Tesla. Da pressão extrema à esperança no “novo” modelo

Em menos de três meses, as ações caíram 50% face ao máximo histórico, num ambiente de vendas mais baixas e apelos a boicote a Elon Musk. Mas será que o pior já passou, à boleia do "novo" modelo Y?

Com todas as notícias negativas à volta da Tesla e do seu recente calvário em bolsa, é fácil esquecer que quem tivesse investido nela mil dólares em 2015 teria chegado ao início de 2025, dez anos depois, com mais de 25 mil dólares em carteira. De facto, a fabricante de carros elétricos foi uma das estrelas dos mercados durante muito tempo, normalmente nos últimos anos, tendo atingido o seu máximo histórico a 17 de dezembro, para perto dos 480 dólares por ação. Agora, menos de quatro meses depois, está a cotar abaixo dos 280. Mas, afinal o que aconteceu e até onde poderá ir esta erosão de valor?

Há muitos motivos para esta queda, do acréscimo da concorrência à perspetiva de chegada de um modelo renovado, que pode ter feito alguns compradores adiarem a decisão. Mas boa parte destes fenómenos não são novos e não eram desconhecidos. O que mudou, então? A resposta é o papel cada vez mais proeminente que Elon Musk tem no palco político americano e mundial.

Ao longo dos últimos anos, Musk tem-se aproximado progressivamente mais da agenda da direita norte-americana e do partido republicano, nomeadamente nos campos económico e de costumes. Durante a campanha eleitoral para as presidenciais, o fundador da Tesla não apenas assumiu o apoio a Donald Trump como participou entusiasticamente em vários comícios. Para além disso, acelerou ainda mais a sua presença no X (antigo twitter, que detém) com mensagens cada vez mais radicais de apoio ao candidato republicano e de ataque aos democratas. Chegou a mesmo a pagar milhões a eleitores republicanos que assinavam uma petição e recomendavam outras pessoas para o fazer.

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Mas o mais relevante estava para vir. Com a eleição de Trump, foi criado o famoso DOGE, um departamento dedicado à “eficiência governamental” liderado pelo próprio Musk. Na prática, este grupo está a retalhar rapidamente boa parte dos programas públicos dos Estados Unidos, fechando serviços e despedindo funcionários ou eliminando programas de apoio a veteranos de guerra ou de combate à fome em África. O próximo alvo deverá ser a segurança social.

Junte-se a isto as suas tiradas cada vez mais violentas, o apoio a Putin e a partidos radicais e xenófobos pela Europa fora, e está criado o caldo que está a fazer de Musk uma das pessoas mais odiadas dos Estados Unidos. Se pensarmos que, há poucos anos, eram as pessoas mais à esquerda, que se preocupavam com o ambiente e uma certa visão de futuro, os principais defensores da Tesla, é fácil ver como tudo mudou.

Vendas em queda acelerada

Seja qual for a razão, ou várias a contribuírem para o mesmo resultado, os números não mentem e as vendas da Tesla estão em queda, o que é praticamente inédito. Com milhares de ativistas a atacarem a Tesla e até os stands físicos da marca, a explicação mais óbvia para a descida é que muitas pessoas, pura e simplesmente, deixaram de gostar do que a marca representa. Mais, está em curso uma espécie de movimento de shaming de quem anda de Tesla, como se os carros fossem um símbolo de determinada visão política.

Seja pelo que for, a construtora sofreu no primeiro trimestre a maior queda de vendas na sua história, de 13%, com menos de 337 mil veículos a saírem dos concessionários. Há cerca de três anos que a marca não tinha um trimestre tão mau em termos de vendas de automóveis. E este movimento foi particularmente vincado nos mercados europeus, sobretudo nos países nórdicos, que são muito importantes em termos de segmento elétrico. As quedas são transversais mas há exemplos gritantes, como o Reino Unido, a Noruega ou a Islândia. Enquanto as vendas de carros elétricos continuam a subir, em muitos mercados as vendas da Tesla caíram 50% face aos valores de um ano antes.

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Em Portugal, a tendência também é de baixa. Entre janeiro e março, foram matriculados em Portugal 2.145 ligeiros da marca Tesla, uma quebra de 25,7% face ao registado no mesmo período do ano anterior. Como um todo, este mercado encolheu, no primeiro trimestre de 2025, 0,8%. Porém, a quebra das vendas da Tesla são mais impressionantes se olharmos apenas para o segmento dos carros elétricos. As vendas deste mercado voltaram a crescer, a um ritmo de 27,1%, sendo que, entre os mais populares, ninguém caiu mais que a marca norte-americana.

De referir, no entanto, que olhando apenas para o mês de Março, a Tesla até teve uma recuperação das vendas em Portugal, eventualmente devido a encomendas da versão atualizada do Model Y.

Outra tendência visível em vários países é a subida abrupta de carros Tesla à venda no mercado de segunda mão, que alguns observadores apontam como uma possível corrida dos proprietários em distanciar-se da marca. Cá, também tem subido o número de Tesla à venda, de acordo com dados fornecidos ao ECO pelo portal Standvirtual. No entanto, é impossível dizer que tal se deve a uma reação emocional à marca ou a Elon Musk, até porque é normal que, alguns anos depois de picos de vendas, esses carros comecem a chegar ao mercado de usados, com os proprietários à procura de trocar por veículos novos ou mais recentes.

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A concorrência chinesa

Uma das razões apontadas para a pressão sobre as vendas da Tesla é a forte concorrência chinesa. Depois de anos em que a Tesla era completamente dominante no segmento elétrico, os mercados europeus estão agora a adotar cada vez mais carros chineses, que têm ganho popularidade pela sua qualidade e pelo seu custo, de marcas como a X-Peng ou a BYD. Esta última está a ganhar uma quota interessante em Portugal e, sobretudo, surpreende pela velocidade desse ganho. No segmento elétrico, no mercado português, a BYD mais que duplicou as matrículas no primeiro trimestre, face ao registado um ano antes, e chegou à quarta posição na tabela das marcas mais vendidas.

De referir também que a Tesla tem carros mais caros, em média, que a concorrência, e apresenta menos modelos, concentrando-se mais nos segmentos mais elevados. A oferta chinesa, por exemplo, tem ganhado terreno em muitos mercados porque tem apresentado modelos de todos os tipos e com lançamentos novos em grande ritmo.

Por outro lado, os próprios construtores convencionais continuam a lançar modelos elétricos cada vez mais eficientes e sofisticados, contribuindo para uma maior concorrência, num segmento que está a ficar mais maduro.

Musk como elemento tóxico da própria marca

“Uma das grandes funções das marcas é a criação de pertença”, afirma ao ECO João Soares Barros, professor na Escola Superior de Comunicação Social e especialista em marcas. “Nós usamos as marcas para comunicar com os outros, como um instrumento sobre como queremos ser vistos, aquilo que queremos representar. E isso, na Tesla, mudou muito rapidamente”, explica. A marca Tesla representava “um mundo mais ecológico, mais moderno, e agora passou a dizer-me o contrário”, continua o professor. Não porque os automóveis passassem a ser piores, mas apenas porque “o fundador, Elon Musk, é uma fortíssima fonte de identidade da marca”. “Se a marca, pela qual muitas pessoas tinham grande afinidade, passar, por via das posições políticas extremadas do seu fundador, passa a representar o contrário daquilo que fez o consumidor aproximar-se, há esta reação mais extremada”, diz João Soares Barros, lembrando que aqui não há apenas uma perda de popularidade mas até mesmo um ódio à marca, como se estes consumidores tivessem sido traídos. Em termos puramente de proteção de marca, teria feito sentido que, quando Musk assumiu funções no governo norte-americano, “pudesse ter abandonado a liderança da Tesla, pelo menos ter deixado de ser a sua cara de forma tão intensa”.

Se a marca, pela qual muitas pessoas tinham grande afinidade, passar, por via das posições políticas extremadas do seu fundador, passa a representar o contrário daquilo que fez o consumidor aproximar-se, há esta reação mais extremada

João Soares Barros

Professor na Escola Superior de Comunicação Social

Da mesma forma, “se a marca deixou de representar o que eu quero parecer junto dos outros, essa rejeição é perfeitamente normal, mas também pode gerar valor de marca junto de consumidores com valores diferentes”, ilustra. Por alguma razão, muitos apoiantes fervorosos do movimento Make America Great Again (MAGA) usam o Cybertruck da Tesla como símbolo de apoio político às posições de Trump.

O especialista lembra que já houve casos no passado de marcas caídas em desgraça, embora de forma menos rápida e intensa. Isto porque “agora há tecnologia e redes sociais e os consumidores estão mais interventivos”. João Soares Barros lembra, por exemplo, a rejeição da parte dos consumidores a produtos russos ou a marcas que tinham presença nesse mercado.

E o professor refere ainda um fenómeno mais alargado, de rejeição de marcas americanas, por questões políticas. “Até há pouco tempo, o american way of life era visto como o world way of life, também através das marcas. Agora, cada vez mais há apelos ao boicote de empresas dos Estados Unidos e aos seus produtos, porque isso já não é o que nos queremos mostrar aos outros, já não é o que o que muitos consumidores querem que os represente”, acrescenta.

O fracasso do Cybertruck

Não há, porventura, maior símbolo da viragem da Tesla do que o Cybertuck, uma espécie de SUV que acabou por se tornar popular entre os adeptos MAGA. Os modelos pickup são um símbolo da América, sobretudo rural, pelo que a entrada da Tesla neste segmento não era óbvio, até porque durante muito tempo as zonas fora das grandes cidades não contavam com uma rede fiável de postos de carregamento. Mas Elon Musk apostou muito neste modelo e chegou mesmo a avançar que, ainda antes do lançamento, tinha encomendas de um milhão de carros. Mais tarde, apontou para uma previsão de vendas de 250 mil por ano mas, no primeiro ano completo de comercialização, em 2024, vendeu apenas 40 mil unidades. A isto não será alheio o facto de o Cybertruck ter sido afetado, praticamente desde a primeira hora, por falhas e defeitos. Em menos de dois anos de comercialização, a Tesla já teve de fazer oito recalls, chamando os veículos à marca para corrigir defeitos ou erros de segurança.

Por outro lado, há a questão regulamentar. O simples tamanho do carro torna-o pouco prático para a maior parte dos mercados citadinos do mundo, e muitas cidades têm mesmo regulamentos que não permitem a circulação de veículos destas características nas suas estradas. Ou seja, o potencial de vendas, a nível mundial, é limitado.

Todas as fichas no “novo” Model Y

No meio de tantos problemas, há uma luz no horizonte. Trata-se da nova versão do Model Y, que não é apenas mais um modelo da Tesla: é o seu campeão de vendas e foi mesmo o carro mais vendido no mundo em 2023 e 2024. E, na ausência de lançamentos de modelos completamente novos — e a Cybertruck mostra que, mesmo isso, não é garantia de sucesso — a grande esperança está na melhoria de veículos que já deram garantias de popularidade. É esse o caso do Model Y, cuja nova versão tem o nome de código de Juniper e que só agora começa a chegar aos principais mercados, Portugal incluído. Face ao modelo de origem, o novo Y apresenta grandes mudanças a nível exterior, com impacto estético mas sobretudo aerodinâmico e, segundo a marca, traz novidades em mais de 50% do veículo. Ese é o trunfo mais imediato no qual a Tesla aposta para voltar a dominar as vendas. Mas, para além disso, a chegada deste modelo é apontada como uma das razões para a descida dos últimos meses. É que é normal que muitos consumidores que pretendessem comprar um Tesla tivessem suspendido as suas opções de compra até que estivesse disponível o novo modelo, mais moderno. Tendo em atenção o momento de grande pressão sobre a empresa, o comportamento comercial deste novo Model Y será mais acompanhado do que nunca e terá certamente efeito sobre as ações.

E agora, Musk?

Chegou a ser noticiado recentemente que Musk estaria perto de abandonar o seu papel governamental à frente do DOGE. O seu mandato inicial termina em maio e, apesar de poder ser renovado, há quem diga que essa data pode ser aproveitada para que a administração diga que o seu papel está feito e ele se afaste.

Trump e aqueles que lhe são mais próximos têm feito tudo para defender Musk e a Tesla, diga-se. O próprio presidente organizou uma sessão pública, aberta à imprensa, para comprar um Tesla para si. Para tal, chamou Musk e, nos jardins da Casa Branca, experimentou vários modelos até se decidir, e fechou o negócio em frente às câmaras. Já o responsável pela pasta do Comércio foi mais longe e, em direto da Fox News, recomendou a todos os americanos que comprassem ações da Tesla: “comprem ações da Tesla, é inacreditável quão baixas estão as ações!”.

Porém, a posição de Musk está longe de ser unânime dentro da administração, com uma certa luta de poder e de protagonismo entre o empresário e o vice-presidente, JD Vance. No último fim de semana, através de comentários na sua rede social X e em declarações feitas num evento em Itália, Musk mostrou-se desagradado com a estratégia de enormes tarifas anunciada por Trump e criticou aqueles que, junto do Presidente, o incentivaram.

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