Depois da estratégia europeia para startups, fundos e empreendedores querem execução rápida e menos burocracia

Fundos e empreendedores querem que Bruxelas coloque estratégia para startups em modo 'aceleração' na sua implementação nos Estados-Membros. E alertam: a concorrência não é só com os EUA e China.

A criação de um ambiente regulamentar favorável, o acesso a financiamento, o apoio à entrada no mercado, a atração de talento e o acesso a infraestruturas são os principais eixos da nova estratégia europeia para atrair e fixar startups e scaleups, visando tornar a União Europeia (UE) num centro global de inovação e tecnologia face aos EUA e China. Uma “boa iniciativa”, que só “peca por tardia”, dizem os fundos e startups nacionais ouvidas pelo ECO. Agora é preciso executar e rápido, e olho atento aos novos concorrentes a emergir no Médio Oriente, como os Emirados Árabes Unidos ou o Qatar.

“Esta abordagem holística demonstra que Bruxelas está ciente da realidade: a Europa é, atualmente, um destino de férias para empreendedores; não é onde se criam empresas. Este tipo de passo estratégico é crítico, se queremos ter alguma hipótese de ganhar competitividade face aos EUA e à China”, atira Diogo Mónica, cofundador da unicórnio Anchorage Digital.Destaco e aplaudo a ideia do ’28º regime’, um conjunto de regras globais para as startups no mercado único, cujo grande objetivo é o de remover a burocracia, o grande fator de fricção que continua a travar o motor económico europeu”, realça o também investidor, sobre a estratégia recentemente apresentada por Bruxelas, em “The EU Startup and Scaleup Strategy – Choose Europe to start and scale”.

Lurdes Gramaxo dá igualmente nota positiva à estratégia considerando que os objetivos são “promissores”. “Agora tudo depende da capacidade de implementação da Estratégia que, para funcionar, terá de ser válida a nível do Mercado Único e conseguir ultrapassar as barreiras da existência de 27 Estados-Membros”, ressalva a presidente da Investors Portugal.

Esta abordagem holística demonstra que Bruxelas está ciente da realidade: a Europa é, atualmente, um destino de férias para empreendedores; não é onde se criam empresas. Este tipo de passo estratégico é crítico, se queremos ter alguma hipótese de ganhar competitividade face aos EUA e à China.

Diogo Mónica

Cofundador da Anchorage Digital

E não é a única a apontar a urgência da implementação de uma politica verdadeiramente pan-europeia para dinamizar o ecossistema, num momento em que a Europa precisa de aumentar a sua competitividade. “A iniciativa contém vários projetos que, a verem a luz do dia, poderiam de facto ser transformadores para a Europa. Agora, a questão principal está na capacidade e na velocidade de implementação, e em particular, na capacidade de mobilização dos vários estados membros para abraçarem a iniciativa e saberem coordenar-se em torno dela — sem o que continuaremos a ter distintas interpretações e implementações que continuarão a limitar a realização do potencial almejado”, aponta Pedro Ribeiro Santos, managing partner da Armilar.

Uma rapidez na execução fundamental para o sucesso, defende Gil Azevedo. “É essencial garantir agilidade na concretização da estratégia e na adoção pelos Estados-Membros, que assegure uma desburocratização e harmonização legislativa real entre países. Um dos maiores entraves hoje em dia à escalabilidade das startups europeias é a complexidade de operar em 27 mercados regulatórios distintos e pesados. É urgente reduzir esse atrito“, urge o diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa.

“Bruxelas finalmente chamou as coisas pelo nome: se quisermos deixar de ser o “eterno 3.º lugar” da economia digital, temos de atacar o tripé — talento, capital e escala — de forma sistémica. O novo Startup & Scaleup Strategy estabelece justamente cinco eixos: ambiente regulatório amigo da inovação (o ’28.º Regime’), financiamento, acesso ao mercado, talento (iniciativa ‘Blue Carpet’) e infraestruturas de I&D partilhadas. É, no papel, o plano mais coerente desde a Estratégia de Lisboa”, considera Vítor Ferreira, diretor-geral da Startup Leiria.

É essencial garantir agilidade na concretização da estratégia e na adoção pelos Estados-Membros, que assegure uma desburocratização e harmonização legislativa real entre países. Um dos maiores entraves hoje em dia à escalabilidade das startups europeias é a complexidade de operar em 27 mercados regulatórios distintos e pesados. É urgente reduzir esse atrito.

Gil Azevedo

Diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa

Não podemos viver num mundo onde entre 500 empresas de tecnologia só cinco são europeias ou onde não existe um mercado único de capital de risco, onde estamos a duplicar esforços país a país, ao contrário dos EUA. Nos EUA uma startup escala logo para 340 milhões, aqui passamos a vida a fazer pilotos nacionais e dificilmente entramos em outros países”, lamenta o responsável da incubadora de Leiria, terceiro hub do ecossistema de empreendedorismo nacional, segundo o ranking da StartupBlink.

E não falta concorrência a emergir de outras zonas do globo. “Não podemos ignorar que outros países, como os Emirados Árabes Unidos e o Qatar, estão a avançar rapidamente com políticas agressivas para atrair startups e talento global. Enquanto a Europa debate e planeia, esses países já oferecem incentivos fiscais significativos, processos de imigração simplificados e ambientes empresariais altamente favoráveis. Se não acelerarmos a implementação de medidas concretas, corremos o risco de perder terreno nesta corrida pela inovação”, alerta Márcia Pereira, CEO da Bandora, startup que recorre a inteligência artificial (IA) para ajudar na gestão de edifícios.

Reforçar financiamento para escalar

O relatório Draghi colocou o dedo na ferida. A Europa está a perder competitividade face aos Estados Unidos e China, e não está a tirar partido da tecnologia para potenciar a produtividade. Mais, alertou, tem vindo a perder muitas das suas startups com maior potencial para outras geografias, atraídas por acesso a capital mais robusto, menos burocracia e mercados onde a expansão geográfica enfrenta menos obstáculos.

E o Velho Continente precisa de atrair e fixar tecnológicas — nenhuma das atuais big five tem origem na Europa — como de pão para a boca. “Só tornando-se um centro global de inovação tecnológica é que a Europa poderá recuperar peso geopolítico e, com isso, garantir qualidade de vida para os seus cidadãos e sustentabilidade para o estado social. Sem um forte ecossistema inovador e empresas competitivas à escala global isso não será possível”, aponta Stephan Morais, presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco (APCRI).

“Há um atraso cada vez maior face aos Estados Unidos e à China que é urgente recuperar. Caso contrário, a Europa estará condenada a ser um ator passivo e um mero regulador de tecnologias desenvolvidas noutras geografias”, alerta André Martins. “Este plano é uma tentativa de ultrapassar alguns dos problemas estruturais que estão a bloquear a inovação na Europa: reduzir entraves burocráticos, aumentar o capital de risco que encoraje startups a fixar-se e a crescer na Europa, acelerar a transição entre investigação fundamental e inovação (lab-to-market), atrair e reter talento e facilitar o acesso a infraestruturas”, diz ainda o head of research na Unbabel.

Há um atraso cada vez maior face aos Estados Unidos e à China que é urgente recuperar. Caso contrário, a Europa estará condenada a ser um ator passivo e um mero regulador de tecnologias desenvolvidas noutras geografias. (…) Este plano é uma tentativa de ultrapassar alguns dos problemas estruturais que estão a bloquear a inovação na Europa.

André Martins

Head of research na Unbabel

A recente estratégia apresentada pela Comissão Europeia visa responder a vários temas que, há muito, são queixas recorrentes no ecossistema. A começar pelo acesso ao capital, em particular, quando é chegada a fase de escalar.

O relatório faz um retrato do ponto de partida. “O investimento dos fundos de venture capital (VC) melhoram significativamente na última década. Em 2024, o investimento VC na Europa era três vezes superior do realizado em 2016 (41,2 mil milhões de dólares vs 13,3 mil milhões”, refere a Comissão Europeia em “The EU Startup and Scaleup Strategy”.

Fonte: “The EU Startup and Scaleup Strategy – Choose Europe to start and scale”, Comissão Europeia.

Mas, o investimento europeu em empresas tecnológicas continua aquém de outras geografias, e a Europa tem apenas um quinto das scaleups dos Estados Unidos. “A UE também tem um desempenho abaixo em termos do número de unicórnios. No início de 2025, havia 110 empresas com uma avaliação de mil milhões de dólares ou mais na UE, número significativamente abaixo dos 687 registados nos EUA, mas também abaixo do desempenho da China (162)“, alerta.

Para dar músculo ao ecossistema, ao nível do financiamento, Bruxelas propõe o reforço do Conselho Europeu de Inovação (CEI), o lançamento de um fundo europeu para empresas tecnológicas e a criação de um pacto voluntário para atrair investimento institucional.

“A criação de instrumentos dedicados e robustos de financiamento é uma das peças-chave para que as startups europeias possam competir à escala global”, começa por comentar Vasco Pereira Coutinho. “O reforço do CEI e do novo fundo tecnológico são muito bem-vindos, mas será crucial que esses mecanismos tenham uma abordagem flexível, ágil e orientada para o risco, algo que historicamente tem faltado na Europa”, continua o CEO da Lince Capital. “Para atrair mais capital privado, é necessário reduzir barreiras fiscais, promover benefícios fiscais e educar investidores institucionais sobre o potencial de retorno no setor tecnológico”, conclui.

O reforço do CEI e do novo fundo tecnológico são muito bem-vindos, mas será crucial que esses mecanismos tenham uma abordagem flexível, ágil e orientada para o risco, algo que historicamente tem faltado na Europa.

Vasco Pereira Coutinho

CEO da Lince Capital

Vítor Ferreira é contido no seu entusiasmo. “O reforço do CEI é bem-vindo, mas não chega: o late-stage gap continua nos 20–30 mil milhões de euros/ano face aos EUA. O ‘Scaleup Europe Fund’ pode ser o ‘fósforo’, desde que atraia fundos de pensões e seguradoras com garantias de primeira perda públicas (o que foi feito espetacularmente bem na França), que seja pan-UE, investindo onde está a empresa, coinvista com VC privados para evitar crowding-out (como o Banco de Fomento) e abra portas a saídas em bolsa simplificando o prospeto único na Euronext”, elenca. “Curiosamente, Portugal estava a frente do seu tempo em muitas destas medidas! (só a escala é que é pequena)”, aponta o responsável da Startup Leiria.

Márcia Pereira mostra-se otimista q.b. A CEO da Bandora considera “bem-vindas” medidas como o reforço do CEI e a criação e um fundo europeu dedicado às tecnológicas, mas “o sucesso depende da sua execução com critério, rapidez e equipas de gestão com autonomia real”. “A Europa precisa de fundos ágeis, com capacidade para decidir investimento em semanas, não em ciclos burocráticos de seis meses“, atira.

"O reforço do CEI é bem-vindo, mas não chega: o late-stage gap continua nos 20–30 mil milhões de euros/ano face aos EUA. O ‘Scaleup Europe Fund’ pode ser o ‘fósforo’, desde que atraia fundos de pensões e seguradoras com garantias de primeira perda públicas (o que foi feito espetacularmente bem na França), que seja pan-UE, investindo onde está a empresa, coinvista com VC privados para evitar crowding-out (como o Banco de Fomento) e abra portas a saídas em bolsa simplificando o prospeto único na Euronext.”

Vítor Rodrigues

Diretor-geral da Startup Leiria

Uma visão partilhada por Diogo Mónica.O estrangulamento não está no capital; o capitalismo e o interesse próprio dos detentores do capital garantem que o dinheiro aparece quando as oportunidades de investimento rentável existem. O foco deve estar em medidas que reduzam burocracia, harmonizem as leis europeias, e criem legislação laboral mais competitiva, tudo em nome de um mais fácil surgimento e crescimento das empresas”, aponta o cofundador da Anchorage Digital.

Acelerar e cortar a burocracia é igualmente defendido por Gil Azevedo. “Mais que o reforço dos fundos, é essencial simplificar e harmonizar. Claro que a criação de novos instrumentos financeiros é bem-vinda. Mas o capital só será eficaz se for ágil, se chegar às mãos certas, e que venha complementar o investimento privado e atrair mais capital e investidores”, diz o diretor executivo da Unicorn Factory Lisboa.

O verdadeiro game changer será conseguir atrair investimento institucional privado, desde family offices a fundos de pensões, seguradoras ou bancos, tradicionalmente mais avessos ao risco tecnológico. (…) [Há que] reforçar os mecanismos de mitigação de risco e de partilha de retorno que tornem o investimento em inovação mais atrativo para investidores não tradicionais.

Luís Rodrigues

Diretor da Startup Braga

Mas, para reforçar a liquidez a chegar ao mercado, há que chamar mais operadores a investir no ecossistema, em particular, os fundos institucionais, com bolsos fundos, mas mais adversos ao risco do investimento no setor tech.

“O pacto voluntário para atrair investimento institucional é um bom sinal, mas precisamos de mais do que intenções. Temos de criar incentivos fiscais que levem fundos de pensões, bancos e seguradoras a alocar parte do seu capital a ativos de risco tecnológico — como já acontece nos EUA”, lembra Márcia Pereira, fundadora da startup que usa IA para fazer gestão de condomínios.

Para Luís Rodrigues, o “verdadeiro game changer será conseguir atrair investimento institucional privado, desde family offices a fundos de pensões, seguradoras ou bancos, tradicionalmente mais avessos ao risco tecnológico”. Mas para isso, há que “reforçar os mecanismos de mitigação de risco e de partilha de retorno que tornem o investimento em inovação mais atrativo para investidores não tradicionais”, considera o diretor da Startup Braga.

E não está sozinho nessa análise. “Os grandes investidores europeus — fundos de pensões, seguradoras, gestores de ativos, fundos de fundos e gestoras de património — não podem continuar insensíveis ao facto de as startups que recebem investimento de fundos privados profissionais produzirem maiores rentabilidades quando comparadas com investimentos em ações, em obrigações ou em imobiliário. Esse é o primeiro passo para criar uma dinâmica de investimento na Europa”, defende Stephan Morais.

“A União Europeia e o Governo português devem ter políticas de incentivo ao investimento em fundos privados e independentes de venture capital para multiplicar o surgimento de unicórnios e para os transformar em motores da atividade empresarial na Europa, criando mais emprego qualificado”, argumenta o presidente da APCRI.

A União Europeia e o Governo português devem ter políticas de incentivo ao investimento em fundos privados e independentes de venture capital para multiplicar o surgimento de unicórnios e para os transformar em motores da atividade empresarial na Europa, criando mais emprego qualificado.

Stephan Morais

Presidente da APCRI

A Tekever, a mais recente startup nacional a atingir o estatuto de unicórnio, também considera que o fundo europeu poderá “desbloquear um potencial massivo de inovação, mas apenas se for apoiado com escala, velocidade e estruturação estratégica”. “Para atrair mais capital, a Europa deverá focar-se em retirar risco no investimento em tech através de políticas público-privadas de coinvestimento, criando histórias de sucesso das startups e scaleups a florescer no continente para inspirar confiança nos fundadores, e oferecendo maior clareza regulatória para ampliar e reforçar o ecossistema”, aponta fonte oficial da unicórnio, com presença em mercados como Reino Unido ou França.

500 milhões para atrair talento

O tema do talento é igualmente endereçado por Bruxelas no documento estratégico. Retirar barreiras à mobilidade de trabalhadores altamente qualificados, criar regimes fiscais mais atrativos para as opções de ações (stock-options) em startups, usado como gancho de atração de talento, são alguns dos caminhos apontados.

Para atrair mais capital, a Europa deverá focar-se em retirar risco no investimento em tech através de políticas público-privadas de coinvestimento, criando histórias de sucesso das startups e scaleups a florescer no continente para inspirar confiança nos fundadores, e oferecendo maior clareza regulatória para ampliar e reforçar o ecossistema.

Fonte oficial Tekever

A tudo isto, junta-se o anúncio feito, semanas antes, no início de maio, de um pacote de 500 milhões de euros até 2027 para atrair investigadores estrangeiros. Isto num momento, em que nos EUA estudantes e investigadores estrangeiros enfrentam maiores dificuldades em obter ou renovar vistos.

“O timing desta iniciativa não é indiferente ao atual contexto geopolítico. A atratividade e a força do ecossistema americano têm atraído muito talento internacional, que em muitos casos está por trás de várias empresas de enorme sucesso global. No atual contexto, os EUA deixaram, em vários aspetos, de ser a nação que recebe a imigração (mesmo a mais qualificada) de braços abertos, e muito do talento europeu hoje em dia deverá pensar duas vezes antes de embarcar para os EUA para criar e lançar a sua startup”, reconhece Pedro Ribeiro Santos. “É hoje mais provável que o talento europeu fique na Europa, e isso é uma oportunidade para o nosso continente. Assim sejam implementadas com sucesso e rapidez as várias iniciativas propostas”, aponta o managing partner da Armilar.

Lurdes Gramaxo não tem dúvidas que esta é “A oportunidade” da Europa para atrair e manter o talento dentro de portas. Para isso, é preciso “investir, fomentar e reforçar as atividades de Investigação e o desenvolvimento nas entidades do sistema científico europeu”, mas também “criar rapidamente medidas que facilitem o acolhimento e a integração dos investigadores que procurem o espaço europeu para trabalhar, tirando partido da situação de incerteza, imprevisibilidade e isolacionismo que têm caracterizado as políticas da nova administração americana”, considera a presidente da Investors Portugal.

"É hoje mais provável que o talento europeu fique na Europa, e isso é uma oportunidade para o nosso continente. Assim sejam implementadas com sucesso e rapidez as várias iniciativas propostas.”

Pedro Ribeiro Santos

Managing partner da Armilar

Regimes de vistos e residências mais céleres, pacotes de apoio à instalação, integração familiar, mas também “condições competitivas em termos de remuneração e progressão científica”, elenca Vasco Pereira Coutinho como medidas que têm de ser implementadas para assegurar que a Europa não perde esta “janela de oportunidade estratégica”.

A Tekever vê também aqui uma “oportunidade” para o Velho Continente. “Há certamente uma oportunidade para as startups europeias capitalizarem [este momento]. Já começamos a ver muito mais talento tecnológico a ser desviado dos EUA para a Europa devido a este crescente ecossistema de tecnologia”, refere fonte oficial ao ECO.

Diogo Mónica não se mostra tão convicto que a oportunidade gerada seja aproveitada. E explica porquê. “A oportunidade de atrair talento já existia desde a primeira administração Trump, e quem segue os longos processos de espera para um visto de residência, ou a inconsistência temporal das sucessivas políticas de financiamento à Ciência, sabe que a oportunidade também já estava a ser desperdiçada desde a primeira administração Trump”, diz o empreendedor.

Para a Europa não ser apanhada na curva, tem de oferecer “condições competitivas”, ou não fosse global a concorrência pelo talento. “Os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, implementaram o ‘Golden Visa’, que concede residência de longo prazo a profissionais altamente qualificados, e oferecem isenção de impostos sobre o rendimento pessoal”, lembra Márcia Pereira. “Se a Europa não simplificar os processos de imigração e não criar incentivos atrativos, perderemos esta oportunidade”, afirma a CEO da Bandora.

Emirados Árabes e Qatar não são os únicos a usar os trunfos ao seu dispor para atrair talento qualificado. Países, como o Canadá e Singapura, “criaram um número de ‘chair positions’ em áreas estratégicas (como IA) com condições muito atrativas e muito competitivas e, com isso, foram muito bem sucedidos na atração de talento internacional. Esse talento acabou por gerar todo um ecossistema de inovação que está agora a dar frutos. A Europa deveria inspirar-se nestes bons exemplos”, recomenda André Martins, head of research na Unbabel.

Portugal pode atrair mais talento?

Neste tema da atração do talento, Stephan Morais olha o copo meio cheio. Em particular, para quando se olha para o potencial benefício para Portugal. É que, se por um lado, o atual momento de ‘fecho de portas’ do outro lado do Atlântico é uma “boa oportunidade”, por outro lado, “oferece dificuldades evidentes a países como Portugal”.

O presidente da APCRI explica porquê. Não só os “salários pagos pelas universidades e pelos centros de investigação do nosso país não são competitivos para atrair cientistas e investigadores com carreiras nos Estados Unidos”, como “Portugal tem custos de contexto muito elevados como, por exemplo, o preço da habitação nas cidades com ensino superior”.

“No entanto, se houver um programa transversal a toda a Europa financiado pela União Europeia, que possa contratar investigadores internacionais e colocá-los a interagir com projetos que envolvam o sistema empreendedor europeu, poderão ser alcançados alguns resultados interessantes“, ressalva o investidor.

“Portugal está numa posição geográfica privilegiada, mas o sol e a gastronomia não são suficientes. É preciso ter salários competitivos e boas condições para fazer investigação. E é preciso atrair talento globalmente e reter o talento que já está cá”, atira André Martins, head of research na Unbabel

E o mesmo defende Luís Rodrigues. Há que aproveitar a oportunidade — mas, para isso, é “fundamental que se revejam os processos de entrada e integração de talento estrangeiro no espaço europeu, através de processos mais ágeis e tempos de resposta significativamente mais curtos” —, mas garantir que são criadas condições para o talento local.

“Não podemos negligenciar o talento que temos dentro de portas. Em Portugal, temos uma comunidade científica e tecnológica altamente qualificada que, muitas vezes, enfrenta dificuldades de financiamento e de transição para o mercado. Reforçar as condições para que o talento nacional tenha espaço para se desenvolver — sem ter de sair do país — é igualmente urgente”, defende o diretor da Startup Braga.

Como Portugal pode retirar valor da estratégia europeia?

Classificado como 29.º hub do ecossistema de empreendedorismo a nível global, o 17.º a nível europeu, segundo mais recente ranking da StartupBlink, o “Global Startup Ecosystem Index 2025”, de um total de 110 países e 1.450 cidades analisadas, de que modo Portugal poderá tirar partido a estratégia europeia? Que iniciativas deverá implementar?

“Portugal está a dar muitos dos passos certos: vantagens fiscais para stock options; vistos para atrair talento e capital internacional; investimento em infraestruturas que tornem o país cada vez mais atrativo para talento internacional. Infelizmente, aquilo em que falhamos são as coisas básicas: burocracia altamente desencorajadora; incapacidade de lidar, de uma forma eficaz e eficiente, com a oportunidade que a imigração representa; um sistema de justiça lento, em cuja eficácia não se pode confiar”, lamenta Diogo Mónica.

Portugal deverá “incentivar e apoiar todas as medidas que permitam a rápida implementação do Plano Estratégico para as Startups e Scaleups.

Lurdes Gramaxo

Presidente da Investors Portugal

Para Lurdes Gramaxo, o país deverá “incentivar e apoiar todas as medidas que permitam a rápida implementação do Plano Estratégico para as Startups e Scaleups”.

E a presidente da Investors Portugal não está sozinha nessa postura. O mesmo diz Pedro Ribeiro Santos. “Será muito importante que Portugal adira a esta iniciativa e se comprometa com a sua rápida e efetiva implementação, sob pena de ficarmos atrás no ecossistema europeu, e de, como até aqui, termos uma Europa a 2 (ou n) velocidades neste importante campo de desenvolvimento económico”, considera o managing partner da Armilar.

Portugal tem vários trunfos, como “qualidade de vida, custos competitivos, talento qualificado e um ecossistema empreendedor em crescimento”, enumera Vasco Pereira Coutinho, mas para “beneficiar plenamente” desta estratégia europeia tem de “reforçar a articulação com os programas europeus, criar hubs de excelência em áreas estratégicas (como energia, saúde digital, IA ou oceanos) e garantir uma ligação mais estreita entre universidades, startups e VC”, considera o CEO da Lince Capital.

Márcia Pereira defende igualmente uma concentração de esforços em áreas de inovação. “Portugal pode assumir um papel relevante como laboratório de inovação em energia, edifícios inteligentes e cidades sustentáveis. O talento existe, os casos de uso também. Falta acelerar a adoção de soluções tecnológicas no setor público e criar instrumentos financeiros ágeis”, diz.

Nesse campo, a CEO da Bandora destaca o programa Deal-by-Deal do Banco Português de Fomento. “Um exemplo claro de como Portugal pode mobilizar coinvestimento estratégico e dar escala a startups com provas dadas. Se Portugal replicar e escalar este tipo de mecanismos, pode posicionar-se como uma porta de entrada para a Europa — e não apenas como um país de teste que perde os campeões para fora”, argumenta.

“Portugal é dos países da Europa com mais unicórnios per capita. Temos as melhores tecnologias de inteligência artificial da Europa, temos toda a cadeia de valor que vai da investigação fundamental à inovação. Criámos ecossistemas únicos na Europa com clusters de inovação que incluem centros de investigação, startups e utilizadores de tecnologia. Por isso, é fundamental assumirmos um papel mais ativo na Europa e dar o exemplo. Não nos podemos dar ao luxo de ficar à espera de ver o que os outros países vão fazer”, diz André Martins.

“Temos que tomar a iniciativa, começar por criar políticas que atraiam e retenham talento, desde a academia até à indústria. Na área da inteligência artificial, onde há uma competição feroz por talento a nível global, os salários na academia (professores universitários, pós-doutorados, estudantes de doutoramento) estão muito abaixo do mercado, menos de metade dos salários praticados nos Estados Unidos e em outros países da Europa. É preciso mudar isso. É preciso criar incentivos para se criarem mais spin-offs nas universidades, a inovação e a investigação fundamental têm que estar lado a lado”, reforça o head of research na Unbabel.

A aposta do país tem de envolver todo o ecossistema, argumenta o diretor da Startup Braga. “É fundamental que os hubs regionais — como a Startup Braga, que trabalha diariamente com startups deeptech, de base científica e tecnológica, e projetos que procuram hoje responder a alguns dos principais desafios societais — sejam parte da resposta. O apoio a programas-piloto nacionais, alinhados com as prioridades europeias, poderá reforçar a atratividade do país como destino para startups e talento internacional”, diz Luís Rodrigues.

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