Queda de 69% no investimento em infraestruturas de transportes tirou competitividade a Portugal

Depois de um ciclo de forte investimento em infraestruturas de transportes na primeira década do século, na segunda os valores caíram a pique, retirando competitividade ao país.

  • O ECO vai divulgar 5 séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 10 de março. Os rendimentos das famílias, o crescimento económico, a crise da habitação, o investimento em infraestruturas e os problemas da Justiça vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas

A partir de meados da década de 90, Portugal entrou num ciclo de crescimento sustentado no investimento em infraestruturas de transportes que se prolongou até à primeira década deste século. Foi um período marcado por uma forte expansão e melhoramento da rede rodoviária, mas também da ferrovia. Tudo mudou com a crise da dívida e o resgate da troika.

Se entre 2001 e 2010 foram investidos 28,3 mil milhões de euros em estradas, linhas ferroviárias e portos, nos dez anos seguintes esse valor minguou para 8,8 mil milhões, uma queda de 69%. De um investimento anual de 2,83 mil milhões, Portugal passou para apenas 883,8 milhões, mostram dados do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia.

A diminuição abrupta atingiu todos os tipos de infraestruturas, mas em particular na rodovia e ferrovia, onde os investimentos públicos, mas também privados, tinham sido mais elevados. Em ambos os casos houve uma quebra de 70%. Nos aeroportos e portos, as descidas foram também expressivas, de 54,4% e 48%, respetivamente.

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A crise da dívida soberana na Zona Euro e o pedido de resgate financeiro por Portugal em abril de 2011, que obrigaria a uma apertada consolidação orçamental, marcariam o fim do ciclo de investimento da década anterior.

“O grande aperto orçamental do estado vitimiza em primeiro lugar as despesas de investimento que doem hoje e só se vê benefícios no futuro”, justifica Alfredo Marvão Pereira, professor do Departamento de Economia do College of William and Mary, no estado americano da Virgínia, e co-autor do livro Investimentos em Infraestruturas em Portugal, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O grande aperto orçamental do estado vitimiza em primeiro lugar as despesas de investimento que doem hoje e só se vê benefícios no futuro.

Alfredo Marvão Pereira

Professor do Departamento de Economia do College of William and Mary

“O investimento público foi uma das principais variáveis de ajustamento para atingir as metas acordadas”, aponta Fernando Alexandre, professor associado de economia da Universidade do Minho. “Porquê o investimento público? Porque é a variável que tem menos rigidez”. Um terço da consolidação orçamental foi conseguida por esta via, diz.

Alfredo Marvão Pereira assinala mais dois fatores para a quebra: a menor necessidade de investimentos rodoviários após as obras lançadas nos anos anteriores e a redução do financiamento comunitário, em particular para infraestruturas.

O investimento em infraestruturas manteve-se em níveis historicamente reduzidos, mesmo após a saída da troika de Portugal, em maio de 2014. O mínimo foi atingido em 2016, com 606 milhões, o montante mais baixo desde 1989, mas o valor pouco muda nos anos seguintes. Em percentagem do PIB, os níveis mais reduzidos ocorrem em 2017 e 2018.

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“A compressão sobre o investimento público manteve-se após 2015, durante um período muito mais prolongado do que seria de esperar. Portugal continuava sob o olhar vigilante dos investidores”, justifica Fernando Alexandre. “Por outro lado, havendo a opção de repor rendimentos, nomeadamente dos funcionários públicos, o investimento público foi sacrificado“, acrescenta.

O economista aponta ainda o uso das cativações orçamentais, muito usadas durante os oito anos de governação de António Costa: “As descativações que se conseguem é no final do ano e nessa altura já não se consegue fazer nada. As cativações introduzem uma dimensão de curto prazo que não é compatível com o planeamento de investimento de médio e longo prazo”.

A crise financeira acabou por, justa ou injustamente, dar má fama aos grandes investimentos públicos. Lançou-se quase um anátema.

Fernando Alexandre

Professor associado de economia da Universidade do Minho

Há, além disso, um problema de perceção. “A crise financeira acabou por, justa ou injustamente, dar má fama aos grandes investimentos públicos” feitos na década anterior, afirma Fernando Alexandre, dando como exemplo alguns estádios de futebol e autoestradas ainda hoje subutilizadas. “Lançou-se quase um anátema sobre o investimento público”.

Portugal atrasa-se na competitividade logística

A falta de investimento em infraestruturas é um dos fatores que ajuda a explicar a perda de competitividade logística de Portugal. Em 2007, o país ocupava a 28º posição do Logistic Performance Index do Banco Mundial. Na última análise, publicada o ano passado, estava dez lugares abaixo na 38ª posição.

Espanha, que em 2007 estava apenas duas posições acima de Portugal, está agora no 13º lugar, a par de França. A Grécia, que estava atrás, subiu para a 19ª posição a par da Itália. O desempenho nacional é penalizado sobretudo pelo custo do transporte marítimo e a baixa eficiência das alfândegas.

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Portugal é periférico do ponto de vista demográfico e mais do que França ou Alemanha precisa de ter um sistema logístico que não crie atritos e custos adicionais”, aponta Carlos Oliveira Cruz, professor catedrático do Instituto Superior Técnico e especialista em transportes. “Portugal devia preocupar-se em ter dos aeroportos e portos mais eficientes do mundo”, vinca.

“O modelo de desenvolvimento económico do país tem de assentar nas exportações. Um dos fatores determinantes é a conectividade internacional para a circulação de mercadorias e pessoas“, assinala Fernando Alexandre.

“Se concordarmos que o crescimento económico tem de passar pelo crescimento das exportações, temos de ter aeroportos e portos com eficiência e sem entraves de capacidade. Em vez disso, temos um aeroporto de Lisboa no limite da capacidade e com má qualidade de serviço”, critica o economista, que é também membro da Comissão Técnica Independente responsável pela Avaliação Ambiental Estratégica para o reforço da capacidade aeroportuária na capital.

Não tenho dúvidas de que Portugal está a perder, e muito, por não estar a investir em infraestruturas, em particular de transportes.

Fernando de Almeida Santos

Bastonário da Ordem dos Engenheiros

“Não tenho dúvidas de que Portugal está a perder, e muito, por não estar a investir em infraestruturas, em particular de transportes, com impacto no PIB”, afirma Fernando de Almeida Santos, bastonário da Ordem dos Engenheiros, que também aponta o caso do novo aeroporto de Lisboa, acrescentando que “o aeroporto do Porto também já é escasso”. “Portugal é praticamente o único país da União Europeia que não tem Alta Velocidade e leva um atraso de 30 anos em relação a Espanha”, refere.

Portugal, ao contrário de Espanha, Reino Unido ou Itália tem um quadro institucional de decisão em infraestruturas bastante frágil. Tem dificuldade em criar um plano previsível e os consensos necessários, como é exemplo o aeroporto de Lisboa”, diagnostica Carlos Oliveira Cruz.

Há um pára-arranca nos projetos de infraestruturas. Não vemos isso em Espanha, que tem conseguido manter um ciclo de estabilidade no investimento em infraestruturas apesar da alternância de partidos no governo.

Carlos Oliveira Cruz

Professor catedrático do Instituto Superior Técnico

Historicamente o que tem falhado é a capacidade de execução. A Alta Velocidade já esteve inscrita cinco ou seis vezes em planos de diferentes governos. Há um pára-arranca nos projetos de infraestruturas”, acrescenta o especialista em transportes. “Não vemos isso em Espanha, que tem conseguido manter um ciclo de estabilidade no investimento em infraestruturas apesar da alternância de partidos no governo”, aponta.

O país estará a entrar num novo ciclo de investimento em infraestruturas, que como sempre é em grande parte financiado pelo Orçamento do Estado ou fundos europeus. Depois de atingir um mínimo de 2,88 mil milhões de euros em 2016, o investimento público tem vindo a recuperar, sobretudo a partir de 2020 e com mais intensidade no ano passado, ultrapassando os 7,3 mil milhões.

O que passa também por um aumento dos gastos em infraestruturas. Na ferrovia, os números saltaram de 78,5 milhões em 2016 para 473 milhões em 2022. Números que vão crescer nos anos seguintes.

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O Governo lançou em janeiro o concurso público internacional para o primeiro troço da linha de Alta Velocidade Porto – Lisboa, que vai ligar a Invicta a Oiã, no distrito de Aveiro. A Infraestruturas de Portugal prevê lançar o concurso para o segundo troço, que levará a linha até Soure, em julho. Juntos, completam a primeira fase do projeto, que tem um custo orçado em 3.729 milhões de euros, estando em princípio assegurados 729 milhões em fundos do Mecanismo Interligar a Europa.

A Alta Velocidade, que também prevê ligar o Porto a Valença, faz parte do Plano Nacional de Investimentos 2030, que só na área dos transportes contempla 45 projetos e programas, entre mobilidade e transportes públicos, rodovia, portos e aeroportos.

Na calha está também a decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa. A Comissão Técnica Independente entregará o relatório final em março. Quer o líder do PS quer o da AD prometem pôr um ponto final no assunto pouco tempo depois de tomarem posse.

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