Petróleo tem barreira nos 100 dólares que só geopolítica pode furar

O risco de subidas adicionais do petróleo devido ao conflito no Médio Oriente é alto. Tendo em conta os fundamentais, os analistas não veem margem para uma negociação sustentada acima dos 100 dólares.

Após uma valorização de 27% no terceiro trimestre que levou a cotação do Brent para máximos de novembro de 2022 acima de 96 dólares, no mercado ficou a sensação de que seria uma questão de tempo até o petróleo regressar aos três dígitos. O desempenho na primeira semana de outubro frustrou esta expectativa, com o Brent a sofrer a desvalorização de 11%, que foi a mais acentuada desde março.

Esta correção pronunciada de 10 dólares no espaço de escassos dias evidenciou a fragilidade da escalada das cotações nos últimos meses, assente em fundamentais que não jogam a favor da cotação do petróleo atingir os 100 dólares. Os sinais de abrandamento da procura são evidentes, a alta do dólar penaliza a atratividade das matérias-primas e os cortes de produção extraordinários em prática pela Arábia Saudita e Rússia não vão durar para sempre.

O ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro, recolocou o petróleo numa trajetória ascendente e de regresso aos 90 dólares, provocando uma forte volatilidade, com sessões de fortes subidas a serem seguidas de correções nos dias seguintes. Sendo evidente que o prémio da geopolítica nas cotações do petróleo está atualmente no nível mais elevado desde o início da guerra na Ucrânia, também ficou mais claro que só uma escalada do conflito a outras regiões do Médio Oriente tem potencial para colocar o preço da matéria-prima acima dos 100 dólares.

Numa altura em persiste a elevada incerteza sobre como vai evoluir este conflito, para já está contido a uma região onde não afeta a produção de petróleo. A subida recente das cotações reflete os receios de um contágio a países produtores da matéria-prima na região onde é extraído cerca de um terço do petróleo consumido em todo o mundo, sobretudo por duas vias:

  • O Irão já avisou que vai intervir se as tropas israelitas avançarem em Gaza por via terrestre, sendo que os Estados Unidos alertaram que não vão permitir que estes acontecimentos sirvam para justificar um ataque a Israel. A resposta norte-americana ao envolvimento do Irão pode passar por agravar as sanções ao país, limitando a oferta de petróleo numa altura em que esta já está a ser restringida. A evolução positiva das negociações sobre o acordo nuclear do Irão tinha permitido ao Irão produzir 3,15 milhões de barris em agosto, o nível mais elevado desde 2018, pelo que está em risco uma inversão desta tendência que estava a compensar os cortes da Arábia Saudita e Rússia.
  • Os Estados Unidos estavam a mediar um acordo para normalizar as relações entre a Arábia Saudita e Israel, sendo que em contrapartida o país com as maiores reservas mundiais de petróleo poderia aumentar a produção da matéria-prima, contribuindo para pressionar os preços em baixa. Os últimos acontecimentos na região reduzem substancialmente a probabilidade deste acordo ser fechado com sucesso, o que dificulta a perspetiva de aumento da oferta da Arábia Saudita.

Existem poucas dúvidas de que uma guerra prolongada entre Israel e o Hamas poderá desestabilizar o Médio Oriente e, no pior dos cenários, reduzir a oferta global”, refere Ole Hansen, responsável da unidade de matérias-primas do Saxo Markets.

Economia e preços altos afetam procura

A valorização acentuada no terceiro trimestre foi alimentada pela política da OPEP+, em particular dos dois membros mais poderosos deste cartel. A Arábia Saudita implementou em julho um corte extraordinário de 1 milhão de barris por dia, que foi seguido em agosto por uma redução unilateral (300 mil barris) por parte da Rússia.

Os dois países têm vindo a renovar estes cortes todos os meses, deixando o mercado numa situação deficitária que tem sido o verdadeiro combustível para a rota ascendente da matéria-prima. Contudo, foi precisamente na semana em que Arábia Saudita e Rússia anunciaram que a redução da oferta será prolongada (pelo menos) até ao final do ano que os preços do petróleo corrigiram fortemente, demonstrando que o mercado começa a ficar mais preocupado com a evolução da procura.

Os elevados preços do petróleo, só por si, já destroem procura, mas avolumam-se os sinais de evolução mais branda do consumo. A desvalorização de 10 dólares na primeira semana de outubro foi sobretudo motivada pelo anúncio de que o consumo de combustíveis nos Estados Unidos recuou para mínimos desde o início do ano. A economia chinesa está a recuperar, mas não a um ritmo suficiente para perspetivar um forte consumo da matéria-prima.

A mensagem transmitida pelos bancos centrais de que as taxas de juro também vão permanecer elevadas por mais tempo também está a condicionar a evolução do petróleo, uma vez que agrava as perspetivas para a evolução da economia mundial e o consumo da matéria-prima. Além de que dá força ao dólar e acentua a alta das yields das obrigações, duas dinâmicas que são desfavoráveis à atratividade do investimento em petróleo.

A Agência Internacional de Energia (AIE) reduziu recentemente a estimativa para o aumento do consumo de petróleo a nível global em 2024 (880 mil barris por dia), assinalando que uma cotação nos 100 dólares contribuirá para a destruição de procura.

No cenário mais pessimista de escalada do conflito no Médio Oriente, será inevitável a cotação superar os 100 dólares, mas a negociação nos três dígitos pode ser de curta duração. Foi o que aconteceu na guerra na Ucrânia, quando o barril disparou para máximos históricos, mas pouco meses depois já estava abaixo dos 100 dólares. Um exemplo paradigmático de como os preços elevados destroem a procura.

Pressão em Riade, Moscovo e Washington

Após os cortes implementados nos últimos meses, a Arábia Saudita e a Rússia têm atualmente uma elevada capacidade para rapidamente elevarem a oferta de petróleo no mercado em resposta a uma situação de disrupção. Os dois países já admitiram que podem colocar mais matéria-prima no mercado se o agravamento do conflito no Médio Oriente destabilizar o mercado petrolífero.

A Arábia Saudita e a Rússia já se comprometeram para prolongar os cortes extraordinários de produção até ao final do ano, mas começam a ficar com uma margem limitada para manter a estratégia em 2024. Mesmo que as cotações persistam nos níveis atuais, Moscovo conta com as receitas do petróleo para sustentar as despesas relacionadas com a guerra na Ucrânia que não tem fim à vista.

Riade tem uma capacidade financeira muito mais elevada e no passado demonstrou paciência na implementação da estratégia para impulsionar os preços até aos níveis pretendidos. Contudo, começam a ser mais visíveis os danos económicos de estar a produzir apenas 9 milhões de barris por dia, menos do que os 10 milhões de média da última década. De acordo com o Banco Mundial, o PIB da Arábia Saudita vai encolher 0,9% este ano e o governo do reino alterou as projeções orçamentais, passando a prever défices até 2026.

Apesar dos cortes da OPEP+, a oferta global de petróleo deverá crescer 1,5 milhões de barris este ano, devido ao impulso de outros produtores fora do cartel. Segundo da AIE, se os cortes extraordinários forem revertidos no início de 2024, o mercado petrolífero voltará a uma situação de excedente.

Em Washington a pressão também é elevada. 2024 é ano de eleições nos Estados Unidos e Joe Biden sabe que a reeleição será mais difícil se os preços dos combustíveis permanecerem elevados. Não só continuará a pesar no orçamento dos consumidores, como também pressionará a inflação em alta, impossibilitando a Fed de começar a reduzir as taxas de juro, mesmo numa situação de abrandamento económico.

Esta preocupação ajuda a explicar porque a administração norte-americana está a intensificar os esforços para conter a crise no Médio Oriente, procura reforçar os laços com a Arábia Saudita ao mesmo tempo que mantém os canais de comunicação com o Irão e está disponível para restringir as sanções à Venezuela para permitir que o petróleo deste país da América Latina chegue ao mercado.

O petróleo pode vir a estabilizar numa banda entre os 80 e 90 dólares, um intervalo que classificamos como sendo o ideal, pois não é muito frio para os produtores, mas também não muito quente para os consumidores.

Ole Hansen, analista do Saxo Markets

Analistas apontam aos dois dígitos

Tendo em conta a elevada incerteza que persiste a nível e económico e geopolítico, as estimativas dos analistas nesta altura devem ser sempre vistas com uma dose adicional de cautela.

“Efetuar previsões para as próximas semanas é quase impossível” assinala o analista do Saxo Markets, destacando que os produtores do Médio Oriente, liderados pela Arábia Saudita, “têm uma elevada margem para libertar capacidade de produção”. Por outro lado, “não deverão aceitar preços mais baixos”, pelo que Ole Hansen antevê a manutenção dos preços acima dos 80 dólares.

O Goldman Sachs, um dos bancos de investimento com visão mais otimista para as matérias-primas em geral e o petróleo em particular, considera que o conflito entre os Israel e Hamas não tem impacto imediato no mercado petrolífero. Por isso, mantém a previsão de que a OPEP vai conseguir manter a cotação do Brent no intervalo entre 80 e 105 dólares, com a cotação a atingir os três dígitos na próxima Primavera, impulsionado também pela manutenção da procura em níveis robustos.

Do lado oposto está o Citigroup, que estima uma queda nos preços do petróleo até aos 70 dólares em 2024, destacando que quanto mais elevados estiverem atualmente as cotações, mais pronunciada será a correção no próximo ano. O analista Ed Morse prevê o regresso de uma situação de excedente no mercado devido ao abrandamento da procura na China, Estados Unidos e Europa, ao mesmo que o aumento de produção do Irão, Iraque, Líbia, Nigéria e Venezuela vão elevar a oferta global em 1 milhão de barris por dia.

O UBS vê o Brent subir até aos 95 dólares por barril no final do ano, devido à perspetiva de que o consumo vai continuar a aumentar, ao mesmo tempo que a OPEP mantém a disciplina no constrangimento da oferta. O banco de investimento alerta para o potencial impacto substancial de sanções adicionais às exportações do Irão, mas apenas no curto prazo.

O ING vê o petróleo com uma cotação média de 92 dólares no quarto trimestre, devido ao défice que persiste no mercado (mais de dois milhões de barris por dia) depois de Rússia e Arábia Saudita terem prolongado os cortes. Contudo, o banco dos Países Baixos estima que qualquer subida da cotação acima dos 100 dólares será de curta duração e não será sustentável. “A OPEP+ vai enfrentar uma pressão política adicional se os preços subirem muito mais” e será difícil o cartel defender que está a estabilizar o mercado petrolífero se a cotação superar os 100 dólares, refere o ING.

“Salvo qualquer perturbação geopolítica, o potencial de alta” das cotações do petróleo “parece limitado”, tendo em conta as “preocupações de estagflação”, pelo que o Saxo Markets antevê uma negociação do barril na banda entre os 80 e 90 dólares. “Um intervalo que classificamos como sendo o ideal, pois não é muito frio para os produtores, mas também não muito quente para os consumidores”, diz Ole Hansen.

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