sexo feminino, face ao total de projetos aprovados (43%)”, precisa.
“Acho que ainda há um pouco a ideia de que cá, em Portugal não se faz nada de interessante. Discordo inteiramente. Há imensos projetos a acontecer por todo o país, somos uma nação de inovadoras e inovadores e devíamos valorizar mais essa característica”, defende Ana Filipa Barros. Para a empresária, ganhar no TalentA é também “uma aposta em ideias inovadores e pouco convencionais”, diz. “A demonstração que conseguimos ter uma agricultura e um empreendedorismo inovadores e sustentáveis. E enquanto mulher, é a possibilidade de contribuir para desmistificar ‘pré-conceitos’ associados à área, mostrando que as mulheres também têm boas ideias e fazem os trabalhos bem feitos”, continua.
Programa sob avaliação
Em cinco edições, vários projetos liderados por mulheres foram reconhecidos e têm tido continuidade. “Estamos bastante satisfeitos com a taxa de sucesso dos projetos apoiados”, garante Luís Mira, não faltando diversidade no tipo de projetos.
O Sr.Berry foi o projeto vencedor na primeira edição. Sónia Brito, licenciada em engenharia civil, dedicou terrenos de herança em Lagoa, no Algarve, para a produção de frutos vermelhos em hidroponia. “Na primeira campanha de framboesas bateu recordes com 48,5 toneladas por hectare, em 4,5 hectares de estufas. Neste momento, tem novas apostas, na amora e no dióspiro”, conta o secretário-geral da CAP. As framboesas são enviadas para a Holanda para serem distribuídas pela Driscoll’s no norte da Europa e há planos para apostar no vinho e turismo rural, conta
O responsável da CAP destaca ainda o projeto PTachio, de Inês Marques Lopes, finalista na segunda edição. Há quatro anos comprou 114 hectares em Arraiolos, plantou 12.500 árvores de pistáchio, em 40 hectares de regadio. “A primeira colheita está prevista para daqui a três anos e será realizada com sistema de guarda-chuva invertido”, descreve. Na restante área, dedica-se à criação de porco alentejano.
Ana Teresa Matos venceu no ano passado com o projeto Reserva do Vale Velho. Em 2018, comprou o Casal das Pias, uma quinta com 100 hectares no Parque Natural da Serra da Estrela, em Folgosinho, onde produz ovelhas de raças autóctones em modo de produção biológico, queijo artesanal e licores, promove a recuperação e preservação de habitats e espécies ameaçadas, incluindo a reflorestação com espécies autóctones, como castanheiros e baga de sabugueiro. Com o dinheiro do prémio comprou o primeiro trator.
Apesar da “taxa de sucesso” do programa, a sua continuidade está a ser avaliada. “Estão ainda por decidir a continuidade do Programa e as suas condições”, diz o secretário-geral da CAP quando questionado sobre para quando o arranque de uma nova edição.
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Café, sabonetes de leite de ovelha e castanha. Elas são TalentA e dão cartas na agricultura
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