2021, odisseia nos caminhos de ferro (I)
2021 será um ano onde vamos poder escrutinar se de facto o Plano Nacional de Infra-Estruturas 2030 é para levar a sério.
Começo com este artigo uma pequena série dedicada aos planos do nosso país para a rede ferroviária nacional, onde colocarei em foco os pontos-chave dos projectos mais relevantes – da identificação dos problemas à solução proposta, contextualizando-os numa linha mais global de evolução.
Começo esta série pela visão mais global, num país onde tem sobrado pouco tempo e atenção para lá da situação sanitária e seus números, que vai atrasando a discussão de tantos tópicos de importância estrutural no nosso país. Mas enquanto o país mediático se entretém a fazer política com o vírus, o ano de 2021 avança e é nos caminhos de ferro o ano mais decisivo desde 1974.
Não abordarei de novo os temas do nosso atraso estrutural, mas antes a visão preconizada para 2030 no Plano Nacional de Infra-estruturas. Com o infeliz parêntesis que são os projectos previstos para a mobilidade urbana – uma amálgama de conceitos distantes, transbordos em multiplicação e planos não estudados, que deveriam merecer forte censura e escrutínio no espaço público – inclui uma visão coerente para a rede ferroviária e que acompanha muito daquilo que fui defendendo e escrevendo ao longo dos anos e que, por isso, não me podia merecer menos do que o meu genérico apoio. 2021, o ano da grande odisseia ferroviária, será clarificador quanto ao futuro destes planos.
Com cerca de 10 mil milhões previstos ao longo de dez anos, a maioria esmagadora dos quais novamente financiados pela União Europeia, o plano pós-Ferrovia 2020 terá de conhecer sorte diferente sob pena do comboio não voltar a passar na nossa estação. As dificuldades de planeamento e execução do Ferrovia 2020 ensinaram muita coisa. Ensinou-nos que os políticos encontram aqui boas molas de execução orçamental, conseguindo défices milagrosos enquanto registam desvios escandalosos nas despesas correntes do Estado. Também nos ensinou que é fundamental ter nas empresas do sector administrações prontas a defender a sua instituição, capazes de contrabalançar as prioridades políticas do momento. O que foi feito na CP nos últimos anos e não foi feito na IP é uma fotografia de contrastes e que também prova que por vezes as dificuldades que parecem insuperáveis estão à distância da sua própria transparência.
Os ensinamentos na gestão dos processos de contratação pública têm de nos ensinar muito mais do que a necessidade de rever procedimentos. Continuo perfeitamente convencido que, mesmo sem algumas melhorias de eficiência que se podem promover com segurança no código de contratação pública, é possível acelerar muito mais o lançamento de empreitadas e de projectos. Para isso, o restauro de conhecimento no gestor de infra-estruturas é crítico para não voltar a cair nos mesmos erros, mas talvez não fosse má ideia recuperar os grupos de trabalho pluridisciplinares que boa memória deixaram no sector e que podem permitir a resolução simultânea dos desafios técnicos, financeiros e contratuais que um plano como o apresentado implica. Para já, a IP parece ter aprendido a lição e indicou já coordenação focada no projecto da nova linha do Norte.
Seremos um país diferente se começarmos de facto a tratar com ambição dos principais problemas da nossa rede – a baixa velocidade comercial, a saturação da linha do Norte, a baixa densidade da rede ao longo do território. Estando fundamentalmente interessado no desenvolvimento do país e deste sector em particular, sendo ainda insuspeito de votar PS, só posso registar que no meio de muita incompetência que este Governo nos tem servido em outras áreas, ainda pode ficar na história por boas razões – começando a executar, decisivamente, o plano de qualidade que nos ofereceu para a ferrovia. Como ainda acredito que nem só de desejos de poder se faz a permanência dos actuais actores nos respectivos cargos políticos, espero que compreendam a dimensão histórica do papel a que se propuseram. Esta é a sua oportunidade de se inscreverem na história como actores de mudança e transformação, e não apenas da gestão da conjuntura.
2021 será um ano onde vamos poder escrutinar se de facto o plano 2030 é para levar a sério. Porque para levar a sério, este é o ano em que terão de acontecer as contratações de projectos para a nova linha do Norte ou para a nova linha de Sines. Porque a IP terá uma nova administração e terá de replicar as melhores práticas europeias na transparência sobre os projectos que estuda e sobre a urgência que imprime aos dossiers mais relevantes. Porque terá de ser o ano de avançar com a contratação de obras como as quadruplicações de linhas em Lisboa ou Porto. Porque terá de ser o ano de finalizar o abate da dívida histórica que políticas de 40 anos impuseram à CP. E porque terá de ser o ano para colocar a concurso os prometidos 129 comboios novos para a empresa pública. Se isto não for feito em 2021, o plano de 2030 estará a começar como começou o Ferrovia 2020 e dificilmente não estará destinado a semelhante fim – dez anos passam num instante.
Longe de ideologias, de modelos abstractos ou de evoluções de mercado futuras, 2021 tem um caderno de encargos preenchido e coerente. Neste sector, temos uma realidade definida e um futuro projectado. No próximo artigo, trarei uma análise sobre o maior projecto previsto – a nova linha do Norte. Fiquem atentos.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
2021, odisseia nos caminhos de ferro (I)
{{ noCommentsLabel }}